21 de novembro de 2013

Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo - Parte 1 - Meditação 5

CONSIDERAÇÃO V.

O VERBO ETERNO DE FORTE SE FEZ FRACO.

Dicite pusillanimis: Confortamini et nolite timere... Deus ipse veniet, et salvabit vos.
Dizei aos pusilânimes: Confortai-vos e não temais; Deus mesmo virá e vos salvará (Is 85,4).

Falando Isaías da vinda do Messias, predisse: A terra deserta e sem caminho se alegrará e florescerá como o lírio. O profeta falava assim dos pagãos, em cujo número estavam os nossos antepassados: a terra dos gentios em que viviam, era como deserta porque não povoada por homens que conheciam e adoravam o verdadeiro Deus, mas só por escravos do demônio; era uma terra deserta e sem caminho, porque esses infelizes ignoravam o caminho da salvação. Essa terra tão triste ia pois alegrar-se com a vinda do Messias, vendo-se coberta de servos do verdadeiro Deus, cuja graça os devia fazer fortes contra todos os inimigos de sua salvação; enfim, essa terra iria florescer como o lírio pela pureza de costumes e pelo bom odor das virtudes. É por isso que o profeta ajunta: Tomai ânimo e não temais; Deus mesmo virá e vos salvará. — Essa predição cumpriu-se já; seja-me pois permitido exclamar com júbilo: Alegrai-vos, filhos de Adão, alegrai-vos e não sejais pusilânimes se vos julgais demasiado fracos contra tantos inimigos: Não temais... Deus mesmo virá e vos salvará, dizia Isaías. Ele veio, Deus mesmo veio à terra e vos salvou dando-vos a força necessária para combater e vencer todos os inimigos de vossa salvação.
Mas como nosso Redentor nos proporcionou essa força? — De forte e de todo-poderoso se fez fraco. Tomou sobre si nossa fraqueza, e assim nos comunicou sua força. — É isso que vamos considerar depois de pedirmos a Jesus e Maria que nos iluminem.
I.
Deus é forte, e o único que se pode dizer forte porque é a força mesma, e toda a força vem dele, como Ele o declara pela boca do Sábio: Minha é a força; é por mim que os reis reinam. Deus é poderoso; pode tudo o que quer, e o pode com facilidade; basta um ato de sua vontade: O céu e a terra são obra de vossa onipotência... nada vos é difícil. Com um aceno criou do nada o céu e a terra: Ele disse e tudo foi feito. E se quisesse, com um outro aceno, poderia aniquilar o universo. Sabemos que, quando quis, destruiu num instante cinco cidades inteiras com o fogo do céu. Sabemos que, noutra ocasião, sepultou toa a terra nas águas do dilúvio e fez perecer todo o gênero humano, exceto oito pessoas. Numa palavra Deus é todo-poderoso. Senhor, exclamava Salomão, quem poderia resistir à força do vosso braço?
Daí se vê quão grande é a temeridade do pecador, que ousa revoltar-se contra Deus, levando a audácia, como diz Jó, ao ponto de levantar sua mão contra o Todo-poderoso. Que pensaríamos nós da temeridade duma formiga que ousasse provocar um soldado? porém, bem mais temerário é o homem que ousa afrontar seu Criador, desprezar seus mandamentos, menosprezar suas ameaças, vilipendiar sua graça, e declarar-se seu inimigo.
É a esses homens temerários e ingratos que o Filho de Deus veio salvar; para isso ele mesmo se fez homem, e a fim de reconciliá-los com Deus, tomou sobre si as penas que lhes eram devidas. E vendo-os enfraquecidos pela chaga do pecado e impotentes para resistir a seus inimigos, que fez o Verbo e-terno? de forte e de todo-poderoso, se fez fraco; revestiu-se da fraqueza corporal natural aos homens, a fim de lhes merecer a força espiritual de que necessitavam para reprimir os assaltos da carne e do inferno. E ei-lo feito menino necessitado de leite para sustentar-se a vida; e tão fraco ao ponto de não poder sustentar-se a si mesmo nem de se mover.
