19 de outubro de 2009

Matrimônio Cristão - Católico - Final 14/14

As leis civis
131. As leis civis podem, de fato, beneficiar muito esta gravíssima missão da Igreja, se em suas normas tiverem em conta o que prescreve a lei divina e eclesiástica e estabelecerem penas contra os transgressores. Há, em verdade, muitas pessoas que julgam ser-lhes lícito, ainda segundo a lei moral, o que é permitido pelas leis do Estado ou, pelo menos, por elas não é punido; há-as também que praticam ações, ainda contra a voz da consciência, por não temerem a Deus nem verem motivo para temer as leis humanas, pelo que freqüentemente são causa da ruína própria e de muitos outros.
132. Nem é de recear algum perigo ou diminuição nos direitos e na integridade da sociedade civil por virtude deste acordo com a Igreja, porque são insubsistentes e completamente vãs tais suspeitas e receios, como teve já ocasião de o demonstrar eloqüentemente Leão XIII: “Não há dúvida”, diz, “que Jesus Cristo, fundador da Igreja, quis o poder religioso distinto do civil e que um e outro tivessem no seu campo próprio completa e perfeita liberdade de ação, com a condição todavia de existir entre eles a união e a concórdia em mútua vantagem e da mais alta importância para todos os homens [...]. Se o poder civil estiver plenamente de acordo com o poder sagrado da Igreja, não pode deixar de daí derivar grande utilidade para ambos. De fato aumenta a dignidade do primeiro, e, sob a guia da religião, o seu governo nunca será injusto; ao do segundo oferecem-se auxílios de tutela e de defesa no interesse comum dos fiéis” (Enc. Arcanum, 10 de fevereiro de 1880).
Exemplo luminoso
133. E, para citar o exemplo luminoso de um fato recente que se deu de acordo com a ordem devida e a lei de Cristo, lembraremos que nas solenes convenções felizmente estipuladas entre a Santa Sé e o reino da Itália, ainda no que respeita ao matrimônio, se efetuou um acordo pacífico e uma cooperação amigável, como o exigiam a gloriosa história e as antigas tradições religiosas do povo italiano. E assim, de fato, se lê decretado nos Pactos Lateranenses o seguinte: “O Estado italiano, querendo restituir à instituição matrimonial, que é a base da família, a dignidade conforme às tradições do seu povo, reconhece efeitos civis ao Sacramento do matrimônio, regulado pelo direito canônico” (Concord., Art. 34: Acta Apost. Sed. XXI 1929, pág. 290), norma fundamental esta à qual posteriormente e de mútuo acordo se acrescentaram outras determinações.
134. Sirva isto de exemplo e argumento, nos mesmos tempos atuais (em que infelizmente com freqüência se vem pregando uma absoluta separação entre a autoridade civil e a da Igreja, ou antes, de qualquer religião), para demonstrar que os dois supremos poderes, sem detrimento algum recíproco dos próprios direitos e garantias soberanas, podem juntar-se e associar-se concordemente em pactos amigáveis, no interesse comum de uma e de outra sociedade, e que pode existir da parte dos dois poderes, a respeito do matrimônio, um cuidado comum, em virtude do qual sejam afastados das uniões conjugais cristãs perigos perniciosos, ou até a ruína já iminente.
CONCLUSÃO
135. Tudo isto, Veneráveis Irmãos, que convosco ponderamos atentamente, movidos pela solicitude pastoral, quereríamos que fosse largamente divulgado, segundo as normas da prudência cristã, entre todos os nossos diletos filhos diretamente confiados aos vossos cuidados, entre todos os membros da família cristã, a fim de que todos conheçam plenamente a sã doutrina acerca do matrimônio, se acautelem diligentemente dos perigos semeados pelos divulgadores de erros e, sobretudo, “renegada a impiedade e os desejos do mundo, vivam nesse mundo com temperança, com justiça e com piedade, ansiando pela bem-aventurada esperança e pela vinda da glória do grande Deus e Salvador nosso, Jesus Cristo” (Tito 2, 12-13).
136. Conceda-Nos o Pai Onipotente, “de quem toda a paternidade, tanto no céu como na terra, recebe o nome” (Ef 3, 15), que ajuda os débeis e anima os pusilânimes e os tímidos; conceda-Nos Cristo Senhor e Redentor, “instituidor e aperfeiçoador dos veneráveis Sacramentos” (Conc. Trident., sess. XXIV), que quer e fez o matrimônio à mística imagem da sua inefável união com a Igreja; conceda-Nos o Espírito Santo, Deus Caridade, fogo dos corações e vigor das inteligências, que o que expusemos na Nossa presente carta acerca do santo sacramento do matrimônio, da admirável lei e vontade divina que lhe diz respeito, dos erros e perigos que sobrevêm, e das medidas com que se podem evitar, seja perfeitamente compreendido, prontamente aceito e posto em prática com o auxílio da graça divina, de forma que floresça e prospere nos matrimônios cristãos a fecundidade oferecida a Deus, a fidelidade sem mancha, a inconcussa estabilidade, a santidade do sacramento e a plenitude das graças.
137. E para que Deus, que é o autor de todas as graças e a quem pertence todo o querer e realizar (Filip 2, 13), realize e se digne liberalizar tudo isto segundo a sua benignidade e onipotência, enquanto Nós, com toda a humildade, elevamos calorosas preces ao trono da sua graça, como penhor de copiosa bênção do mesmo Deus Onipotente, a Vós, Veneráveis Irmãos, ao clero e ao povo entregues aos vossos cuidados vigilantes e assíduos, concedemos de todo o coração a Bênção Apostólica.
138. Dado em Roma, junto de S. Pedro, no dia 31 de dezembro de 1930, nono ano do Nosso Pontificado.
Pio PP. XI.


