22 de novembro de 2013

Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo - Parte 1 - Meditação 6

CONSIDERAÇÃO VI.

O VERBO ETERNO DE SEU SE FEZ NOSSO.

Parvulus natus est nobis, et Filius datus est nobis.
Nasceu-nos um Menino e nos foi dado um Filho (Is 9,6).

Dize-me, cruel Herodes: por que mandas matar e sacrificar à tua ambição de reinar tantas crianças inocentes? dize-me: por que te perturbas? que temes? temes que o Messias que acaba de nascer te roube a coroa? Assim fala S. Fulgêncio: depois acrescenta: Esse Rei que temes, não veio combater e vencer os poderes da terra pelas armas, mas veio reinar nos corações dos homens padecendo e morrendo por seu amor. Esse amável Redentor de nossas almas veio não para fazer guerra durante a vida, mas para triunfar do amor dos homens, depois de sacrificar sua vida sobre a cruz; Ele mesmo o declara: Quando eu for elevado da terra, atrairei a mim todas as coisas.
Mas deixemos a Herodes de lado, almas cristãs, e volva-mo-nos a nós mesmos. Por que é que o Filho de Deus veio à terra? Para dar-se a nós. É isso que nos assegura Isaías: Nasceu-nos um Menino, foi-nos dado um Filho. Eis a que ponto esse terno Senhor se deixou levar por nosso amor e pelo dese-jo que tem de ser amado por nós: de SEU ele se fez NOSSO. — Antes de entrarmos na consideração desse mistério, peçamos ao SS. Sacramento e à Mãe de Deus as luzes de que ne-cessitamos.
I.
A maior prerrogativa de Deus, ou melhor, toda a sua essência, é de Ele ser seu, isto é, de existir por si mesmo e de não depender de ninguém. Todas as criaturas, por grandes e excelentes que sejam, nada são na realidade, porque o que têm elas o têm de Deus, que as criou e as conserva, de sorte que, se Deus cessasse por um instante de mantê-las, perderiam imediatamente a existência e voltariam ao nada. Deus, ao contrário, existindo por si mesmo, não pode deixar de existir, e nada pode destruir ou diminuir a sua grandeza, nem o seu poder, nem a sua felicidade. E essa soberana Majestade, o Pai Eterno, deu por nós seu unigênito Filho, diz S. Paulo; e o Filho de Deus também se deu a si mesmo por nós. Então Deus dan-do-se a nós se fez nosso? “Sim, responde S. Bernardo, Aquele que só pertencia a si mesmo, quis nascer para nós e dar-se a nós”. Esse Deus que não pode ser dominado por ninguém, o amor de certo modo o venceu e dele triunfou ao ponto que de seu se fez nosso. O Salvador mesmo o declarou: Deus amou de tal modo o mundo, que lhe deu o seu Filho unigênito, e o Filho de Deus também por amor se quis dar aos homens para ser amado por eles.
De vários modos tinha Deus procurado cativar-se os corações dos homens, ora com benefícios, ora com ameaças, ora com promessas, sem todavia conseguir seu intento. Enfim o seu amor infinito, diz S. Agostinho, o fez achar na encarnação do Verbo o meio de dar-se inteiramente a nós, para assim nos obrigar a o amarmos de todo o coração. Ele poderia encarregar um anjo ou um serafim de resgatar o homem; mas se fosse este resgatado por um serafim deveria dividir o seu coração, dando uma parte de seu amor a seu Criador e outra parte a seu redentor; por isso Deus, que queria só para si todo o coração e todo o amor do homem, não contente de ser nosso Cria-dor, diz um piedoso escritor, quis fazer-se também nosso Redentor.
E ei-lo descido do céu a um estábulo; ei-lo criancinha, nascido por nós e feito todo nosso: Nasceu-nos um Menino, foi-nos dado um Filho. É precisamente isso que o anjo quis dar a entender quando disse aos pastores: Nasceu-vos hoje um Salva-dor; — como se dissesse: Ó homens, ide à gruta de Belém, e adorai o Menino que lá achareis deitado sobre palha, num pre-sépio, tremendo de frio e chorando; sabei que é o vosso Deus; não quis mandar um outro para salvar-vos, mas quis vir em pessoa a fim de obter assim todo o vosso amor. Sim, foi para se fazer amar que o Verbo Eterno desceu à terra e que, segundo a profecia, conversou com os homens. Se um rei diz uma palavra de confiança a um vassalo, se lhe faz um sorriso, se lhe dá uma flor, oh! quanto esse vassalo se sente honrado e feliz! Que seria, se o rei procurasse a sua amizade, se o convidasse cada dia à sua mesa, se o quisesse hospedar em seu próprio palácio e tê-lo constantemente perto de si. Ah! meu soberano Rei, meu doce Jesus, vós fizestes muito mais: não podendo, antes da redenção, introduzir o homem no céu, que lhe estava fechado pelo pecado, viestes à terra para conversar com o homem, como um irmão com seu irmão, e para dar-vos todo a ele pelo amor. — Ele amou-nos, diz S. Paulo, e entregou-se por nós! “Sim, ajunta S. Agostinho, em seu amor pelo homem, esse Deus cheio de ternura e misericórdia, quis não só comunicar-lhe os seus bens, mas também dar-se a ele”.