O Filho de Deus, vindo à terra e tomando a natureza humana, quis ocultar a sua força: Quando pois veio ao mundo revestir-se da nossa carne, o Filho de Deus quis ocultar o seu poder: Deus virá do meio-dia, disse Habacuc... sua força é o-culta. E S. Agostinho: Achamos em Jesus Cristo o forte e o fraco: o forte, porque criou o universo; o fraco, porque se tornou semelhante a nós. Ora, continua o Santo Doutor, o forte quis fazer-se fraco, a fim de remediar por sua fraqueza à nossa enfermidade, e de operar assim a nossa salvação. Eis por que, acrescenta, o Salvador dirigindo-se a Jerusalém, se comparou à galinha: Quantas vezes eu quis juntar teus filhos, como a galinha recolhe debaixo das asas os seus pintos, e tu não quiseste. Segundo a observação de S. Agostinho, a galinha se faz fraca com os pintainhos que cria; e com esse sinal se á a conhecer por mãe; assim fez o nosso amoroso Redentor: a fraqueza de que se revestiu no-lo fez reconhecer por pai e mãe da pobre e débil humanidade.
Eis pois Aquele que governa os céus, diz S. Cirilo, ei-lo envolto em paninhos sem mesmo poder estender os braços. Considerai-o na viagem que é obrigado a fazer ao Egito por ordem de seu Pai celeste: Ele quer obedecer, mas não poder caminhar; é preciso que Maria e José, revezando-se, o levem nos braços. E ao voltar desse exílio, como observa S. Boaventura, Ele precisa parar muitas vezes no caminho para descansar; pois o divino Infante já demasiado grande para ser carre-gado, era ainda demasiado pequeno e fraco para caminhar muito tempo.
Ei-lo agora na humilde oficina de Nazaré, onde, um tanto já crescido, se entrega ao trabalho e se esforça por ajudar a S. José no ofício de carpinteiro. Ah! contemplando atentamente esse belo adolescente, que se fatiga e quase perde o fôlego sob o peso da madeira bruta, quem poderia não exclamar: Mas vós, amável jovem, não sois o Deus que com um aceno tirou o mundo do nada? como pois tendes agora de suar o dia inteiro para trabalhar essa madeira sem todavia conseguirdes terminar o serviço? quem vos fez tão fraco? — Ó santa fé! ó amor dum Deus! esse pensamento, se dele nos penetrássemos bem, de-veria não só inflamar-nos, mas ainda, por assim dizer, consumir-nos de amor! Eis até onde chegou um Deus! e por que? para se fazer amar dos homens.
No fim de sua vida, ei-lo no jardim das Oliveiras carregado de cadeias de que não pode desvencilhar-se, depois atado à coluna no pretório para ser flagelado. Ei-lo que se avança, a cruz sobre os ombros, não tendo força para carregá-la, e caindo mais vezes pelo caminho. Ei-lo pregado na cruz com cravos, de que não pode desfazer-se. Ei-lo enfim a agonizar de fraqueza, desfalecendo e exalando o derradeiro suspiro!
II.
E por que se fez Jesus Cristo tão fraco? Ele se tornou fraco, já o dissemos, para assim nos comunicar a sua própria força, e, de outro lado, para vencer e abater as forças do inferno: Venceu o Leão da tribo de Judá. Segundo o Salmista, é próprio de Deus, é sua inclinação natural querer salvar-nos e preservar-nos da morte: O nosso Deus é o Deus que tem a virtude de nos salvar; e ao Senhor, ao Senhor pertence o livrar da morte.
Esse texto é interpretado no mesmo sentido por Belarmino. Se somos fracos, confiemos em Jesus Cristo e poderemos tudo: Tudo posso, dizia S. Paulo, naquele que me conforta. Posso tudo, não por minhas próprias forças, mas pela força que meu Redentor me comunica em virtude de seus méritos. Confiai, meus filhos, diz-nos Jesus Cristo; se não podeis resistir a vossos inimigos, sabei que eu os venci por vós; a minha vitória foi para o vosso bem. Empregai as armas que vos deixo para a vossa defesa, e vencereis certamente.
Mas quais são essas armas que Nosso Senhor nos deixou? — São duas: a freqüência dos sacramentos e a oração.
Já se sabe que os sacramentos, especialmente a Penitência e a Eucaristia, são os canais pelos quais nos chegam as graças que nosso Salvador nos mereceu. A experiência cotidiana prova que quem freqüenta os sacramentos, se conserva facilmente na graça de Deus; mormente quem comunga muitas vezes, oh! que força recebe para resistir às tentações! A sagrada Eucaristia é chamada Pão, e Pão celeste, para nos dar a entender que, como o pão terrestre conserva a vida do corpo, assim a comunhão conserva a vida da alma, que é a graça de Deus. O Concílio de Trento diz que é um antídoto, que nos livra das faltas veniais e nos preserva dos pecados graves. Segundo S. Tomás, a chaga que o pecado nos fez, seria incurável, se não tivéssemos esse remédio divino. Por sua Paixão, diz Inocêncio III, Jesus Cristo nos livros das cadeias do pecado, e pela Eucaristia nos livra da vontade de pecar.
