27 de abril de 2014

PRIMEIRO DOMINGO DEPOIS DA PÁSCOA.

A personalidade de Jesus Cristo

O Evangelho tem descrições tão curtas quão sublimes para mostrar-nos a doce e insinuante fisionomia do divino Mestre.

Na cena de hoje, por exemplo, como tudo é suave e deixa entrever a personalidade única de Jesus! A paz seja convosco. E dito isto mostrou-lhes as mãos e o lado!... E disse-lhes pela segunda vez: A paz seja convosco. Assim como meu Pai me enviou, assim eu vos envio!

Tal linguagem não é de um simples homem; sente-se em cada palavra a inspiração divina... mais do que isso: a personalidade divina.

Há qualquer coisa de tão ideal nestas palavras, que nos sentimos como aniquilados diante da sua soberana penetração.

Procuremos conhecer a fundo a grande e incomparável personalidade de Jesus Cristo, meditando:

1. A transcendência e
2. A independência desta personalidade.

São dois caracteres que vão mostrar-nos Jesus Cristo na majestade da sua incomparável beleza de Deus-Homem.

I. Transcendência da sua personalidade

A beleza moral de Jesus Cristo é sem limites e sem termo de comparação. Esta beleza não é simplesmente um ideal, é uma realidade.

De fato, neste mundo a imaginação do gênio procura idealizar a realidade. Mas, em Jesus Cristo, a realidade é tão sublime que domina o ideal... e o homem sente-se impotente em imaginar uma beleza mais ideal do que a realidade que n'Ele admira.

A personalidade é outro traço da sua grandeza. O que limita a personalidade é o tempo, o lugar, a raça.

Por grande que seja um homem, ele sai das entranhas de um povo e traz os característicos deste povo. E tanto maior é o gênio que o distingue quanto mais profundamente encarna ele o gênio da parte da humanidade de que é filho.

O grande Hebreu é Isaías!
O grande Árabe é Jó!
O grande Romano é Tácito!
O grane Italiano é Dante!
O grande Inglês é Shakespire!
O grande Francês é Bossuet!
O grande Brasileiro é Rui Barbosa!

E Jesus Cristo, que é Ele? Nem Hebreu, nem Romano, nem Italiano, nem Francês, nem Inglês, nem Brasileiro; nem antigo, nem moderno... Ele é de todos os tempos, de todos os séculos, de todas as nações, sem ter a personalidade de uma nação, de um país ou de um século. Ele não é um homem de tempos, Ele é O homemFilius hominis, como Ele mesmo se intitula: o Filho do homem em geral, mas de nenhum homem em particular.

Nos demais homens nunca se encontra a humanidade completa, perfeita: é uma humanidade idealizada, limitada. Em Jesus Cisto é a humanidade perfeita, sem limites, sem localização de idéias nacionais.

Ele é O Homem acima de todos os homens; Ele é o Cristo, acima de todos os preconceitos e vacilações humanas.

É uma personalidade transcendental, universal. E convém notar que tal universalidade não é em Jesus Cristo uma impersonalidade.

Nunca personalidade foi tão acentuada e tão distinta como a d'Ele. É o que consiste seu segundo caráter: o da independência.

II. Independência da sua personalidade

Os homens dependem sempre de seu tempo, do lugar e da raça a que pertencem.

De quem depende Jesus Cristo?

Nem da multidão que O aclama, nem de seus discípulos, nem de seu século, nem das opiniões e idéias que O cercam.

Ninguém pode ufanar-se de te sido o seu mestre.

A sua personalidade é de uma universalidade original, tendo uma sublimidade pessoal, que é só d'Ele... e a qual Ele não recebeu de ninguém.

Moisés é Judeu, pelos seus sentimentos e costumes;
Sócrates nunca ultrapassou o tipo Grego;
Maomé é o Árabe em toda parte;
Bossuet, La Fontaine, Lacordaire, são os representantes da raça Francesa, como Rui Barbosa se conhece pela expansão do tipo Brasileiro.

Em cada um destes grandes homens há característicos locais, transitórios, que não compreendem os povos de outras nações e que não só podem imitar em outros países nem em outros séculos.

São diferenças curiosas que nos mostram serem esses gênios puros homens, só homens, embora os maiores dos homens.

Em Jesus Cristo, nada disso existe: o transitório e a dependência faltam em sua personalidade.

Vemos n'Ele a humanidade: não se vê o que limita ou restringe esta humanidade. Ele é o modelo universal proposto à imitação universal.

Todas as classes copiam-No: a criança, a mocidade, a mãe, o ancião; todas as condições d'Ele se aproximam para encontrar n'Ele consolação e força: o pobre como o rico, o prisioneiro como o Rei, todos olham para Ele; e para todos Jesus Cristo é O Homem-Deus.