Quão grande pois é o afeto desse supremo Senhor a nós miseráveis vermes! alegra-se em dar-se todo a nós, nascendo por nós, vivendo por nós, morrendo mesmo por nós, a fim de preparar-nos em seu sangue derramado até a última gota, um banho salutar que nos purifica de todos os nossos pecados. Sim, exclama S. João, ele nos amou e nos lavou de nossos pecados em seu próprio sangue. E o Abade Guerico: “Ó meu Deus, chegastes por assim dizer a prodigalizar a vós mesmo, tão grande é o desejo que tendes de ser amado pelo homem”! E, ajunta, como não chamaríamos de prodígio de si mesmo a um Deus que, para resgatar o homem perdido, não só dá o que tem, mas ainda a si mesmo?”
S. Agostinho diz que para conquistar o amor dos homens, Deus lhes lançou no coração vários dardos de amor. Quais são esses dardos? são todas as criaturas que vemos, porque Deus as fez para o homem a fim de ganhar o seu amor; por isso diz o mesmo Santo: “O céu, a terra e todas as coisas me dizem que vos ame, ó meu Deus”. Parecia-lhe que o sol, a lua, as estrelas, as montanhas, os campos, os mares, os rios, gritavam dizendo-lhe: Agostinho, ama a Deus que nos criou para ti, e a fim que o ames. — Quando S. Maria Madalena de Pazzi tinha na mão um belo fruto ou uma bela flor, dizia que essa fruta, essa flor era como uma seta que lhe traspassava o coração e o abrasava de amor a Deus, porque se lembrava então que o Senhor havia desde a eternidade pensando em criar aquele flor para lhe testemunhar seu afeto e se fazer amar por ela. — S. Teresa dizia igualmente que todas as encantadoras criaturas que nos ferem a vista: os lagos, os riachos, as flores, os frutos, os pássaros, exprobram a nossa ingratidão para com Deus, pois que são outras tantas provas de seu amor para conosco. — Conta-se também dum piedoso solitário que, caminhando pelos campos, se imaginava que as ervas e as flores o acusa-vam de ingratidão para com Deus; e as batia com a bengala dizendo: “Calai-vos, calai-vos; basta, já vos compreendo: vós me tratais de ingrato; vós me dizeis que Deus vos criou tão be-las para que eu o amasse, e eu não o amo; compreendo-vos; basta, não me exprobreis mais”. E assim andada desabafando o afeto que sentia acender-se no coração para com Deus à vista daquelas belas criaturas.
Todos esses objetos são pois outras tantas setas de amor que deveriam inflamar o coração do homem; mas Deus não se satisfez com isso, porque essas setas não bastavam para obrigar os homens a amá-lo. Lemos em Isaías: Ele fez de mim co-mo que uma seta escolhida, escondeu-me na sua aljava. Sobre essa passagem do Cardeal Hugo diz que, como o caçador guarda a sua melhor flecha para o último golpe à fera, assim entre todos os dons que Deus nos destinou, Ele reservou Jesus para no-lo enviar na plenitude dos tempos, como uma seta suprema e mais própria que todas as outras para nos inflamar de amor. Jesus Cristo foi pois a flecha escolhida e reservada que, segundo a predição de Davi, deveria atingir e domar povos inteiros. Oh! quantos corações feridos vejo eu arder de amor di-
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ante da manjedoura de Belém! quantos vejo ao pé da cruz no Calvário! quantos em presença do SS. Sacramento dos altares?
S. Pedro Crisólogo observa que para se fazer amar do homem, nosso Salvador quis tomar várias formas. Essa Majestade infinita, imutável em si mesmo, dignou-se fazer-se ver primeiro como uma criancinha num estábulo, depois como um simples operário numa oficina, mais tarde como um criminoso sobre um patíbulo, e enfim como um pouco de pão sobre o altar. Jesus quis mostrar-se a nós sob todas essas formas; mas todas essas formas não são senão várias maneira de se revelar a nós como o amante apaixonado da natureza humana. — Ah! Senhor, dizei-me: tendes ainda outra coisa a inventar para vos fazer amar? Ide, almas redimidas, exclamava Isaías, ide publicar em toda a parte as caridosas invenções desse Deus cheio de amor, o que Ele concebeu e executou para se fazer amar dos homens; após nos haver cumulado de seus benefícios, quis dar-se pessoalmente a nós, e de quantas maneiras! — “Se estais chagado ou enfermo, diz S. Ambrósio, e desejas sarar, Jesus é o vosso médico: Ele vos restituirá a saúde com o seu sangue. Se sofreis febre, isto é, se sois atormentados pelas chamas impuras das afeições mundanas, Ele é a fonte que refresca e fortifica. Se quereis evitar a morte, Jesus é a vida; se aspirais ao céu, Ele é o caminho”.