O segundo meio que temos para vencer as tentações é a oração feita a Deus pelos méritos de Jesus Cristo, que nos fez esta promessa: Em verdade, em verdade vos digo: tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome, Ele vo-lo dará. Assim, tudo o que pedirmos a Deus em nome de Jesus Cristo, isto é, por seus merecimentos, o obteremos. É ainda um fato de experiência cotidiana: todos os que, em suas tentações, recorrerem a Deus suplicando-lhe por Jesus Cristo, obtêm sempre a vitória; ao contrário, os que se descuidam de reclamar o socorro divino, especialmente nas tentações carnais, sucumbem miseravelmente e se perdem. Eles dizem, desculpando-se, que são de carne, que são fracos. Mas como pode desculpá-los a sua fraqueza? Para terem a força que lhes falta, bastar-lhes-ia re-correr a Jesus Cristo e invocar com confiança o seu santíssimo nome, e eles não o querem fazer! Que desculpa teria quem se queixasse de ser vencido pelo inimigo, se, sendo-lhe apresentadas as armas de defesa, as tivesse rejeitado e desprezado? Se quisesse alegar a sua fraqueza, fácil seria confundi-lo dizendo: Já que conhecias a tua fraqueza, por que não quiseste servir-te das armas que te ofereciam?
O demônio, diz S. Agostinho, foi acorrentado por Jesus Cristo; ele pode ladrar, mas só pode morder a quem quer ser mordido; é preciso ser bem insensato, acrescente o Santo Doutor, para se deixar morder por um cão preso à corrente, pois o demônio pode solicitar-nos, mas não forçar-nos a consentir no mal. Ele diz ainda alhures que nosso Redentor nos deixou to-dos os remédios necessários à nossa cura, e que todos os que morrem, por não seguirem as prescrições do médico, devem atribuir a si mesmo a sua morte.
Quem se une a Jesus Cristo não é fraco, mas se torna for-te pela força de Jesus. Esse bom Mestre, ensina-nos S. Agostinho, não só nos exorta a combater, mas nos ajuda também a vencer; se nos faltam as forças, vem em nosso socorro, e Ele mesmo nos coroa após a vitória. Isaías predisse que o coxo saltaria como o veado, isto quer dizer que, pelos méritos do Salvador, quem de si mesmo não possui força de dar um passo, se torna capaz de galgar as montanhas com a maior facilidade. Predisse que fontes abundantes jorrariam do solo mais árido, isto é, que as almas estéreis, que não produziam nenhum bem, se tornariam fecundas em virtudes. Predisse que, onde moravam os dragões, nasceria a verdura da cana e do junco, isto é, que os corações mais viciados, em que habitavam os demônios, se abririam a sentimentos de humildade e caridade. A cana representa a humildade, porque, segundo o co-mentário do Cardeal Hugo, quem é humilde julga-se vazio ou desprovido de méritos; o junco representa a caridade porque, segundo o mesmo intérprete, em algumas regiões serve de mecha a arder as lâmpadas.
Numa palavra, quando recorremos a Jesus Cristo, encontramos nele toda a graça, toda a força, todo o socorro: Nele, diz o apóstolo, fostes enriquecidos de todos os bens... de maneira que nada vos falta em graça alguma. É por isso que Ele se fez homem, que se aniquilou. Em certo sentido reduziu-se a nada, diz Cornélio; despojou-se de sua majestade, de sua glória e de sua força. Tomou sobre si a nossa miséria e a nossa fraqueza, para nos comunicar a sua dignidade e o seu poder, para ser nossa luz, nossa justiça, nossa santificação, e nossa redenção. E está sempre pronto a auxiliar e confortar a quem o invoca.
S. João viu o Senhor com o peito cheio de leite, isto é, de graças, e cingido dum cinto de ouro. Isso significa que Jesus Cristo em certo sentido está ligado e constrangido pelo amor que tem aos homens: à semelhança duma mãe que, tendo os seios cheios de leite, procura o filho para amamentá-lo e para se desfazer do precioso peso, Nosso Senhor deseja ardente-mente que lhe peçamos as suas graças e todos os socorros de que temos necessidade para vencer os inimigos que procuram sem cessar roubar-nos a sua amizade e perder-nos.
