3 de abril de 2014

Sermão para o 4º Domingo da Quaresma – Padre Daniel Pinheiro, IBP

[Sermão] O Católico e as diversões

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
“Alegrei-me naquilo que me foi dito: iremos para a casa do Senhor.” “Laetatus sum in his, quae dicta sunt mihi: in domo Domini ibimus” (Introito)
Prezados católicos, estamos hoje no Domingo Laetare. No meio da Quaresma, a Igreja nos coloca um domingo claramente dedicado à alegria, para nos encorajar a perseverar, para termos um gosto da alegria que nos trarão nossos esforços nesse tempo. Essa alegria é manifesta na Liturgia. Os paramentos rosas são permitidos. As flores podem enfeitar o altar. O órgão pode voltar a soar. Sem falar, claro, nos textos da Santa Missa que exalam alegria no Senhor, a começar pelo Introito. E como dissemos em mais de uma oportunidade, o católico que vive habitualmente na graça de Deus pode e deve ser verdadeiramente alegre, pois ele possui o maior bem que existe e que ele pode desejar, que é o próprio Deus. Na verdade, o católico em graça de Deus é o único que tem direito de estar verdadeiramente alegre. Aquele que está em pecado mortal deveria mais se preocupar com o lastimável e perigosíssimo estado de sua alma, com o tênue fio da vida, que o separa da condenação eterna. Então, como nos diz São Paulo, dando uma ordem: alegrai-vos no Senhor (Filipenses IV, 4, e Missa Gaudete no Advento). Devemos, então, caros católicos, ser alegres.
Não deixa de ser curioso que a Igreja coloque as duas das Missas mais explicitamente alegres em tempos de penitência. Temos no Advento o Domingo Gaudete e na Quaresma o Domingo Laetare, que celebramos hoje. A intenção da Igreja é clara: nos trazer conforto e alegria para podermos continuar as nossas práticas quaresmais, práticas que têm como finalidade a virtude, a santidade, a união mais profunda com Deus. Portanto, um Domingo de grande alegria para nos repousar a alma a fim de que se restabeleçam nossas forças e continuemos ainda melhor aquilo a que nos propusemos na quaresma. Além dessa delicadeza da Santa Igreja para conosco, esses dois domingos da alegria incrustados em tempos penitenciais nos trazem uma lição importantíssima, de modo particular para a época em que vivemos. Esses dois domingos nos indicam qual o sentido das diversões e das recreações para um cristão: servir melhor a Deus.
Sob o nome de diversão, entendemos todas as coisas que são causa de distração, de descanso, de alegria, de deleite e que têm por fim nos proporcionar um bem-estar que repara as nossas forças.
Vivemos em uma sociedade, caros católicos, em que a diversão, o entretenimento, as recreações são onipresentes. Muitas pessoas vivem para isso. A diversão, a recreação é a finalidade delas. Se trabalham, é para, depois, poderem se divertir. Dá-se mais importância à diversão que ao trabalho e muitas vezes a diversão é colocada até mesmo acima da família.   Além disso, é inegável que as diversões em nossa sociedade são cada vez mais refinadas e cada vez mais imorais. Diante desse “culto” prestado à diversão e da imoralidade da maioria esmagadora das diversões de nossa sociedade, muitos poderiam pensar que é de todo ilícito ao católico divertir-se e recrear-se. Isso seria um erro e um erro grave. Convém, caros católicos, compreender o sentido católico do divertimento, que corresponde à virtude que se chamaeutrapelia, virtude que nos inclina a regular nosso comportamento nos jogos e nas diversões em conformidade com a razão iluminada pela fé. 
