19 de outubro de 2009

Calar é consentir? A virtude da Prudência (Exame de consciência para os imprudentes)

"Toda a virtude possui dois erros opostos, que são como uma corrupção daquele bem que nela há. Assim, para a necessidade de comer, o homem pode cometer dois erros: não comer ou comer pouco (a falta), ou então comer muito (o excesso). Para todo o bem, só se pode errar em falta ou em excesso. Em ambos os casos, o fim buscado se distorce na ilusão de um falso agir.

Para agir retamente, alcançando o bem sem distorcê-lo, é preciso ter o dom da sabedoria. A sabedoria no conhecimento facilita e dirige a retidão no agir, que é a virtude da prudência.

Não pretendo escrever um tratado sobre a prudência, o que está muito além dos interesses destas reflexões e da minha capacidade de divagar sobre o tema. As linhas a seguir são apenas pensamentos soltos que condenso na forma de um breve estudo sobre esta virtude indispensável. O objetivo desta análise é conciliar a defesa da Fé—absolutamente necessária para todo o católico batizado, principalmente o crismado—com o calar-se, e para isso tomaremos como guia a virtude da prudência."

"NUNCA CALAR-SE

A Igreja, quando canoniza um Santo, confirma que este viveu as virtudes em grau heróico, isto é, que não se acomodou numa “zona de conforto”, onde era possível permanecer católico e não renunciar ao mundo. O Santo levou a sua Fé até as últimas consequências, e não raras vezes não hesitou em entregar a própria vida, que é o bem natural mais precioso—tudo em troca de um bem sobrenatural, de valor incomensurável: a glorificação de Deus e a salvação das almas. São Josafat, por exemplo, ao lutar pelo retorno dos cismáticos orientais para a única Igreja de Cristo, católica apostólica romana, pagou com o próprio sangue a defesa da Fé, sofrendo o martírio. Mas, como já adverte Santo Agostinho, Deus permite males para deles retirar um bem maior. Além de alcançar a glória do martírio—prova incontestável das virtudes do cristão e da sua confiança em Deus, a quem ele entrega a própria vida—, a morte de São Josafat fez os seus assassinos também se converterem.

Dos Santos sempre nos impressionam não só os exemplos de coragem, como também a sabedoria. Se eles mantiveram uma vida correta, já era de se esperar que isso fosse fruto de uma profunda ciência de espírito. Os escritos dos Santos geralmente são como um “testamento espiritual”, porque traçam a via ao Céu que aquele Santo subiu e nos ensina a subir.

Evidentemente que, se os Santos viveram as virtudes em grau heróico, é porque jamais se calaram ante o erro. São Felix III ensina: “Não se opor ao erro é aprová-lo, e não defender a verdade é suprimi-la, e incluso não confundir homens maus quando nós podemos fazê-lo não é menor pecado do que encorajá-los”, sendo confirmado por São Pio V: “Aquele que conhece a verdade e não a proclama,este é um covarde miserável e não um cristão”.

No Batismo, cada cristão assumiu um compromisso inviolável com a Fé da Igreja, que é confirmado no Sacramento da Crisma, quando os dons do Espírito Santo são aumentados e o caráter de soldado de Cristo é impresso na alma daquele que o recebe. O Sacramento da Crisma torna o cristão preparado para viver a Fé católica sem hesitações. O crismado que nega defender a Fé comete uma grande traição a Deus, porque prometeu amá-Lo com o preço da própria vida, esquecendo-se não só do compromisso do Sacramento, como também da extrema misericórdia de Deus ao nos dar o Seu Filho em Sacrifício para o perdão dos pecados. Quem ama a Deus, está disposto a tudo para agradá-Lo, e a única forma de agradá-Lo é sustentar a Fé, “sem a qual ninguém verá a Deus” (Hebreus XII, 14). Por isso os Santos nunca se calaram, pois “onde não há ódio à heresia, não há santidade” (Padre Frederick William Faber, The precious Blood). O amor a Deus é proporcional à defesa da Fé: “porquanto, se eu evangelizar, não tenho de que me gloriar; pois me é imposta essa obrigação; e ai de mim, se eu não evangelizar” (I Coríntios IX, 16).