O profeta exclama: Oh! como Deus é bom e liberal para com a alma que o procura com sinceridade e resolução. Se pois não nos tornarmos santos, a culpa é nossa; é que nos não resolvemos a querer só a Deus. Os preguiçosos, ou os tíbios, querem e não querem, e são sempre vencidos, porque não tomam a firme resolução de agradar só a Deus. Uma vontade bem determinada triunfa de tudo, porque quando uma alma se decide verdadeiramente a dar-se a Deus sem reserva, o Se-nhor lhe estende logo a mão e a força de superar todas as dificuldades que ela encontra no caminho da perfeição. Assim se realiza a bela promessa que Isaías fazia ao mundo, suspirando pela vida do Salvador: Oxalá romperas tu os céus, e desceras de lá! Os montes se derreteriam diante da tua face. À vinda do Redentor, dizia ainda, os caminhos tortuosos serão endireita-dos, e os escabrosos aplanados. Os montes são os obstáculos opostos pelos apetites carnais à perfeição: fortalecidas pelo Salvador, as almas de boa vontade o vêem desaparecer. Os caminhos tortuosos e escabrosos são as humilhações e as pe-nas que os homens acham naturalmente duras e difíceis de suportar: tudo isso se lhes torna doce e leve pela graça que Jesus Cristo lhes dá pelo amor divino que Ele ateia em seus corações. Assim S. João de Deus regozijava em passar por louco e em ser espancado num hospital; assim S. Ludovina gozava ao ver-se toda coberta de chagas e presa ao leito por vários anos; assim S. Lourenço arrostou o tirano que o fazia arder na grelha, e deu com alegria sua vida por Jesus Cristo. Assim ainda muitas almas fervorosas acham a paz e a felicida-de, não nos prazeres e nas honras do mundo, mas nos sofri-mentos e nas ignomínias.
Ah! peçamos a Jesus Cristo nos penetre desse fogo divino, que Ele veio acender sobre a terra, que assim também nós não acharemos pena nem dificuldade em espezinhar a lama dos bens do mundo e empreendermos grandes coisas por Deus. Quando se ama, não se sofre, diz S. Agostinho. Para uma alma que ama a Deus não é penoso nem difícil sofrer, orar, mortificar-se, humilhar-se, renunciar aos prazeres terrestres. Quanto mais trabalha e sofre tanto mais quer trabalhar e sofrer. As chamas do amor divino, como as chamas do inferno, diz o Sábio, não dizem jamais: basta. — Nada pode saciar o ardor duma alma que ama a Deus.
É pelas mãos da SS. Virgem, como foi revelado a S. Maria Madalena de Pazzi, que se distribui às almas o amor divino; peçamos-lhe nos proporcione esse dom precioso. O sábio Idiota nos assegura que Ela é o “tesouro de Deus e a tesoureira de todas as graças”, e principalmente do divino amor.
Afetos e Súplicas.
Meu sumo Deus e Redentor, eu estava perdido e vós me resgatastes do inferno com o vosso sangue; mas depois eu me perdi miseravelmente e muitas vezes, e sempre me subtraístes à morte eterna. Eu sou vosso, salvai-me. Já que agora sou vosso, como espero, não permitais me suceda ainda revoltar-me contra vós e perder-me. Estou resolvido a sofrer a morte, e mil mortes, antes que ver-me de novo vosso inimigo e escravo do demônio. Mas conheceis minha fraqueza e as minhas infidelidades passadas: vós haveis de fazer-me invencível aos assaltos do inferno. Sei que nas tentações serei por vós socorrido, sempre que vos invocar; esse é a vossa promessa: Pedi e recebereis. Quem pede, recebe. Mas resta-me um temor: temo que nas minhas necessidades eu deixe de recorrer a vós: isso seria a minha ruína. Eis a graça que vos peço antes de tudo: a força de recorrera vós e de implorar a vossa proteção todas as vezes que eu for tentado; peço-vos ainda o auxílio para vos pedir sempre essa graça; concedei-ma pelos méritos do vosso sangue.
E vós, ó Maria, obtende-me essa graça, eu vos conjuro pelo amor que tendes a Jesus Cristo.

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