O primeiro ponto é que a diversão é plenamente conforme à nossa natureza humana. Em todos os tempos e em todos os lugares os homens sempre buscaram divertir-se, em maior ou menor grau. Tal universalidade no tempo e no espaço só pode ter como causa algo que é comum a todos os seres humanos. O que é comum a todos os seres humanos é a natureza humana. Portanto, a diversão corresponde à natureza humana. A diversão é conforme à nossa natureza humana e é mesmo necessária para nossa vida física, intelectual e social. A diversão é necessária (1) para a vida física porque nosso corpo precisa de repouso e não pode suportar um trabalho contínuo. A natureza reage imediatamente diante de uma disciplina realmente desumana, e passa bruscamente de um rigor exagerado a uma intemperança desenfreada. E isso vale sobretudo para crianças e jovens. Eles precisam de diversão, de recreações, pois fazem esforço maior para manter a atenção do espírito. Mas é claro que essas diversões devem ser lícitas e moderadas, como veremos. A diversão é necessária (2) para a vida intelectual: depois de um trabalho intelectual que absorve o espírito, a alma tem necessidade de recreação, até porque depois de um tempo, dominados pelo cansaço, já teremos muita dificuldade para raciocinar devidamente. Nossas vidas física e intelectual precisam de recreação, isto é, precisamos recriar nossas forças para continuarmos depois fazendo o que temos de fazer. Elas precisam de diversão, quer dizer, de um pequeno afastamento do que estamos fazendo, para depois voltarmos com mais força e melhor disposição. A diversão é como o óleo que permite que as engrenagens funcionem melhor. A diversão é também necessária (3) para a vida social, pois as diversões sabiamente organizadas favorecem o convívio das pessoas, favorecem a amizade. O bom governo dos povos necessita de divertimentos bons e lícitos.  Está claro, então, que a diversão, em si não é um pecado, nem algo inútil. Ao contrário, a diversão é algo bom e útil, conforme a nossa natureza humana e necessária para que possamos viver uma vida virtuosa. Mesmo nas ordens religiosas mais austeras, como os cartuxos, as regras preveem momentos para que os monges possam se recrear e conversar santamente. São Tomás de Aquino relata a história de São João Evangelista que, ao perceber que alguns se escandalizavam ao vê-lo se recreando com seus discípulos, mandou que um deles que tinha um arco e flecha atirasse constantemente, sem parar. Ele respondeu ao Evangelista que se fizesse isso de maneira contínua, o arco iria quebrar-se, não aguentando a tensão. São João conclui que também a alma se quebraria, se nunca se recreasse.
A recreação e a diversão são, então, necessárias para nós, para restabelecer as forças das nossas almas. Todavia, essas recreações e essas diversões devem ser boas. O princípio básico que devemos compreender é que as diversões, como todas as outras coisas em nossas vidas, devem necessariamente estar subordinadas a Deus. Fomos criados para conhecer, amar e servir a Deus. Tudo o que fazemos deve ter em vista isso, de forma mais direta ou menos direta. Assim, a diversão deve ser um repouso da alma que não contradiga os mandamentos e deve nos permitir revigorar as nossas forças para servir melhor a Deus. Se a diversão, por alguma razão, vai contra a virtude, ou faz diminuir o nosso fervor no serviço de Deus, não será uma boa diversão.  Sigamos aqui São Tomás, com sua habitual clareza. Para que uma diversão seja boa é preciso, em primeiro lugar, se abster de todo ato ou palavra torpe ou que é de alguma forma nocivo para si ou para o próximo. Já dizia Cícero que existem diversões que são indecorosas, despudoradas, criminosos e obscenas. Não podemos nos divertir com aquilo que, de alguma forma, ofende a Deus. Poderíamos aceitar nos divertir com algo que crucifica novamente Nosso Senhor Jesus Cristo?  