6 de outubro de 2009

Matrimônio Cristão - Católico - Final 1/14

Apresentação à Encíclica Casti Connubii, sobre o Matrimônio Cristão - Dom Lourenço Fleichman OSB

Não conheço família que não tenha sido contaminada pelo flagelo do divórcio. Chamo de flagelo não somente o divórcio propriamente dito, jurídico e laico, mas todo o ambiente que reina hoje nas almas, nas consciências, mesmo nos mais bem formados.
Enquanto no mundo inteiro lutavam os políticos para que fosse aceito o que eles chamavam de "progresso", de "maturidade", clamava, isolada e abandonada, a Santa Igreja contra a usurpação dos direitos de Deus. Ele, o Criador, o Redentor, deixado de lado na elaboração da família, e os homens ingratos e arrogantes estabelecendo, dentro de suas próprias casas, a bomba de retardo que iria destruir as bases da civilização cristã.
Voltemos em espírito aos tempos que precederam a 2ª Grande Guerra. O mundo já estava todo contaminado, porém a Igreja ainda era respeitada e ainda levantava barreiras contra a destruição dos bens que compunham nossa civilização, nossa cidade. Naquela época e ainda até os anos sessenta, para que uma pessoa tomasse a decisão de sair de casa, de ir morar sozinho ou com amantes, era preciso levantar um peso, um obstáculo social, religioso e moral. Ganhava a família e, com isso, ganhavam os filhos e mesmo o casal. Todos ganhavam. Mas o fogo cerrado contra a Igreja iria minar esta base sólida de vida cristã.
Em alguns países, foi fácil e já havia acontecido há muito tempo. Em outros, os costumes, a fé e a força da Igreja saíam ainda vencedoras. Todos sabem como o então Presidente Geisel aprovou as mudanças de regras para a votação no Legislativo, de modo a quebrar a resistência que levava sempre à derrota os deputados divorcistas, como Nelson Carneiro e outros. Mudaram a lei para aprovar a iniqüidade. E assim a família brasileira foi ferida de morte e, hoje, jaz agonizante na sarjeta da sociedade.
Já não existem homens honestos que considerem a família como um bem superior ao indivíduo. Já não compreendem que a sociedade familiar, fundada diante de Deus, tinha prerrogativas e direitos superiores aos direitos dos indivíduos, pois o todo vale mais do que a parte. Já não querem a sociedade familiar, que tende naturalmente aos frutos do amor que são os filhos. Agora é cada um por si, na busca do prazer enquanto durar! E há a televisão, as novelas, os seriados americanos mostrando essa gente simpática, moderna, alegre a pregar a liberdade e a inventar mil pretextos falsos para enganar os filhos. E os bons foram cedendo, foram aceitando.
Hoje, o quadro é conhecido de todos: cada dia mais cresce o número de crianças sem pais. Digo sem pais, ou seja, que saem cada fim de semana com um dos progenitores. E estes já não são pais de verdade. Guardam a afeição pelos filhos na medida em que isso lhes interessa e não atrapalha. Mas não os amam de verdade, pois que preferiram sair de casa, preferiram a separação, a traição, o adultério a guardar-se dos pecados que bombardearam os bens de sua família. Por mais bem formadas que sejam no catecismo, o que também já não acontece, como poderão crescer estas crianças com a fé e a convicção necessárias para formar uma verdadeira família? É claro que a herança do exemplo dará a elas o horror ao casamento, à fidelidade. Dará a elas uma consciência deturpada quanto à superioridade da família sobre o indivíduo; dará a elas a impressão de que podem dizer aos pais: “Vocês fizeram, porque eu não posso fazer?"
Mas, apesar da desolação, todo católico continua obrigado a conhecer a doutrina da Igreja sobre o matrimônio. Já editamos na nossa página, na rubrica Catecismo, os ensinamentos doutrinários sobre o Sacramento do Matrimônio. Hoje trazemos a clássica encíclica do Papa Pio XI Casti Connubii, de 1930. É leitura obrigatória para todos os que se preparam para abraçar este estado de vida onde a graça do Bom Deus vem ajudar os pais a viver em verdadeira sociedade familiar católica, onde o sorriso dos filhos virá alegrar o amor do casal, onde o bem de todos importará acima dos bens particulares, onde as orações diárias elevarão as almas até Deus, sob o manto da Virgem Maria.
É a fé, e só ela, que pode dar-nos as forças necessárias para vencermos as enganações do mundo, do diabo e da carne. Nossos três terríveis inimigos farão guerra à família cristã. Estejamos prontos para o combate.

