25 de novembro de 2013

Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo - Parte 1 - Meditação 9

CONSIDERAÇÃO IX.

O VERBO ETERNO DE SUBLIME SE FEZ HUMILDE.

Discite a me, quia mitis sum et humilis corde.
Aprendei de mim, que eu sou manso e humilde de coração (Mt 11,29).

O orgulho foi a causa da queda de nossos primeiros pais; estes, por não quererem submeter-se à lei divina, perderam a si mesmos e todo o gênero humano. Para reparar tão grande desgraça, o Deus de misericórdia quis que seu Filho unigênito se humilhasse ao ponto de assumir a natureza humana, e que pelo exemplo de sua vida nos movesse a amar a santa humildade e a detestar o orgulho que nos torna odiosos aos homens e a Deus. Eis por que S. Bernardo hoje nos convida a visitar a gruta de Belém; lá encontraremos, diz ele, o que admirar, o que amar, e o que imitar.
Sim, nessa gruta achamos primeiro o que admirar. Que vejo? um Deus num estábulo! um Deus sobre a palha! Ó prodígio! esse Deus onipotente que Isaías viu sentado num trono de glória e majestade no mais alto os céus; onde o vemos agora re-pousar? num presépio! e desconhecido, abandonado, sem outros cortesãos que dois animais e alguns pobres pastores!
Lá encontramos também um objeto digno de nossos afetos: um Deus, o Bem infinito que quis aviltar-se ao ponto de mostrar-se ao mundo como pobre criança, e isso a fim de se fazer mais amável, mais caro aos nossos corações: “Quanto mais Ele se humilha por mim, diz ainda S. Bernardo, tanto mais eu o amo”.
Lá encontramos enfim um modelo a seguir. O Altíssimo, o Rei do céu reduzido ao estado mais humilde! uma criancinha em extrema indigência; nessa gruta em que acaba de nascer quer começar a ensinar-nos com seu exemplo, continua o mesmo Santo, aquilo que mais tarde nos ensinará dizendo: Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração. Peçamos a Jesus e Maria nos iluminem.
I.
Quem não sabe que Deus é incomparavelmente o primeiro, o mais nobre de todos os seres, do qual depende toda a nobreza? Ele é de infinita grandeza. E independente; não recebeu de ninguém a sua grandeza, mas a possui em si mesmo. É o Senhor do universo; todas as criaturas lhe obedecem. O Apóstolo tinha pois razão de dizer: A Deus pertence toa a honra e glória. Para curar o homem do vício do orgulho e remediar a desgraça em que o orgulho o havia precipitado, esse grande Deus dignou-se dar-lhe o exemplo da humildade, assim como para desapegá-lo dos bens terrenos lhe deu, como vimos na consideração precedente, o exemplo da pobreza.
O primeiro e o maior exemplo de humildade da parte do Verbo eterno foi de se fazer homem e revestir-se da nossa natureza e de nossas misérias. “Quem veste roupa de outrem, diz Cassiano, oculta-se sob essa roupa; assim Jesus Cristo ocultou sua natureza divina sob a humilde veste da carne humana”. “Ó maravilha, exclama S. Bernardo, a Majestade se uniu à lama, o poder à fraqueza, o que há de mais sublime ao que há de mais baixo! E maravilha mais estupenda ainda, não contente de se fazer criatura, esse Deus quis ainda parecer pecador revestindo-se, segundo a palavra do Apóstolo, duma carne semelhante à nossa carne pecadora”.
Mas o Filho de Deus não se contentou de tomar a natureza humana e de parecer pecador; quis escolher o gênero de vida mais humilde e mais baixo que há entre os homens, de sorte que Isaías o chama o último dos mortais. Jeremias havia predito que Ele seria saturado de ignomínias; e Davi, que Ele se tornaria o opróbrio dos homens e a abjeção da plebe. Eis por que Jesus Cristo quis nascer do modo mais abjeto que se possa imaginar: quis nascer num estábulo. Que vergonha para um homem, embora pobre, nascer num estábulo! Quais são os seres que nascer nos estábulos? Os pobres vem ao mundo em seus casebres, pelo menos numa esteira, e não num estábulo. Em estábulos só nascem os animais, os vermes; e como um verme quis nascer na terra o Filho de Deus: Sou um verme, diz Ele, e não um homem. Sim, observa S. Agostinho, assim quis nascer o Rei do universo para nesse mesmo abaixamento mostrar-nos a sua grandeza e o seu poder, fazendo com seu exemplo amarem a humildade os homens naturalmente cheios de orgulho.