Enquanto rimos, Nosso Senhor é ofendido. Uma diversão dessas é contrária à razão e à lei de Deus. A recreação serve para nos restabelecer as forças para retomarmos melhor o serviço a Deus. Se na recreação nos afastamos de Deus pelo pecado, é evidente que a recreação deixou de ser boa e lícita. Em vez de nos revigorar nossas forças, as tira pelo pecado. Em segundo lugar, a diversão não pode tirar completamente a gravidade da alma. É preciso tomar cuidado, ao dar o descanso para a alma pela recreação, para que não nos entreguemos inteiramente às diversões, para que não as coloquemos como a finalidade de nossas vidas, para que não relaxemos tanto o espírito que esqueçamos a seriedade de nossa vida aqui na terra. A diversão não é um fim, mas é um meio para podermos nos aplicar melhor a Deus, a nossos deveres de estado, à virtude. As diversões, mesmo lícitas, devem ser usadas com moderação. São Tomás diz que bastam poucas diversões para repousar a nossa alma, como para temperar a comida basta um pouco de sal. A diversão, mesmo lícita, em excesso vai pouco a pouco enfraquecendo a nossa alma, que tenderá a ver na diversão um bem absoluto e não mais um meio para restabelecer as nossas forças para voltarmos a nos aplicar ao que é sério, isto é, à salvação da nossa alma, em última instância. O excesso de diversão nos torna a prática da virtude cada vez mais difícil, pois a prática da virtude exige desapego das inclinações próprias, o que não é favorecido pelo excesso de diversão. Não se pode, tampouco, levado pela diversão, perder o domínio sobre si mesmo. Em terceiro lugar, para que uma diversão seja boa é preciso que ela corresponda às circunstâncias de cada um: à pessoa e seu estado, ao tempo, lugar, etc…
A diversão, se são evitados esses três erros, é boa e lícita. Ela é virtuosa. E seria também um erro a austeridade excessiva, pela qual a pessoa se privaria de todo divertimento, jamais diria uma palavra que provoque salutarmente um riso ou não consentiria em divertimentos lícitos e moderados. Estes, excessivamente austeros, podem ser chamados de ásperos e rudes, como diz São Tomás citando Aristóteles. Todavia, é menos vicioso divertir-se aquém do necessário do que divertir-se além do necessário.
Como dissemos nos início, caros católicos, vivemos em uma sociedade em que as diversões são onipresentes. As diversões se tornaram o fim das pessoas. Elas vivem em função das diversões. Como diz o livro da Sabedoria (XV, 12), aquele que ama o mal julga que a vida é um divertimento. Além disso, não é fácil achar diversão que hoje não envolva palavras ou atos torpes e nocivos, ou levem a nos fazer perder inteiramente a seriedade da alma. Como não colocar em risco nossa alma com os filmes, os espetáculos, as músicas, os livros, as praias da atualidade, para dar alguns exemplos? Talvez em outra oportunidade tratemos particularmente de cada uma dessas diversões. Todavia, tanto ou mais grave do que as imoralidades é essa concepção pagã da vida que coloca a diversão como a finalidade última das pessoas. É como se dissessem e realmente dizem: comamos, bebamos e nos divirtamos porque em seguida morreremos. Essa mentalidade destrói o fundamento da vida cristã, e nos faz esquecer nossa finalidade aqui na terra e a seriedade de nossa vida aqui na terra: conhecer, amar e servir a Deus para poder chegar ao céu.
Que critério claro podemos usar para distinguir uma boa diversão de uma má diversão? Usemos um critério singelo, que são as palavras de São Paulo: “Alegrai-vos sempre no Senhor; de novo vos digo: alegrai-vos sempre no Senhor.” Podemos e devemos nos alegrar, mas no Senhor, isto é, dignamente, decentemente, cristãmente, em conformidade com a dignidade de filhos de Deus pelo batismo. Diante de qualquer espetáculo, de qualquer filme, de qualquer música ou entretenimento, de qualquer esporte, de qualquer leitura, diante de qualquer ambiente que frequentamos, diante de qualquer amizade, etc., devemos nos perguntar com toda sinceridade: isto é digno de um cristão? É compatível com minha dignidade de filho de Deus, é compatível com alguém que deseja o céu? Nosso Senhor e Nossa Senhora, no céu, estão agradados com essa diversão, ou ao contrário, ela lhes causa desgosto e desagrado?
O católico pode e deve se divertir, mas é preciso fazê-lo bem, de forma que a virtude, a santidade e o amor a Deus são favorecidos e não prejudicados. As nossas diversões têm a mesma finalidade da Missa que hoje celebramos: reparar as nossas forças para continuarmos melhor e com mais vigor no serviço de Deus. Nossas diversões devem nos fazer entrar na casa do Senhor, no céu. Aproveitemos o resto da quaresma que ainda temos pela frente para nos corrigirmos nesse importante aspecto de nossa vida espiritual.
Os santos são pessoas alegres. Já citamos São João Evangelista, poderíamos citar São Francisco de Sales, São Francisco de Assis, São Felipe Néri, São Lourenço e todos os outros. Mas muito mais do que as diversões, o que causa essa alegria é a fidelidade a Nosso Senhor Jesus Cristo.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

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