O SILÊNCIO QUANDO FOR OPORTUNO

A Igreja prescreve a todos os cristãos sete obras de misericórdia corporal (como dar de comer a quem tem fome) e espiritual (como consolar os tristes). Mas seria um absurdo que um católico fosse obrigado a dar de comer a todos os pobres e miseráveis da humanidade. Sabiamente a Igreja ensina que cada um é obrigado a cumprir estas obras de acordo com as circunstâncias: alimentar o mendigo que bate à porta de casa e consolar aquele que está de luto na família são ocasiões necessárias de praticar as obras de misericórdia.

É evidente que seria desastroso se um católico, pretendendo defender a Fé, argumentasse de forma impulsiva e precipitada. Isto certamente seria escandaloso para o não-católico, que se confundiria com o seu modo de agir agressivo. São Paulo queixa-se dos cristãos que dão mau exemplo, pois, por causa destes, muitos pagãos deixam de se converter e blasfemam contra o nome de Deus (cf. Romanos II, 24). Mas como foi afirmado no início das nossas reflexões, toda a virtude ou bem possui dois erros opostos—a falta e o excesso—, e assim como é impossível que um católico faça apostolado dando mau exemplo, do mesmo modo é impossível converter se ele for impulsivo, ainda que procure viver corretamente. Neste caso, o que falta a este católico precipitado é a virtude da prudência.

Se para cumprir uma obra de misericórdia a Igreja pede que o católico avalie as circunstâncias, o mesmo vale para ele defender conveniente e eficazmente a Fé. Sendo assim, calar-se não se torna um mal se for não para negar a Fé, mas para defendê-la sabiamente.

Há, portanto, ocasiões onde a verdade deve ser calada ou dita parcialmente, por uma razão de prudência. É um ato de caridade querer converter os que não vivem conforme a Fé católica, mas também é um ato de caridade falar convenientemente, a fim de que a verdade seja entendida sem escândalos.

Se o Sacramento da Crisma nos convoca a defender a Fé pelos dons do Espírito Santo e pelo caráter de soldado de Cristo que ele confere, no entanto o seu ritual não esquece que o calar-se também se insere nesta defesa.

Quando o Bispo confere o Crisma, ele dá um tapa na face do crismando, dizendo “Pax tecum”, a paz esteja contigo. Se o crismando revidar, comete pecado mortal por agredir fisicamente, e comete sacrilégio pessoal, por ofender uma pessoa sagrada, o Bispo. O tapa, no rito da Crisma, serve exatamente para ensinar a virtude da prudência: aquele que se torna soldado de Cristo deve estar preparado para aguentar as contradições, tribulações e humilhações, a fim de que haja sem se deixar vencer pela concupiscência ou pelo juízo temerário.

No Sermão da Montanha, o próprio Jesus declara: “não resistais ao que é mau, mas se alguém te ferir na tua face direita, apresenta-lhe também a outra” (Mateus V, 39). Cristo ensina que não devemos nos vingar do mau que nos fazem, e é aconselhável dar a outra face quando nos batem. Mas quando Cristo levou uma bofetada, reclamou ao invés de dar a outra face (João XVIII, 23). Estas atitudes, apesar de aparentarem serem contraditórias, possuem uma unidade: a prudência. Há momentos de bradar, mas há momentos de silenciar (cf. Eclesiastes III, 7). Cristo, prudentemente, sabia que não poderia ter dado a outra face ao soldado, que repetiria a bofetada. Se Ele o fizesse, estaria incentivando um pecado mortal. Na verdade, quando Ele manda dar a outra face, é para constranger aquele que bate, a fim de que perceba o seu erro.

Deixar de defender a Fé é trair a Deus, mas há pessoas que se escandalizariam se soubessem a verdade. Com estas pessoas, é indispensável que o católico haja com prudência. Então não se trata propriamente de “calar a verdade”, mas de dizê-la na medida exata e na ocasião propícia.

