16 de abril de 2014

Pensamentos Consoladores de São Francisco de Sales.

05/26  -  Meio para conservar a paz de uma alma nas provações.

Nada nos confunde tanto como o amor próprio e a estima em que nós temos. Se não temos todas as ternuras e doçuras de coração, gostos e sentimentos na oração, as suavidades interiores na meditação, eis-nos tristes; se temos algum trabalho em praticar o bem, se alguma dificuldade se opõe aos nossos justos desígnios, eis-nos aflitos para vencermos tudo isto com inquietação. Porque? Porque amamos as consolações, os gostos, as comodidades. Quereríamos sempre nadar em doçuras espirituais, e, como já vos disse, não olhamos para Jesus, que "prostrado em terra suou sangue e água na angústia", pelo extremo combate que sofria no interior da sua alma e as resoluções da superior. O amor próprio é pois uma das origens das nossas dúvidas; a outra é  a estima que de nós fazemos. O que quer dizer que, se nos sucede qualquer imperfeição ou pecado, espanta-nos, confundimo-nos e impacientamo-nos.
Eis aí a fonte das nossas inquietações; queremos só consolações, e desesperamo-nos ao tocar com o dedo nas nossas misérias, em o nosso nada e em as nossas imbecilidades.
Façamos três coisas, e teremos paz; tenhamos intenção pura de querer em tudo a honra de Deus e a sua glória: façamos o pouco que pudermos com este fim, segundo os avisos do nosso pai espiritual, e deixemos a Deus o cuidado do resto. Quem tem a Deus por objeto das suas intenções e faz o que pode, para que se atormenta? porque se ruboriza? porque teme? Não, não; Deus não é tão terrível para aqueles que ama; contenta-se com pouco, por saber que não temos muito. 
E sabei que na Escritura Nosso Senhor é chamado Príncipe da Paz, e portanto em toda a parte onde é Senhor absoluto, conserva a paz.Contudo é verdade que antes de levar a um lugar a paz, fizera aí a guerra, separando o coração e a alma das suas mais queridas, familiares e ordinárias inclinações, como são o amor excessivo de si mesmo, a confiança e complacência em si mesmo, e outros afetos. Ora, quando Nosso Senhor nos separa destas paixões tão mimosas e agradáveis, parece que nos dilacera o coração e sentimos tendências amargas, porque esta separação é sensível. Mas este debater do espírito não é contudo sem paz, quando enfim, cheios de desalento, não deixamos de ter a nossa vontade ligada à de Nosso Senhor, e aí temos fortemente unida ao seu agrado, deixamos as nossas ocupações e exercícios, mas os executamos corajosamente. Nosso Senhor deu-nos o exemplo disto no jardim das Oliveiras, porque, ferido de amargura interior e exterior, resignou o coração em seu Pai e em sua suprema vontade, dizendo: "Mas faça-se a vossa vontade e não a minha", e, apesar de todas as angústias, não deixou de vir três vezes ver os seus discípulos. Ser príncipe da paz é conservá-la no meio da guerra e viver com doçura no meio das amarguras.
Disto desejo que tireis estas resoluções:
A primeira é que  muitas vezes pensamos ter perdido a paz por estarmos na amargura e contudo não a perdemos; o que conhecemos se, apesar da amargura não deixamos de renunciar a nós mesmos e de depender do agrado de Deus, não deixando por isso de cumprir as nossas obrigações.
A segunda é que convém que soframos o fastio interior quando Deus arranca a última pele do homem velho para " o renovar no homem novo, criado segundo Deus"; e que por isso não nos devemos inquietar, nem pensar que nos abandonará a graça de Nosso Senhor.
A terceira é que todos os pensamentos que nos sobressaltam e agitam o espírito não provêm de Deus, que é o princípio da paz; são tentações do inimigo e por isso é preciso expulsá-las e não lhes ligar importância. A humildade faz-nos receber docemente os trabalhos, sabendo que os merecemos. Quanto ao exterior, aprovo que todos os dias se faça algum ato de humildade ou por palavras ou por obras; digo palavras que saem do coração, como humilhando-nos a um inferior; de obras, praticando qualquer ofício baixo, ou serviço de casa.
Desejo que leias o capítulo XLI do Caminho da perfeição, de Santa Tereza, porque vos ajudará a entender as palavras que muitas vezes vos tenho dito, de que no exercício das virtudes não convém esmiuçar muito; convém caminhar rude, franca e simplesmente, à antiga, com liberdade, com boa fé, grosso modo. É que temo o espírito de melancolia e fraqueza, e desejo que tenhais coragem para seguir no caminho do Senhor, mas com humildade, com doçura e sem dissimulação.

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