Quando os anjos anunciaram aos pastores o nascimento do Messias, os sinais que deram para o acharem e reconhecerem foram outros tantos sinais de humildade: Achareis num estábulo, disseram, uma criança envolta em panos e reclinada num presépio sobre a palha; eis o vosso Salvador. Eis como se faz reconhecer um Deus que vem à terra abater o orgulho.
A vida de Jesus exilado no Egito corresponde aos seu nascimento. Que era ele aos olhos daqueles bárbaros todo o tempo que se demorou entre eles, senão um estrangeiro, um desconhecido, um indigente? Quem o conhecia? quem lhe prestava atenção?
Após a sua volta à Judéia, a sua vida pouco se diferençou da que levou no Egito. Viveu até aos trinta anos na oficina dum pobre artífice, que todos consideravam como seu pai; lá exercia
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o ofício dum simples operário, sempre pobre, obscuro e desprezado. Na santa Família não havia servos nem servas, observa S. João Crisóstomo. O único servo que havia na casa era o Filho de Deus, que quisera fazer-se filho do homem, isto é, de Maria, para ser um humilde servidor e como tal obedecer a um homem e a uma mulher: S. Lucas atesta que Ele lhes era submisso.
Após esses trinta anos de vida oculta, chegou enfim o tempo em que nosso Salvador tinha de mostrar-se em público, e cumprir sua divina missão pregando-nos sua celeste doutrina; desde então já não podia deixar de se manifestar tal qual era, o verdadeiro Filho de Deus. Mas, ah! quantos eram os que o re-conheciam e lhe prestavam a honra que merecia? exceto um pequeno número de pessoas que o seguiram e se tornaram seus discípulos, todos os outros, longe de o honrarem, o desprezaram como homem vil e impostor. Ah! foi sobretudo então que se verificou a profecia de S. Simeão: Ele será alvo de contradição. — Jesus Cristo foi contradito e desprezado em tudo: foi desprezado em sua doutrina; tendo-se declarado o Filho de Deus, foi taxado de blasfemo pelo ímpio Caifás, e, como tal, julgado digno de morte. Foi desprezado em sua sabedoria sendo considerado como louco: Ele perdeu o juízo, diziam seus inimigos, por que o ouvis? Foi desprezado em sua conduta e tratado de glutão, de embriagado e de amigo de gente de má vida; de mágico em comércio com os demônios; de Samarita-no, isto é, de herege e de demoníaco: Não temos razão de dizer que és um Samaritano e um possesso do demônio? Foi enfim tratado de sedutor e considerado, numa palavra, como um criminoso tão notório digno de ser condenado sem processo: Se Ele não fosse um malfeitor, diziam os judeus, não vo-lo teríamos entregue.
Chegado ao fim da sua vida e à sua dolorosa Paixão, quantos novos ultrajes e humilhações não teve de suportar o divino Salvador! Foi traído e vendido por um dos seus discípulos por trinta dinheiros, quantia inferior à dum vil animal. Foi renegado por um outro discípulo. Foi arrastado pelas ruas de Jerusalém, amarrado como um malfeitor e abandonado de to-dos, mesmo dos poucos discípulos que lhe restavam. Foi in-dignamente flagelado como um vil escravo. Foi esbofeteado em público. Foi tratado como um idiota por Herodes, que vendo que Ele nada respondia e não se defendia, o cobriu duma veste branca, querendo com isso fazê-lo passar por um ignorante, diz S. Boaventura. Foi tratado como rei de teatro: puseram-lhe na mão por cetro uma cana grosseira; sobre os ombros um peda-ço de pano rubro à moda de púrpura; e sobre a fronte um feixe de espinhos em lugar de coroa; e depois escarnecendo-o o saudavam, dobravam o joelho diante dele por escárnio dizen-do: Salve, rei dos judeus! e carregavam-no de escarros e gol-pes.