Jesus, no início da sua pregação, não permitia que os demônios que Ele expulsava dissessem que Ele era o Filho de Deus: “E de muitos saíam os demônios, gritando e dizendo: Tu és o Filho de Deus; mas ele, repreendendo-os, não lhes permitia dizer que sabiam que ele era o Cristo” (Lucas IV, 41). E, quando curava, não permitia que contassem o que Ele fez (cf. Mateus VIII, 4; IX, 30). Mas, ao fim do seu ministério, quando discutia com os doutores da Lei, Ele se proclamou ser Deus: Em verdade, em verdade vos digo que, antes que Abraão fosse feito, eu sou” (João VIII, 58). Claramente percebemos que Cristo oculta a sua Divindade no início da pregação, porque está preparando o povo para ouvir uma verdade que não seria compreendida desde cedo. Ele anunciou o Reino, fez milagres, profetizou e confirmou profecias que se cumpriam nEle, para assim poder, finalmente, se proclamar o Filho de Deus. Jesus, o Deus-Homem, usa da virtude da prudência: Ele não se calou, mas soube falar a verdade na ocasião exata, medindo as palavras de acordo com a capacidade de entendimento do povo.

E, quando pregava, Jesus dizia tudo em parábolas: “E, chegando-se a ele os discípulos, disseram-lhe: Por que razão lhes fala por meio de parábolas? E ele, respondendo, disse-lhes: Porque a vós é concedido conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é concedido” (Mateus XIII, 10-11).

Certamente Deus quer que todos cheguem ao conhecimento da verdade (cf. I Timóteo II, 4), mas se um homem que vive em pecado ou falsidade souber a verdade tal qual ela é, ficaria escandalizado e não se converteria. O choque sofrido o faria repugnar o ensino da Igreja. Para evitá-lo, é necessário ensinar com prudência, para que a conversão seja eficaz.

Cristo foi prudente ensinando por parábolas, porque os humildes e puros de coração entendiam, enquanto que os maus se confundiam. Quem aprende a verdade e não pratica, será culpado do seu erro; mas um mal menor comete aquele que erra sem ter culpa (cf. Lucas XII, 47-48). Se Jesus ensinasse abertamente a verdade, muitos se escandalizariam e fugiriam da sua pregação. Mas, por parábolas, Cristo guardava o que é santo aos santos, evitando as blasfêmias dos maus. É um ato de caridade calar-se quando sabemos que ensinar determinada verdade vai escandalizar de tal modo a pessoa que ela jamais irá aceitá-la. Pela virtude da prudência, o ensino da verdade deve ser feito com paciência, a fim de que a doutrina da Igreja não choque.

Deus quer a salvação de todos, mas, para converter, devemos ensinar a verdade observando as circunstâncias. Pessoas apegadas ao mundo não mudarão seus hábitos com uma simples condenação que proferirmos de que ela comete pecado mortal e irá para o inferno. É necessário um ensino paciente e zeloso, a fim de que a conversão seja eficaz, e não traumática.

Quando os apóstolos perguntaram por que Cristo ensinava por parábolas, Ele respondeu: “porque a vós é concedido conhecer os mistérios do reino dos céus”. Jesus explicava o significado das parábolas aos apóstolos porque eles saberiam acatar os seus ensinamentos. O povo, porém, não ficaria sem a compreensão das verdades reveladas por Cristo.

Ao falar da vigilância, Jesus advertiu os apóstolos que sempre estes deveriam estar preparados, cuidando convenientemente dos bens do Senhor para não serem pegos de surpresa quando Ele voltar. Pedro pergunta se esta parábola era para eles ou para todos. “E o Senhor disse-lhes: Quem julgas que é o dispenseiro fiel e prudente que o Senhor pôs na sua família, para dar a cada um a seu tempo a ração de trigo?” (Lucas XII, 42).

Neste versículo Jesus profetiza a missão da Igreja: enquanto o Senhor não está entre seus filhos, a Igreja é a responsável em ensinar a verdade até que Ele venha. E assim como ninguém engole um pão por inteiro, porque irá se afogar, do mesmo modo, a verdade deve ser ensinada aos poucos, em migalhas, para que possa ser entendida. O mesmo Jesus que se proclamou Pão da vida (cf. João VI, 35) ensina a prudência aos sacerdotes, para que distribuam a ração de trigo, isto é, o alimento da verdade, de acordo com o tempo de cada um.

