26 de novembro de 2013

Mágoas tardias da alma negligente na hora da morte.

Iuravit per viventem in saecula saeculorum... Quia tempus non erit amplius — “Jurou por aquele que vive pelos séculos dos séculos... Não haverá mais tempo” (Apoc. 10, 6).

Sumário. Ai do moribundo que na vida se descuidou do bem da sua alma! À luz da vela bendita que então será acesa, verá as coisas do mundo bem diferentes do que agora se lhe afiguram. Dirá: Insensato que fui! Com tantos meios que Deus me proporcionou, podia santificar-me, e em vez disso, sou atormentado pelos mais acerbos remorsos. Dize-me, porém, meu irmão, de que servirá compreender esta verdade, quando já for tarde para remediar?... Façamos agora o que na hora da morte desejaremos ter feito.

I. Para o moribundo, que na sua vida se descuidou do bem da sua alma, todas as coisas que se lhe apresentarem serão outros tantos espinhos. Espinhos as recordações dos prazeres gozados, das demandas vencidas, das pompas ostentadas: espinhos os amigos que o virão visitar, assim como todas as coisas que eles lhe recordarão: espinhos os sacerdotes que alternativamente lhe assistirão: espinhos os sacramentos que deverá receber, a confissão, a comunhão e a extrema unção; espinho lhe será também o Crucifixo que lhe colocarão ao lado, porque nesta imagem verá quão mal correspondeu ao amor de um Deus morto para o salvar.

Quanto fui insensato! Dirá então o pobre doente. Podia tornar-me santo com as luzes e facilidades que Deus me deu; podia passar vida feliz na graça de Deus; e agora, de tantos anos que vivi, que me resta senão tormentos, desconfianças, temores, remorsos de consciência e contas para dar a Deus?... É bem difícil salvar-me!

O que não daria então, para ainda ter um ano, um mês, uma semana ao menos, com a cabeça sã? Estando então com a cabeça atordoada, o peito oprimido e falta de ar, nada pode fazer, não pode refletir, nem aplicar o espírito a qualquer ato de virtude. Está como encerrado num fosso escuro, onde tudo é confusão, onde não pode imaginar senão uma grande ruína que o ameaça e à qual se vê na impossibilidade de remediar. É por isso que desejaria tempo; mas ser-lhe-á dito: “Proficiscere. Depressa, regula nestes poucos momentos, o melhor possível, as tuas contas, e parte. Não sabes que a morte nunca espera, nem tem considerações para com pessoa alguma?” — Reflete aqui, meu irmão, quais seriam os teus sentimentos, se agora te avisassem de que a tua morte se aproxima? Ah! Quantos cristãos que meditaram nestas mesmas verdades, mas não as aproveitaram, choram agora, desesperados, no fogo do inferno?

II. Que motivo de susto não será para o enfermo o pensar e dizer: “Esta manhã tenho ainda vida; à noite talvez já esteja morto!... Hoje estou neste quarto, amanhã estarei no sepulcro!... E a minha alma, onde estará?”... Que susto quando vir preparar o círio fúnebre! Quando sentir o suor frio da morte! Quando começar a perder a vista, e os olhos se escurecerem! Que susto, enfim, quando acenderem o círio, porque a morte é iminente! O círio, ó facho da morte, quantas verdades descobrirás então! Como farás conhecer as coisas diferentes do que agora se afiguram! Como farás conhecer que todos os bens do mundo não são senão vaidades, loucuras e ilusões! Mas de que servirá compreender estas verdades, quando já não haverá tempo para se aproveitarem?

Ah, meu Deus! Não quereis a minha morte, mas sim que me converta e viva. Agradeço-Vos o terdes esperado por mim até hoje; agradeço-Vos a luz que me dais agora. Reconheço o erro que cometi, pospondo a vossa amizade a bens tão vis e miseráveis, como aqueles pelos quais Vos desprezei. Arrependo-me, estou aflito, de todo o meu coração, por Vos ter feito tamanha injúria. Nos dias que me restam, não deixeis, com a vossa luz e graça, de me ajudar a conhecer e a executar o que devo fazer para emendar a minha vida. De que me servirá chegar a conhecer esta verdade, quando já não tiver tempo para me corrigir?

Ne tradas bestiis animas confitentes tibi (1) — “Não entregues às feras as almas que te louvam”. Quando o demônio me tentar a ofender-Vos de novo, suplico-Vos, meu Jesus, pelos merecimentos da vossa Paixão, que estendais os braços e me preserveis de recair no pecado e de me tornar outra vez escravo dos inimigos da minha alma. Fazei que então sempre recorra a Vós, e não deixe de me recomendar a Vós, enquanto durar a tentação. Vosso sangue é a minha esperança, e a vossa bondade o meu amor. — Amo-vos, meu Deus, digno de um amor infinito, e fazei que sempre Vos ame. Fazei-me conhecer as coisas de que me devo desligar para ser todo vosso, porque é isto o que pretendo fazer. Mas dai-me força de executar esta resolução. — Ó Rainha do céu, ó Mãe de Deus, rogai por mim, pobre pecador. Fazei que não deixe nas tentações de recorrer a Jesus e a vós, que, pela vossa intercessão, preservais de toda a queda aquele que a vós recorre. (II 34.)

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1. Ps. 73, 19.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 432-435.)

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