5 de abril de 2014

Dor de Maria Santíssima em consentir na morte de Jesus.

Proprio Filio suo non pepercit, sed pro nobis omnibus tradidit illum — “Não poupou a seu próprio Filho, mas entregou-O por nós todos” (Rm 8, 32).

Sumário. Embora Maria Santíssima já tivesse consentido na morte de Jesus Cristo, desde que aceitou a maternidade divina, quis todavia o Pai Eterno, que ela renovasse o consentimento no tempo da Paixão, a fim de que, juntamente com a vida do Filho, fosse também sacrificado o coração da Mãe. Pelos merecimentos deste consentimento tão espontâneo como doloroso, a Santíssima Virgem foi feita Reparadora do gênero humano, e credora de toda a nossa gratidão. Quantos, porém, lhe pagam com a ingratidão mais monstruosa, renovando pelo pecado a paixão do Filho e as dores da Mãe!

I. Ensina Santo Tomás que, conferindo a qualidade de mãe direitos especiais sobre os filhos, parece conveniente que Jesus, inocente e sem culpa própria merecedora de suplício, não fosse destinado à morte de cruz sem que a Santíssima Virgem consentisse e o oferecesse espontaneamente a morrer. Verdade é que Maria já dera o seu consentimento quando foi escolhida para Mãe do Redentor. Quis, porém, o Eterno Pai que ela o renovasse no tempo da Paixão, a fim de que, juntamente com o sacrifício da vida do Filho, fosse também sacrificado o coração da Mãe.

A Bem-aventurada Virgem, ao pensar no Filho amado, que em breve ia perder, tinha os olhos sempre arrasados de lágrimas, e, como ela mesma revelou à Santa Brígida, um suor frio corria-lhe pelo corpo, por causa do temor do doloroso espetáculo que se avizinhava. Eis que, chegando finalmente o dia destinado, veio Jesus e chorando se despediu da Mãe, para ir morrer. Diz Cornélio a Lapide que, para compreendermos a dor que Maria então sentiu, seria mister que compreendêssemos o amor que tal Mãe tinha a tal Filho. Como, porém, poderemos fazer ideia disso?

Ah! Os títulos unidos de serva e mãe, de filho e Deus acenderam no coração da Virgem um incêndio composto de mil incêndios, de tal modo que São Guilherme de Paris chega a dizer que Maria amou a Jesus Cristo tanto, que uma pura criatura não seria quase capaz de amá-Lo mais: Quantum capere potuit puri hominis modus. No tempo da Paixão, todo este incêndio de amor se converteu num mar de dor. Pelo que São Bernardino disse: “Todos os sofrimentos do mundo, se fossem ajuntados, não poderiam igualar à dor de Maria”. Pobre Mãe! E nós não nos compadeceremos dela?

II. Dizem os santos Padres que a Bem-aventurada Virgem, pelos merecimentos que adquiriu oferecendo a Deus o grande sacrifício da vida de seu Filho, deve com razão ser chamada: Reparadora do gênero humano; restauradora das nossas misérias, Mãe de todos os fiéis cristãos, nova Eva que nos gerou para a vida, dissemelhante da outra Eva que foi a causa primeira da nossa perdição. — Por isso o Bem-aventurado Alberto Magno afirma que, assim como somos obrigados a Jesus Cristo pela paixão a que se submeteu por nosso amor, somos obrigados igualmente a Maria pelo martírio que na ocasião da morte do Filho quis sofrer espontaneamente pela nossa salvação.

Infelizmente, porém, quantos cristãos, em vez de se mostrarem agradecidos, pagam à nossa boa Mãe com a mais monstruosa ingratidão! — Disto exatamente se queixou a mesma Santíssima Virgem com a Bem-aventurada Colleta, franciscana. Aparecendo-lhe um dia e mostrando-lhe Jesus Cristo, todo desfigurado pelas chagas: “Filha”, disse-lhe, “eis aí como os pecadores tratam continuamente a meu Filho, renovando-lhe a morte e a mim as dores”.

Ó minha bendita Mãe! É assim que os homens respondem ao amor que lhes mostrastes, consentindo em que vosso Jesus morresse pela nossa salvação. Ingratos como são, nem depois de O haverem crucificado, deixam de persegui-Lo com os seus pecados, e assim continuam também a afligir-vos, ó grande Rainha dos Mártires. Eu também fui um daqueles infelizes. Ah! minha Mãe dulcíssima, alcançai-me lágrimas para chorar tamanha ingratidão. Pela dor que sentistes, quando vosso Filho se despediu de vós para ir de encontro à morte, obtende-me a graça de contemplar sempre com fruto os mistérios dolorosos da sua Paixão, especialmente nestes dias em que a Igreja faz dela recordação especial. Esta graça eu vo-la peço pelo amor do mesmo Jesus Cristo; de vós a espero. (*I 241.)

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(Santo Afonso Maria de Ligório. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Primeiro: Desde o primeiro Domingo do Advento até Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 372-374.)

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