4 de abril de 2014

Pensamentos Consoladores de São Francisco de Sales.

24/25  -  Da vontade perfeitamente resignada.

Imaginai o glorioso e nunca assaz louvado São Luiz embarcando e dirigindo-se para além mar, em companhia da rainha sua esposa, ora quem tivesse perguntado a esta forte princesa onde ela ia, teria respondido sem dúvida: "Vou aonde vai o Rei". Ela responderia; "Sim, ele disse-me, porém pouco me importa de saber onde ele vai, mas, somente acompanhá-lo". E se lhe perguntassem ainda: "Então, senhora, nenhum desígnio tendes nesta viagem? "Não diria ela: não tenho outro senão acompanhar meu marido e senhor". Mas poderiam ainda dizer-lhe: Ele vai ao Egito, para passar à Palestina; daí seguirá para Damieta, para Acre, ou outros lugares, não tendes vós de aí ir também? À isto ela responderia: "Não, nenhuma tenção formo, a não ser a de estar ao pé de meu Rei, sendo-me por consequência indiferente os lugares, contanto que eu esteja onde ele estiver. Vou sem desejos de ir, porque nada desejo senão a companhia do rei. É pois o rei que vai e quer a viagem; quanto a mim, não vou, mas estou com ele; não desejo a viagem, mas a presença do Rei; são-me indiferentes a demora, a viagem e tudo o mais". Deste modo uma vontade resignada na do seu Deus nenhuma vontade deve ter, seguindo só a do seu Deus. Assim como o que esta dentro dum navio não se move com o movimento próprio, mas se deixar mover pelo movimento do navio em que vai, da mesma forma o coração, embarcado no gosto divino, não deve ter nenhuma vontade, senão a de se deixar ir a vontade de Deus. E então o coração não diz; "Faça-se a vossa vontade e não a minha": porque nenhuma vontade há a renunciar; mas diz: "Senhor, deposito nas vossas mãos a minha vontade", como se a vontade própria não estivesse à sua disposição, mas à de Deus. Mas entre os prazeres do amor perfeito, o que se faz por aquiescência de espírito às tribulações espirituais, é sem dúvida o mais delicado e perfeito. A bem aventurada Ângela de Foligno faz uma descrição admirável dos trabalhos interiores em que algumas vezes se encontrou, dizendo que a sua alma estava atormentada como a de um homem que, tendo ligadas as mãos e os pés, fosse enforcado, mas não completamente estrangulado e ficasse neste estado entre a vida e a morte, sem esperança de socorro, não se podendo sustentar nos pés, sem segurar-se com as mãos, nem gritar, nem gemer. E assim é; a alma esta algumas vezes tão cheia de aflições interiores, que todas as potências e faculdades agonizam, em rezão da privação de tudo o que a pode aliviar e da apreensão e impressão de tudo o que entristecer. De sorte que, a imitação do Salvador começa a afligir-se, a temer, a espantar-se, a entristecer-se com uma tristeza semelhante à dos moribundos, podendo bem dizer: "Minha alma esta triste até a morte" e com o consentimento interior deseja, pede e súplica que :"se for possível, se afaste o cálice, não lhe restando mais do que uma partícula de espírito, que, ligado ao coração de Deus, diz por uma simples aquiescência: Eterno Pai, faça-se contudo a vossa vontade e não a minha". E é coisa notável que a alma faz esta resignação entre tanto temor, contradições e repugnâncias, que nem mesmo a percebe; pelo menos parece-lhe que a fizera com tanta languidez que não foi  boa vontade, nem mesmo seria conveniente; porque o que então se faz para comprazer à Deus, faz-se não só sem prazer, nem contentamento, mais ainda contra o prazer e o contentamento, do coração ao qual a alma permite repetir todas as lamentações de Jó e Jeremias, mas com tanto que a condescendência se faça no mais recôndito da alma. Esta condescendência não é terna, nem doce, nem quase sensível, embora seja verdadeira, forte, indomável e muito amorosa, tendo-se retirado ao recôndito do espirito, como ao torreão da fortaleza onde se torna corajosa, embora o resto  esteja mergulhado no desânimo. E quanto mais o amor, neste estado, esta privado de todo o socorro, abandonado por toda a assistência das virtudes e potências da alma, tanto mais digno de estima se torna por guardar a felicidade com tanta constância.      

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