13 de novembro de 2013

Desespero dos réprobos no inferno.

Mortuo homine impio, nulla erit ultra spes — “Morto o homem ímpio, não restará mais esperança alguma” (Prov. 11, 7).

Sumário. Enquanto o pecador vive, há sempre esperança de conversão; mas quando a morte o arrebatou no estado de pecado, não lhe resta mais esperança alguma e verá sempre diante dos olhos a sentença de sua eterna condenação. Sim, porque o inferno tem uma porta de entrada, mas não de saída. O que o réprobo começa a sofrer no primeiro dia da sua entrada, terá de sofrê-lo sempre. Qual não seria, pois, o nosso desespero, se por desgraça nos viessemos a condenar!... Ó Pai Eterno, pelo amor de Jesus Cristo, castigai-me como quiserdes, mas poupai-me na eternidade.

I. Quem entra uma vez no inferno, nunca mais dele sairá. Este pensamento fazia Davi exclamar tremendo: “Ó Senhor, não me afogue a tempestade, nem me absorva o mar profundo, nem cerre o poço a sua boca sobre mim.” (1) Mal cai um réprobo neste poço de tormentos, logo se fecha a entrada e não se abre mais. O inferno tem uma porta de entrada, mas não de saída, diz Eusébio Emisseno: Descensus erit, ascensus non erit. Eis como ele explica as palavras do salmista: Não cerre o poço a sua boca sobre mim: Enquanto vivo, pode o pecador ter esperança de conversão, mas se a morte o surpreender no estado de pecado, perdê-la-á para sempre: Morto o homem ímpio, não restará mais esperança alguma.

Se os condenados pudessem ao menos embalar-se em alguma falsa esperança e assim achar algum alívio na sua desesperação! O homem enfermo mortalmente e estendido no leito, apesar de desenganado pelos médicos, ainda busca iludir-se e consolar-se dizendo: “Quem sabe se ainda não se encontra um médico ou um remédio que me possa curar?” Um criminoso condenado às galés perpétuas acha também uma consolação neste pensamento: “Quem sabe se algum acontecimento não me tirará destas cadeias?” Se o réprobo pudesse ao menos dizer igualmente: “Quem sabe se um dia não sairei desta prisão?” E assim iludir-se com alguma falsa esperança. Mas não: no inferno não há esperança, nem verdadeira nem falsa; não há o quem sabe.

Statuam contra faciem (2) — “Eu t´o porei diante de tua face”. O desgraçado réprobo terá incessantemente diante da vista a sentença que o condena a gemer eternamente nesse abismo de sofrimentos. O condenado não sofre somente a pena de cada instante, mas sofre a cada instante a pena da eternidade, vendo-se obrigado a dizer: O que sofro atualmente, sofrê-lo-ei sempre. Pondus aeternitatis sustinent, diz Tertuliano: os réprobos gemem sob o peso da eternidade.

II. Dirijamos ao Senhor a súplica que lhe fazia Santo Agostinho: “Meu Deus, queimai e cortai aqui, não me poupeis, a fim de que possais perdoar-me na eternidade.” As penas da vida presente são passageiras: Sagittae tuae transeunte; mas os castigos da outra vida nunca têm fim. Temamo-los, pois, temamos esse trovão: Vox tonitrui tui in rota (3); esse trovão da condenação eterna, que, no dia do juízo, sairá contra os réprobos da boca do divino Juiz: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno (4). Diz-se: in rota; porque a roda é a imagem da eternidade, que não tem fim. Será grande o suplício do inferno, mas o que mais nos deve assustar é ser o castigo irrevogável.

Ó meu Redentor, se eu atualmente estivesse condenado, como mereci tantas vezes, não haveria para mim esperança de perdão. Ah, Senhor, agradeço-Vos o tempo e as luzes que ainda me concedeis e prometo mudar de vida. Como? Esperarei porventura que me mandeis ao inferno? Eis-me aqui prostrado aos vossos pés; recebei-me na vossa graça. Outrora fugia de Vós; mas agora estimo a vossa amizade mais do que a posse de todos os reinos da terra. Não quero mais resistir aos vossos convites. Vós me quereis todo para Vós; todo inteiro me consagro a Vós. Sobre a cruz Vos destes todo a mim, eu me dou todo a Vós.

Prometestes: Si quid petieritis me in nomine meo, hoc faciam (5) — “Se me pedirdes alguma coisa no meu nome, fá-lo-ei”. Ó meu Jesus, confiado na vossa bela promessa, no vosso nome e pelos vossos merecimentos peço-Vos a vossa graça e o vosso amor. Fazei que na minha alma reine a vossa graça e o vosso santo amor, assim como nela reinou o pecado. Graças Vos dou por me terdes animado a fazer-Vos este pedido; pois isto me afiança que serei atendido. Atendei-me, ó meu Jesus, e dai-me um grande amor para convosco, dai-me um grande desejo de Vos agradar e a força para o executar. — Ó minha poderosa Advogada, Maria, atendei-me também vós, e rogai a Jesus por mim. (*II 124.)

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1. Ps. 68, 16.
2. Ps. 49, 21.
3. Ps. 76, 19.
4. Matth. 25, 41.
5. Io. 14, 14.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 287- 290.)

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