Nosso Senhor quis enfim morrer por nós, e de que morte? da morte mais ignominiosa, que é o suplício da crus: Ele se humilhou e se fez obediente até a morte, até a morte da cruz. Eram crucificados os que eram considerados como os mais vis e odiosos facínoras; os seus nomes eram para sempre amaldiçoados e votados à infâmia. A lei de Moisés dizia: Maldito todo aquele que pende no madeiro. Daí a palavra de S. Paulo: O Cristo se fez maldição por nós; o que S. Atanásio explica com as palavras: “Jesus quis tomar sobre si essa maldição para sal-var-nos da maldição eterna”. “Mas, Senhor, exclama aqui S. Tomás de Vilanova, que é da vossa glória, da vossa majestade nesse excesso de ignomínia? Não procureis a glória e a majestade em Jesus Cristo, responde ele: Ele veio para dar-nos o exemplo da humildade e manifestar o amor que tem aos homens; a esse amor o pôs, em certo sentido, fora de si mesmo”.
II.
Os pagãos contavam que, por amizade, Hércules havia limpado as estrebarias de Augias, e Apolo, guardado os rebanhos de Admeto: puras ficções, mas é de fé que, por amor dos homens, Jesus Cristo, verdadeiro Filho de Deus se humilhou a nascer num estábulo, a levar uma vida pobre e desprezada, e a morrer num patíbulo infame. — Ó força de amor divino! exclama S. Bernardo; o maior de todos fez-se o último, o mais humilde de todos! E qual o móvel desse prodigioso abaixamento? O amor, esquecido de sua dignidade, em se tratando de ganhar o afeto da pessoa amada. Assim, concluiu o Santo, Deus, a quem ninguém pode vencer, foi vencido pelo amor, pois que o amor o moveu a fazer-se homem e a imolar-se por nós num oceano de dores e opróbrios. O Verbo divino, a grandeza personificada, humilhou-se até se aniquilar em certo sentido, para mostrar ao homem o amor que lhe tinha.
E de fato, observa S. Gregório de Nazianzo, Deus não podia melhor manifestar o seu amor por nós do que humilhando-se ao ponto de abraçar as maiores misérias e as mais profundas humilhações que os homens podem padecer sobre a terra. E Ricardo de S. Vítor ajunta que, tendo o homem possuído a audácia de ofender a majestade divina, “o seu crime devia ser expiado pela extrema humilhação duma suprema grandeza”. Mas, replica S. Bernardo, na medida que Deus se humilhou por nós, se mostrou grande em bondade e em amor.
Depois que um Deus se humilhou tanto por amor do homem, repugnará ainda ao homem humilhar-se por amor de Deus? Sejam os vossos sentimentos conformes aos de Jesus Cristo, nos diz o apóstolo. Não merece o nome de cristão quem não é humilde e não procura imitar nisso a Jesus Cristo, que, como observa S. Agostinho, veio ao mundo todo revestido de humildade, precisamente a fim de abater o orgulho. O orgulho do homem, ajunta o Santo Doutor, é a doença que fez descer do céu o divino Médico, o saturou de ignomínias e o cravou na cruz. Envergonhe-se pois o homem de ser orgulhoso ao menos
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à vista dum Deus que tanto se humilhou para curá-lo do orgulho”. S. Pedro Damião exprime mais ou menos o mesmo pensamento nestes termos: “Nosso Senhor abaixou-se a fim de nos elevar”, isto é, de nos retirar da lama dos nossos pecados, e de nos colocar com seus anjos no seu reino eterno, segundo as palavras do Salmista: Levanta do pó da terra o desvalido, e tira da imundície o pobre para o colocar com os príncipes, com os príncipes do seu povo. De sorte que, como ajunta S. Hilário, humilhando-se Ele nos enobreceu. “Ó imensidade do amor dum Deus para com a humanidade! exclama S. Agostinho; Ele vem carregar-se de opróbrios para nos fazer participantes de suas honras; vem entregar-se às dores para operar a nossa salvação; vem padecer a morte para nos reconduzir à vida!”
Escolhendo um nascimento tão humilde, uma vida tão desprezada e uma morte tão ignominiosa, Jesus Cristo tornou nobres e amáveis os desprezos e os opróbrios. Eis por que todos os Santos neste mundo foram tão amantes e até tão ávidos das ignomínias que pareciam não saber desejar e procurar outra coisa que ser humilhados e espezinhados pelo amor de Jesus Cristo. A aparição do Verbo sobre a terra cumpriu exatamente a predição de Isaías: Nas cavernas em que antes ha-bitavam os dragões, nascerá a verdura da cana e do junco, isto é, segundo o comentário do Cardeal Hugo, o exemplo da humildade de Jesus Cristo faria nascer o espírito de humildade lá onde até então reinaram os demônios, que são espíritos de orgulho. E de fato, assim como a cana é vazia por dentro, os humildes são vazios a seus próprios olhos; em oposição aos soberbos, que são cheios de si, eles estão persuadidos, como é verdade, que tudo o que eles têm é um dom de Deus.