* "Segundo um testemunho privado mas seguro, Pio XI se arrependeu de haver escrito esta frase na sua encíclica ao ver os abusos a que ela se prestava. Mas, examinando-a, vê-se que em absoluto não contradiz o que acabamos de expor: um filósofo distinguiria, apenas, a causa formal da causa final. No que se relaciona formalmente ao matrimônio, à união consumada e à vida de amor de dois seres humanos, o importante, diz-nos Pio XI, não é o elemento carnal, mas a edificação recíproca, o aperfeiçoamento mútuo. Apenas, não é esta a finalidade profunda da instituição como tal... Ainda que tivéssemos de concordar — e não cremos que seja este o caso — com a possibilidade de subsistir um equívoco na leitura desta passagem, isolada do conjunto da Encíclica, seu grande contexto esclareceria suficientemente. E, além disto, sua autêntica interpretação é dada pela tomada de posição posterior da Santa Sé. Deve-se considerar encerrado o debate.

Uma alma católica conservará reconhecida, dessas palavras, a perspectiva de luz aberta pela verdade básica do principado do filho na vida conjugal: o verdadeiro interesse por este é o critério decisivo na solução exata da maioria dos problemas e dos casos de consciência que possam a este respeito surgir

O pensamento católico sobre este ponto é, muitas vezes e em certos países, violentamente combatido. Talvez por não ser compreendido em sua pureza. Diminuirá ele, com efeito, a grandeza do amor conjugal não reconhecendo nele mesmo seu próprio fim? Como se este amor pudesse ser introvertido! A experiência psicológica prova a verdade da doutrina. As mais sadias almas sentem assim. É conhecida a famosa frase de Saint-Exupéry: ‘Amar não é olhar um para o outro, é um e outro olharem na mesma direção’. Gustave Thibon diz, igualmente: ‘Só um amor comum pode pôr em prova um amor recíproco’. E o mesmo filósofo faz esta terrível reflexão a propósito dos esposos malthusianos: ‘Um amor que tem o vazio como essência recusa, logicamente, ter o ser como resultado’" (M. A. Genevois O.P., O Casamento no Plano de Deus, 2a. ed., Rio de Janeiro, Agir, 1962, pp. 122-123.)

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