ACERCA DO MATRIMÔNIO CRISTÃO
(Casti connubii)
CARTA ENCÍCLICA

aos Veneráveis Irmãos Patriarcas, Primazes, Arcebispos, Bispos a outros Ordinários em paz e comunhão com a Sé Apostólica: acerca do Matrimônio Cristão em face das atuais condições, exigências, erros e vícios da família e da sociedade.
PAPA PIO XI.
Veneráveis Irmãos:
Saudação e bênção apostólica.
1. Quão grande seja a dignidade da casta união conjugal, podemos principalmente reconhecê-lo, Veneráveis Irmãos, pelo fato de Cristo, Nosso Senhor, Filho do Pai Eterno, tendo tornado a carne do homem decaído, não só ter incluído, de forma particular, o matrimônio — princípio e fundamento da sociedade doméstica e até de toda a sociedade humana — naquele desígnio de amor por que realizou a universal restauração do gênero humano; mas, depois de o ter reintegrado na pureza primitiva de sua divina instituição, tê-lo elevado à dignidade de verdadeiro e “grande” (Ef 5, 32) sacramento da Nova Lei, confiando, por isso, toda a sua disciplina e cuidado à Igreja, Sua Esposa.
2. Para que, todavia, esta renovação do matrimônio produza, em todos os povos do mundo inteiro e de todos os tempos, os seus desejados frutos, é preciso, primeiro, que as inteligências humanas se esclareçam acerca da verdadeira doutrina de Cristo a respeito do matrimônio; e convém ainda que os esposos cristãos, fortificada a fraqueza da sua vontade pela graça interior de Deus, façam concordar todo o seu modo de pensar e de proceder com essa puríssima lei de Cristo, pela qual assegurarão a si próprios e à sua família a verdadeira felicidade a paz.
3. Mas, ao contrário, quando desta Sé Apostólica, como de um observatório, olhamos à nossa volta, verificamos na maior parte dos homens, com o esquecimento desta obra divina de restauração, a ignorância total da altíssima santidade do matrimônio cristão. Vós o verificais, tão bem como Nós, Veneráveis Irmãos, e o deplorais conosco. Desconhecem essa santidade, ou a negam impudentemente ou, ainda, apoiando-se nos princípios falsos de uma moralidade nova e absolutamente perversa, a calcam aos pés. Esses erros perniciosíssimos e esses costumes depravados começaram a espalhar-se até entre os fiéis e pouco a pouco, de dia para dia, tendem a insinuar-se no meio deles; por isso, em razão da Nossa missão de Vigário de Cristo na terra, de Supremo Pastor e Mestre, julgamos que Nos compete levantar a Nossa voz Apostólica para afastarmos dos pascigos envenenados as ovelhas que Nos foram confiadas, e, tanto quanto em Nós caiba, conservá-las imunes.
Divisão da Encíclica
4. Resolvemos, pois, falar-vos, Veneráveis Irmãos, e, por meio de vós, a toda a Igreja de Cristo e até a todo o gênero humano, a respeito da natureza do matrimônio cristão, da sua dignidade, das vantagens a benefícios que dele dimanam para a família e para a própria sociedade humana; dos gravíssimos erros contrários a esta parte da doutrina evangélica, dos vícios contrários à vida conjugal, e, enfim, dos principais remédios que é mister empregar, seguindo os passos do Nosso predecessor de feliz memória, Leão XIII, cuja Carta Encíclica Arcanum (Enc. Arcanum divinae sapientiae), acerca do matrimônio cristão, publicada há 50 anos, fazemos Nossa e confirmamos pela presente Encíclica; e declaramos que, se expomos mais largamente alguns pontos de acordo com as condições e necessidades da nossa época, aquela Encíclica não só não se tornou obsoleta mas conserva seu pleno vigor.
Os supremos princípios