Não podemos fazer com que os relaxados e os ignorantes aprendam num só golpe. Calamos, quando vemos que não haverá fruto uma discussão. Falamos, quando é justo defender a Fé. Explicamos com parcimônia, para não escandalizar o próximo. Saber agir no momento oportuno, tendo controle sobre a própria língua é usar da prudência.

CONCLUSÃO

Defender a Fé não significa falar de forma intransigente, implacável e brutal. Porque, se não podemos nos calar sobre o que vimos e ouvimos (cf. Atos IV, 20), no entanto, a virtude da prudência nos ensina a falar com mansidão, paciência e sabedoria, dando de comer com o pão da verdade na ocasião certa.

A imprudência também está não só na intransigência, como no juízo temerário. Julgar ou pensar mal de alguém que faz o bem, esperando uma heresia ou falsidade só porque a pessoa não vive o Catolicismo em sua plenitude, também é imprudência, além de falta de caridade. O prudente julga corretamente as circunstâncias, e observa que até o herege é capaz de fazer o bem, pois, se objetivamente ele está errado, subjetivamente ele não percebe a sua heresia e pensa estar com a verdade.

Por último, uma das raízes da imprudência está na concupiscência. Depois do pecado de Adão, todos os homens herdam uma natureza decaída, com dificuldade de conhecer a verdade, inclinação para o mal e inexatidão para o cumprimento do bem. “Prudência é a faculdade de julgar retamente. Uma pessoa temperamentalmente impulsiva, propensa a ações precipitadas, a juízos instantâneos, terá de enfrentar a tarefa de tirar essas barreiras para que a virtude da prudência possa atuar nela efetivamente” (Padre Leo J. Trese, a Fé explicada). Neste caso, o imprudente deve pedir a Deus em suas orações o dom da sabedoria, pois quem tem sabedoria, tem os outros dons. Para julgar corretamente, é necessário pensar corretamente. Para que então a inteligência e a vontade hajam sem estar ofuscadas pelas suas paixões, a virtude da sabedoria serve de guia para a prudência.

BREVE EXAME DE CONSCIÊNCIA PARA O IMPRUDENTE

1) Examino a mim mesmo, e procuro descobrir os meus próprios defeitos e pecados nas minhas atitudes diárias. Sou impulsivo, agindo com precipitação, sem pensar calmamente? Deixo-me levar pelo entusiasmo? Sou implacável e intransigente, sem saber ter paciência com os outros?

2) Avalio as circunstâncias quando ajo? Quando quero defender a Fé, avalio se a pessoa que ouve entenderá e acatará o que falarei? Quando falo, avalio se a pessoa vai aceitar ou se escandalizar? Quando falo, avalio se aquela é a ocasião oportuna?

3) Meço as minhas palavras? Quero ensinar a Fé num só golpe ou procuro ensinar aos poucos, na medida em que a pessoa pode acatar? As pessoas com quem converso entenderão do que falo ou podem se confundir?

4) Penso o mal das outras pessoas quando as vejo fazendo o bem? Consigo aceitar o bem que as outras pessoas fazem, mesmo quando não praticam profundamente o Catolicismo? Suponho maldades de pessoas que estão se convertendo? Julgo sem ter como provar? Avalio as circunstâncias antes de julgar? Crio confusões e divisões por causa do que falo, o que leva as pessoas a permanecerem afastadas da Religião? Sempre espero o mal daqueles que praticam a Religião com menos fervor do que eu?

5) Deixo que meu “espírito cruzado” de defender a Fé aniquile em mim o bom senso? Suponho das coisas muito mais do que elas aparentam ser? Crio conspirações e invento hipóteses para supor um mal que não tenho como provar? Baseio-me nos fatos ou maquino explicações fantasiosas?

6) Penso no grau de consciência da verdade que as outras pessoas têm? Avalio o conhecimento e o desconhecimento da verdade que os outros possuem quando vou lhes explicar a Fé? Avalio se o que eu vou falar vai piorar ou melhorar a situação? Avalio se o que tenho a dizer constrói aos outros tanto quanto constrói a mim?

7) Peço, nas minhas orações, a virtude da sabedoria e da prudência? Procuro superar as minhas más inclinações? Procuro viver em mansidão e com espírito resignado? Falo mais do que devo ou guardo silêncio quando necessário?"

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