Não contente de dar-se a todos os homens em geral, Je-sus Cristo quis ainda dar-se a cada um deles em particular. Foi isso que fez S. Paulo dizer: Ele me amou e se entregou por mim. Segundo S. João Crisóstomo, Deus ama a cada um de nós, como ama todos os homens. Assim, meu caro irmão, se estivesses só no mundo, o divino Redentor teria vindo e dado o seu sangue e sua vida por ti só. “Ah! quem poderia explicar ou compreender, diz S. Lourenço Justiniano, o amor que Deus tem a cada um de nós?” Também S. Bernardo dizia falando de Je-sus Cristo: “Ele se deu todo a mim, Ele se pôs inteiramente ao meu serviço”. E S. João Crisóstomo: “Ele nada se reservou pa-ra si”. Deu-nos o seu sangue, a sua vida; deu-se a si mesmo no SS. Sacramento; não lhe restou nada mais a dar. Com efeito, segundo observa S. Tomás, dando-se-nos a si próprio, que mais poderia Deus dar-nos?
II.
Após a obra da redenção pois Deus nada mais tinha a dar-nos nem a fazer por amor dos homens, e cada um de nós de-veria doravante dizer com S. Bernardo: “Eu sou de Deus e me devo dar a Ele, porque Ele me criou e me deu o ser: mas que poderei dar em retorno a Deus por Ele se ter dado a mim?” — Ah! não nos inquietemos por isso; demos-lhe o nosso amor e isso basta, é isso o que Ele deseja. Os príncipes da terra gloriam-se de possuir reinos e riquezas, mas Jesus Cristo contenta-se com reinar sobre os corações; os nossos corações, eis o seu domínio; e esse domínio Ele o adquiriu morrendo na cruz: O sinal da sua dominação foi colocado sobre os seus ombros, diz Isaías. Por essas palavras, vários intérpretes com S. Basílio, S. Cirilo, S. Agostinho e outros Padres entendem a cruz que nosso divino Redentor levou sobre seus ombros. “Esse Rei do céu, observa Cornélio a Lápide, é um Senhor muito diferente do demônio: este impõe cargas pesadas aos ombros de seus escravos; Jesus, ao contrário, toma sobre si todo o peso de seu principado, pois abraça a cruz na qual quer morrer para adquirir o domínio dos nossos corações”. E Tertuliano: “Enquanto os monarcas da terra têm o cetro na mão e a coroa na cabeça, como emblema de seu poder, Jesus Cristo levou a cruz sobre os ombros, a qual foi o trono em que subiu para fundar seu reino de amor”.
Orígenes faz esta reflexão: “Se Jesus Cristo se deu todo a cada homem, será muito para o homem dar-se todo a Jesus Cristo?” Demos pois de boa vontade o nosso coração e todo o nosso amor a esse Deus que, para conquistá-los, sacrificou o seu sangue, a sua vida e todo o seu ser. Disse Jesus à Samaritana: Se soubesses a graça que recebes de Deus, e quem é aquele que te pede de beber! Oh! se a alma compreendesse o favor que Deus lhe faz quando lhe diz: Dá-me o teu coração! Se um simples súdito ouvisse um príncipe reclamar a sua amizade, isto bastaria para cativá-lo. E nós ficaríamos insensíveis à voz de um Deus que nos diz: Meu filho, dá-me teu coração?
Mas Deus não quer a metade desse coração; Ele quer que lho demos todo inteiro sem partilha, fazendo disso um preceito formal: Amaras o Senhor teu Deus de todo o teu coração. Não se contenta com menos. Se nos deu todo o seu sangue, toda a sua vida, todo o seu ser, foi para que nos demos inteiramente a Ele, que lhe pertençamos sem reserva. E compreendamo-lo bem: daremos a Deus todo o nosso coração quando lhe dermos toda a nossa vontade, para não querermos doravante se-não o que quer esse Senhor que certamente só quer o nosso bem e a nossa felicidade. Jesus Cristo, diz o apóstolo, morreu e ressuscitou a fim de reinar sobre os mortos e sobre os vivos. — Quer vivamos, quer morramos, somos do Senhor. Jesus quis morrer por nós; não podia fazer mais para ganhar todo o nosso amor e para ser o único senhor do nosso coração; de-vemos pois mostrar de hoje em diante ao céu e à terra, por nossa vida e por nossa morte, que já nos não pertencemos, mas que somos de Deus e só dele.
