12 de abril de 2014

Pensamentos Consoladores de São Francisco de Sales.

03/26  -  Modo de proceder nos trabalhos interiores.

É comum nos que começam a servir a Deus e que ainda não tem experiência da carência da graça e das vicissitudes espirituais, que, quando lhes falta o gosto desta devoção sensível e desta amável luz que os encaminhava nas vias do Senhor, logo perdem as forças e caem em uma grande tristeza e pusilanimidade de coração. As pessoas entendidas explicam isto, dizendo que a natureza razoável não pode por muito tempo permanecer esfaimada e sem nenhum deleite celeste ou terrestre; ora, como as almas levantadas acima de si mesmas pelo gozo dos prazeres superiores, renunciam com facilidade aos objetos visíveis, também quando por disposição divina lhes falta esta alegria espiritual, achando-se igualmente privadas de gozos temporais e não estando acostumadas a esperar a volta do verdadeiro sol, parece-lhes que não estão nem no céu, nem na terra, e que vão ficar sepultadas em uma eterna noite; de forma que, semelhantes a crianças que se amamentam nos seios da mãe, tornam-se lânguidas e gemem enfastiando a todos e principalmente a si mesmas. Para não cairdes no desalento, notai:
1 - Que Deus dá ordinariamente algum gosto antecipado das coisas celestes aos que entram no seu serviço, para os retirar dos prazeres do mundo e animá-los a seguirem o amor divino, como uma mãe que, para acostumar o filhinho a amamentar-se, adoça os seios com um pouco de mel.
2 - Que, contudo, este bom Deus é o que algumas vezes, por uma disposição da sua sabedoria, nos tira o leite e o mel das consolações, para que aprendamos a comer o pão seco e substancial duma devoção rigorosa exercitada pela prova das tentações e desgostos.
3 - Que algumas vezes, bastantes tentações se levantam entre as securas e aridez, e então é preciso combater sempre as tentações, porque não vem de Deus; mas convém sofrer com paciência as securas, por Deus as ter ordenado para nos exercitar.
4 - Que não devemos nunca perder o ânimo no meio das penas interiores, nem dizer: Nunca estarei contente; porque de noite devemos esperar a luz, e reciprocamente, no mais formoso tempo espiritual que tenhamos, não diremos: Nunca estarei triste, porque, como diz o sábio, nos dias felizes devemo-nos lembrar da desgraça; convém esperar nas penas e temer nas prosperidades; e ou em um ou em outro caso, convém humilharmo-nos.
5 - Noto que na vossa alma se encontram todas as estações do ano; e que hoje padeceis o inverno, e amanhã as esterilidades, distrações, desgostos, tormentos, enfados; ora os orvalhos de maio, com o odor das santas flores; ora os calores dos desejos de agradar ao nosso bom Deus. Resta o outono, do qual, segundo dizeis, não vedes muitos frutos; mas muitas vezes sucede que, malhando-se o trigo ou pisando-se as uvas, acham-se muitos bens que a colheita e a vindima não prometiam. Querias que tudo fosse primavera e estio, mas não; convém a vicissitude no interior e no exterior. No céu é que haverá uma primavera quanto a beleza, um outono quanto ao gozo, um estio quanto ao amor, e não haverá inverno; mas aqui é necessário o inverno para exercício da abnegação e de mil belas virtudes que se exercem no tempo da esterilidade. Vamos sempre devagar; contanto que tenhamos bons afetos e estejamos resolutos, andaremos bem. Para o exercício das virtudes, não é necessário atendermos a todas, porque isto confundiria e desviaria os nossos pensamentos e afetos. A humildade e a caridade são virtudes principais; todas as outras lhes estão sujeitas. É preciso manter-mo-nos firmes nestas duas; uma é a mais baixa, a outra a mais elevada. A conservação do edifício depende do alicerce e do teto; tendo o coração empregado no exercício desta, nenhuma dificuldade terá em alcançar as outras. As primeiras são as mães das virtudes, as outras seguem-as como os pintinhos as galinhas. 
6 - É um remédio soberano descobrir o próprio mal a algum amigo prudente, que nos possa aliviar.
Enfim, para concluir uma advertência que é tão necessária, notarei que com relação as penas interiores, como em outros assuntos, o nosso bom Deus e o nosso inimigo têm pretensões bem contrárias; porque Deus serve-se das suas provas para nos conduzir a uma grande pureza de coração, a uma inteira renúncia do nosso próprio interesse no que é do seu serviço e a um perfeito abandono de nós mesmos; pelo contrário, o demônio procura pelas suas penas fazer-nos perder a coragem, volta-nos para o lado dos prazeres sensuais e enfim tornar-nos fastidioso a nós e aos outros, para que liguemos pouca importância e escarneçamos da santa devoção. Mas se observarmos os ensinos que vos dei, crescereis muito na perfeição pelo exercício das aflições interiores, a respeito das quais convém dizer-vos algumas palavras antes de terminar. Algumas vezes o desgosto, as esterilidades e as tibiezas vêm da má disposição do corpo, como quando este se acha cansado pelas fadigas, vigílias e jejuns, e estamos então aborrecidos, incomodados por enfermidades, que, embora provenham do corpo, não deixam de incomodar o espírito, em virtude da estreita união que há entre eles. Ora, em tal caso, convém fazer muitos atos de virtude com a parte mais pura do espírito e com a vontade superior; porque, embora a alma esteja adormecida, exausta de fadiga, isto não impede que sejam agradáveis a Deus as operações do espírito, e que possamos dizer com a esposa sagrada: "Eu durmo; mas o meu coração vigia". Enfim, como já disse, há menos gosto em trabalhar assim; mas há mais mérito e virtude. Quanto ao remédio a empregar, é fortificar o corpo, concedendo-lhe algum alívio e alguma recreação honesta. Assim São Francisco ordenava aos seus religiosos que moderassem tão bem os seus trabalhos, que não se esgotasse o fervor do espírito. E a propósito deste glorioso Padre, direi que foi uma vez acometido de uma melancolia tão profunda, que não a podia disfarçar, porque não podia, embora quisesse, conversar com os religiosos, e se deles se separava, ainda era pior; acabrunhavam-o as macerações e a abstinência, e ao ração não o aliviava. Dois anos permaneceu neste estado, por tal forma, que parecia abandonado de Deus. Mas enfim, depois de sofrer humildemente esta rude prova, o Salvador concedeu-lhe em um instante uma tranquilidade feliz e plena. Quer isto dizer que os maiores servos de Deus estão sujeitos a estes abalos e que os outros não se devem admirar de lhes suceder o mesmo.

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