Daí podemos inferir quanto Deus ama uma alma humilde e detesta um coração soberbo. Mas é possível, exclama S. Ber-nardo, que haja ainda orgulhosos sobre a terra depois dos exemplos dados por Jesus Cristo, e que “o vermezinho se eleve quando a majestade infinita se aniquilou?” Sim, repitamo-lo: é possível que um verme da terra manchado de pecados persista no seu orgulho depois de ver um Deus de majestade e pureza infinitas humilhar-se tão profundamente para ensinar-lhe a ser humilde!
De resto, estejamos persuadidos que os orgulhosos não podem estar bem com Deus. Ouçamos o conselho de Santo Agostinho: “Quando vos elevais, Deus foge de vós; quando vos humilhais, Deus desce para vós”. O Senhor afasta-se pois dos orgulhosos; mas, ao contrário, um coração que se humilha, embora em pecado, não deve temer ser desprezado: Não desprezareis, ó Deus, um coração contrito e humilhado, cantava o Salmista. Ele prometeu atender a quem lhe pede: Pedi e dar-se-vos-á..., pois quem pede recebe; mas protesta pela boca de S. Tiago que não pode atender os soberbos: Deus resiste às preces dos orgulhosos, e não os ouve, ao passo que aos humildes dá a sua graça; não sabe negar-lhes nenhuma graça que lhe pedem. — S. Teresa dizia que Deus lhe concedia as maiores graças quando ela mais se humilhava em sua presença. A oração dum coração que se humilha penetra o céu, diz o Espírito Santo, sem ter necessidade de ser lá introduzida, e não se retira sem haver recebido de Deus o que reclama.
Afetos e Súplicas.
Ó meu Jesus desprezado, com o vosso exemplo tornastes caros e amáveis os desprezos aos que vos amam. Contudo, pois, em vez de recebê-los com alegria, como o fizestes, eu me tenho orgulhosamente revoltado contra os que me desprezavam e cheguei a ofender vossa majestade infinita? Fui a um tempo pecador e soberbo! Ah! Senhor, compreendo: não tenho sabido aceitar as afrontas com paciência, porque não soube amar-vos: se vos amasse, tê-los-ia achado doces e agradáveis. Mas já que prometeis o perdão a quem se arrepende, detesto do fundo da alma as desordens da minha vida, que tem sido tão diferente da vossa. Mas quero emendar-me e vos prometo de sofrer doravante todos os desprezos que me forem feitos, por vosso amor, ó meu Jesus que fostes tão desprezado por amor de mim. Sei que as humilhações são minas preciosas que abris às almas para enriquecê-las de tesouros eternos. Ah! bem mereço eu outras humilhações e outros desprezos, eu que desprezei a vossa graça: mereço ser calcado aos pés dos demônios! Mas o vosso sangue é a minha esperança. Quero mu-dar de vida, não quero mais ofender-vos; doravante só quero procurar o vosso beneplácito. Mereci mais vezes ser lançado nas chamas do inferno; vós que até agora me tendes esperado e perdoado, como espero, fazei que em vez de arder naquele horrível fogo, eu arda no doce fogo do vosso santo amor. Ó meu amor, não quero mais viver sem vos amar. Ajudai-me, não permitais que eu viva na ingratidão para convosco, como o fiz no passado. De hoje em diante quero amar a vós só; quero que meu coração só a vós pertença. Tomai posse dele e guardai-o eternamente, de sorte que eu seja sempre vosso e que sejais sempre meu, que eu vos ame sempre e que vós sempre me ameis. Sim, ó Deus infinitamente amável, assim o espero, sempre vos amarei, e vós me amareis sempre. Creio em vós, bondade infinita; espero em vós, bondade infinita; amo-vos, bondade infinita, amo-vos e não cessareis jamais de dizer-vos: Amo-vos, amo-vos, amo-vos; e porque vos amo estou resolvido a fazer quanto possa para comprazer-vos. Disponde de mim como vos aprouver. Basta que me deis a graça de amar-vos, e fazei de mim o que quiserdes. O vosso amor é e será sempre o meu único amor, o meu único bem.
Maria, minha esperança, Mãe do belo amor, ajudai-me a amar muito e sempre o meu Deus infinitamente amável.

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