5. E, para tomarmos como ponto de partida aquela mesma Encíclica, que é quase toda consagrada a provar a divina instituição do matrimônio, a sua dignidade de sacramento e a sua inquebrantável perpetuidade, lembremos em primeiro lugar o fundamento que permanece intacto e inviolável: o matrimônio não foi instituído nem restaurado pelos homens, mas por Deus; não foi pelos homens, mas pelo restaurador da própria natureza, Cristo Nosso Senhor, que o matrimônio foi resguardado por lei, confirmado e elevado; por isso essas leis não podem depender em nada das vontades humanas nem sujeitar-se a nenhuma convenção contrária dos próprios esposos. É esta a doutrina da Sagrada Escritura (Gn 1, 27-28; 2, 22-23; Mt 19, 3 e seg.; Ef 5, 23 e seg.); é esta a constante e universal tradição da Igreja, esta a definição solene do Sagrado Concílio de Trento, que, tomando as próprias palavras da Sagrada Escritura, proclama e confirma que a perpetuidade e a indissolubilidade do matrimônio, bem como a sua unidade e imutabilidade, provêm de Deus, seu autor (Conc. Trid. sess. 24).
6. Mas, embora o matrimônio por sua própria natureza seja de instituição divina, também a vontade humana tem nele a sua parte, e parte notabilíssima; pois que, enquanto é a união conjugal de determinado homem e de determinada mulher, não nasce senão do livre consentimento de cada um dos esposos: este ato livre da vontade por que cada uma das partes entrega e recebe o direito próprio do matrimônio (Cf. Cod. Iur. Can. c. 1081, § 2) é tão necessário para constituir um verdadeiro matrimônio, que nenhum poder humano o pode suprir (Cf. Cod. Iur. Can. c. 1081, § 1). Esta liberdade, todavia, diz respeito a um ponto somente, que é o de saber se os contraentes efetivamente querem ou não contrair matrimônio e se o querem com tal pessoa; mas a natureza do matrimônio está absolutamente subtraída à liberdade do homem, de modo que, desde que alguém o tenha contraído, se encontra sujeito às suas leis divinas e às suas propriedades essenciais. O Doutor Angélico, dissertando acerca da fidelidade conjugal e da prole, diz: “No matrimônio estas coisas derivam do próprio contrato conjugal, de tal modo que, se no consentimento que produz o matrimônio se formulasse uma condição que lhe fosse contrária, não haveria verdadeiro matrimônio” (Sum. Theol. part. III, Suplem., q. XLIX, art. 3.º).
7. A união conjugal é, pois, acima de tudo, um acordo mais estreito que o dos corpos; não é um atrativo sensível nem uma inclinação dos corações o que a determina, mas uma decisão deliberada e firme das vontades: e desta conjunção dos espíritos, por determinação de Deus, nasce um vínculo sagrado e inviolável.
8. Esta natureza própria e especial do contrato o torna irredutivelmente diferente das relações que têm entre si os simples animais, sob o único impulso de um cego instinto natural, em que não existe nenhuma razão nem vontade deliberada; torna-o totalmente diferente, também, dessas uniões humanas irregulares, realizadas fora de qualquer vinculo verdadeiro e honesto por vontades destituídas de qualquer direito de convívio doméstico.
9. Em virtude disto, claro está que a autoridade legítima tem o direito e até o dever de proibir, impedir e punir as uniões vergonhosas que repugnam à razão e à natureza; mas, como se trata de algo que resulta da própria natureza humana, não é menos certa aquela própria advertência, dada pelo Nosso Predecessor Leão XIII, de feliz memória (Enc. Rerum Novarum, 15 de maio de 1891): “Na escolha do gênero de vida, não há dúvida de que todos têm liberdade plena e inteira ou de seguir o conselho de Jesus Cristo relativo à virgindade, ou de se ligar pelo vínculo matrimonial. Nenhuma lei humana poderia tirar ao homem o direito natural a primordial do casamento, ou limitar de qualquer modo aquilo que é a própria causa da união conjugal, estabelecida desde o princípio pela autoridade de Deus: “crescite et multiplicamini” (Gn 1, 28).
10. Por isso, a união santa do verdadeiro casamento é constituída, ao mesmo tempo, pela vontade divina e humana: de Deus vem a própria instituição do matrimônio, os seus fins, as suas leis e os seus bens; com o auxílio e coadjuvação de Deus, é aos homens, mediante o dom generoso que uma criatura humana faz a outra da sua própria pessoa, por todo o tempo da sua vida, que se deve qualquer matrimônio particular, com os deveres e benefícios estabelecidos por Deus.

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