O movimento dos séculos e a civilização traz novas fisionomias ao palco do mundo. Jesus Cristo é o mesmo para todos: Ele não muda, enquanto tudo se altera em redor d'Ele. Ele permanece a personalidade única, universal, simpática e acessível a todos, imitada por todos e nunca igualada.

A humanidade marcha, anda depressa. Ela aclama em sua passagem, os gênios que se levantam para segurar-lhes o archote; porém, logo depois, ela os deixa atrás de si.

Newton foi admirável, mas passou.
Cuvier fez um revolução na geologia, mas passou.
Copérnico espargiu nova luz, mas passou.
Galileo e Lavoisier passaram.
Montgolfier, Dumont foram ultrapassados pelos seus sucessores.

Mas quem já ultrapassou a Jesus Cristo?

Há 19 séculos que os homens se sucedem, que a humanidade progride, mas ainda ninguém soube completamente compreender, nem imitar a Jesus Cristo.

Ele permanece para todos a realidade ideal inesgotada e inesgotável.

III. Conclusão

Como conclusão, citemos uma passagem de um inimigo encarniçado do Catolicismo, o triste Renan, que procurou provar que Jesus Cristo não passava de um simples homem, mas que, mau grado seu, foi obrigado a confessar a sua divindade.

“Descansa em tua glória, nobre iniciador — escreve Renan — a tua obra está terminada!

Mil vezes mais vivo, mil vezes mais amado, depois da tua morte, do que durante os dias da tua vida, tu serás a pedra angular da humanidade, a tal ponto que, arrancar o teu nome deste mundo seria abalá-lo até em seus alicerces! Entre Deus e ti, não há mais distinção! Plenamente vencedor da morte, toma possessão de teu reino, onde te seguirão pelo caminho real que traçaste, séculos de adoradores.” (Renan, vida de Jesus Cristo. P. 426)

Sim, Jesus Cristo é Deus, Homem-Deus, e tal se nos aparece em sua sublime fisionomia e em sua incomparável personalidade.

EXEMPLO

A pessoa de Jesus Cristo

A propósito da página de Beauterno citada acima, recolhamos um curto comentário sobre o mesmo assunto, do eloqüente P. Lacordere.

Na 37a. Conferência em Notre-Dame, o inimitável orador dizia, em sua linguagem tão serena quão suave e profunda:

“A nossa época começou com um homem que sobrepujou todos os seus contemporâneos e que nós, vindos depois, não temos igualado.

Conquistador, legislador, fundador de império, Ele teve um nome e um pensamento que estão ainda na memória de todos.

Depois de ter feito a obra de Deus, sem nela acreditar, ele desapareceu quando esta obra esteve terminada; ele deitou-se como um astro nas águas profundas do Oceano Atlântico.

Ali, em cima do rochedo, ele gostava de repassar a sua própria vida e remontando de si a outras vidas, às quais tinha o direito de comparar-se, não pode evitar de entrever, neste teatro de que fazia parte, uma personalidade maior do que a sua.

Contemplou-a muitas vezes: a desgraça abre a alma para receber luzes que a prosperidade não sabe discernir.

A tal personalidade voltava sempre e cada vez mais imponente: era necessário julgá-la um dia.

Uma tarde deste longo exílio que redimia as faltas do passado e iluminava a estrada do porvir, o conquistador decaído indagou de um dos seus companheiros de catividade se podia dizer-lhe o que era Jesus Cristo.

O soldado desculpou-se; havia estado por demais absorvido em sua vida militar para ocupar-se deste assunto.

- Como? Retorquiu dolorosamente o interlocutor. Tu foste batizado na Igreja Católica e tu não podes dizer-me, a mim, sobre esse rochedo que nos devora, o que era Jesus Cristo?

Pois bem, sou eu que vou dizê-lo.

Então, abrindo o Evangelho, não com a mão, mas com o coração que dele estava repleto, ele começou a comparar Jesus Cristo consigo mesmo e com todos os grandes homens da história; salientou as diferenças características que colocam Jesus Cristo acima de todos os homens e depois de uma torrente de eloquência, que não desdenharia nenhum doutor da Igreja, terminou com estas palavras:

Eu conheço os homens a fundo e digo que Jesus Cristo não é um simples homem!

Estas palavras resumem tudo o que queria dizer da vida íntima de Jesus e a impressão que cedo ou tarde experimenta aquele que lê o Evangelho com atenção e equidade.

Um dia, sobre o túmulo de seu grande Capitão, a França gravará estas palavras e elas ali resplandecerão com uma intensidade mais imortal do que as Pirâmides e Austerbitz.

(MARIA, P. Júlio. Comentário Apologético do Evangelho Dominical. O Lutador, 1940, p. 173 - 179)

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