Oh! quanto Deus deseja ver, e quanto lhe é caro um cora-ção que se dá todo a Ele! Oh! quantas provas de sua ternura Deus prodigaliza sobre aterra; quantos bens, quantas delícias, quanta glória Deus prepara no céu para um coração que é todo dele!
O venerável padre João Leonardo de Lettera, dominicano, viu um dia Jesus Cristo que, sob a figura dum caçador e empunhando um dardo. percorria a floresta deste mundo. O servo de Deus perguntou-lhe aonde ia e que queria fazer. Jesus respondeu-lhe que ia à caça dos corações. Oxalá possa o Menino Je-sus durante esta novena ferir e apoderar-se de algum coração que Ele procura há tempo e ainda não conseguiu ferir e ganhar!
Almas devotas, se Jesus conseguir possuir-nos, nós possuiremos a Jesus; a troca é muito mais vantajosa para nós. “Teresa, disse um dia o Senhor a essa Santa, até agora não foste inteiramente minha; mas agora que és toda minha, saibas que sou todo teu”. S. Agostinho chama o amor “um vínculo que prende quem ama à pessoa amada”. Deus tem vivo desejo de prender-se e unir-se a nós; mas é preciso que, do nosso lado, procuremos unir-vos a Deus. Se queremos que Deus se dê inteiramente a nós, devemos dar-nos inteiramente a Deus.
Afetos e Súplicas.
Oh! quão feliz seria se doravante eu pudesse sempre dizer com a sagrada Esposa: O meu Deus bem-amado se deu todo a mim; é justo que me dê todo a meu Deus! Eu deveria repetir sem cessar com o profeta-rei: Que há para mim no céu, e, fora de ti, que desejei eu sobre a terra?... ó Deus, que és o Deus do meu coração, e a minha herança para sempre! Sim, ó caro In-fante, meu divino Redentor, já que descestes do céu para vos dar todo a mim, que procurarei eu ainda sobre a terra e no céu senão a vós, que sois meu soberano bem, meu único tesouro e o paraíso das almas? — Sêde pois o único senhor do meu co-ração, possuí-o inteiramente. Só a vós obedeça o meu coração e procure agradar. Só a vós ame a minha alma, e sêde vós só a minha partilha! Corram outros atrás dos bens e fortunas do mundo; procurem neles a sua alegria, se é que se pode encontrar verdadeira alegria fora de vós; quanto a mim, quero que só vós sejais toda a minha fortuna, minha riqueza, minha paz e minha esperança nesta vida e na eternidade! Eis o meu coração, eu vo-lo dou inteiramente; ele já não é meu mas vosso. Entrando no mundo oferecestes e destes a vosso Pai eterno
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toda a vossa vontade como nos fizestes saber por Davi: Na cabeceira do livro está escrito de mim que farei a vossa vontade; sim, meu Deus, eu o quero; assim hoje eu vos ofereço, meu divino Salvador, toda a minha vontade. Ela vos foi outrora rebelde e com ela vos ofendi; mas agora detesto do fundo do coração o mau uso que dela fiz, todas as faltas pelas quais tive a infelicidade de perder a vossa amizade, e vos consagro esta minha vontade sem reserva. Senhor, que quereis que eu faça? estou pronto a obedecer-vos. Disponde de mim e do que me pertence como vos aprouver; aceito tudo e a tudo me resigno. Sei que quereis o meu maior bem; nas vossas mãos recomendo o meu espírito. Ajudai minha alma por vossa misericórdia, conservai-a, fazei seja ela sempre vossa, e toda vossa, pois que a resgatastes com vosso sangue: Vós me remistes, Se-nhor, Deus de verdade.
Ó Maria, Virgem santa, feliz sois vós! Fostes sempre toda de Deus, toda bela, toda pura e sem mancha. Só vós fostes, entre todas as almas, chamada pelo divino Esposo, a sua columba, a sua perfeita. Vós sois o jardim fechado à toda a culpa, a toda a imperfeição, e cheio de flores e frutos de todas as virtudes. Ah! minha Rainha e minha Mãe, que sois tão bela aos olhos de Deus, tende piedade de minha alma, tão deformizada por seus pecados. Se no passado não pertenci a Deus, agora quero ser dele e todo dele. Quero empregar o resto de minha vida só em amar o meu Redentor, que tanto me tem amado: basta dizer que Ele se deu todo a mim. Ó minha esperança, obtende-me a força de lhe ser grato e fiel até a morte. Amém. Assim o espero, assim seja.

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