8 de novembro de 2013

Frutos que produz a meditação de Jesus crucificado.

Sub umbra illius quem desideraveram sedi; et fructus eius dulcis gutturi meo — “Eu me sentei debaixo da sombra daquele a quem tanto tinha desejado; e o seu fruto é doce ao meu paladar” (Cant. 2, 3).

Sumário. Representemo-nos muitas vezes Jesus agonizante sobre a cruz; detenhamo-nos em contemplar algum tempo as suas dores e o afeto com que sofreu, e disso tiraremos copiosos frutos de vida eterna. Da cruz de Jesus parte uma aragem celeste que suavemente nos desliga das coisas terrenas e nos torna leves todos os nossos trabalhos; acenderá em nós um santo ardor para sofrer e morrer por amor daquele que quis padecer e morrer por nosso amor. É sobre o Calvário que se formaram e ainda se formam os santos.

I. Ó almas devotas, procuremos imitar a Esposa dos Cânticos sagrados, que se assentou debaixo da sombra daquele que era o único objeto dos seus desejos. Representemo-nos freqüentes vezes, especialmente nas sextas-feiras, Jesus moribundo sobre a cruz; ponhamo-nos a contemplar algum tempo com ternura as suas dores e o afeto que nos teve; e então bem poderemos dizer: E o seu fruto é doce ao meu paladar. É sobre o Calvário e pela contemplação de Jesus crucificado que se formaram em todos os tempos e ainda hoje se formam os santos.

No meio do tumulto deste mundo, das tentações do inferno e dos temores dos juízos divinos, oh! Quão doce repouso acham as almas amantes de Deus, ao contemplarem, a sós e em silêncio, o nosso amantíssimo Redentor, quando está em agonia ou derrama o seu divino sangue gota a gota, por todos os membros feridos e dilacerados pelos açoites, pelos espinhos e pelos cravos. Ah! Quão doces frutos ali colhem e que progressos tão rápidos fazem então no caminho da perfeição! — Sim, porque à vista de Jesus Cristo esvaecem-se do nosso espírito todos os desejos de grandezas mundanas, de riquezas terrestres, de prazeres dos sentidos! Sopra da Cruz uma aura celestial, que nos desprende docemente de todas as coisas da terra e nos faz reputar leves todos os nossos sofrimentos; mais: acende em nós um santo desejo de sofrer e morrer por amor daquele que tanto quis sofrer e morrer por nosso amor. Pelo que dizia São Francisco de Sales: “Fixai Jesus crucificado em vosso coração, e todas as cruzes e espinhos deste mundo se vos afigurarão como rosas.”

Ó meu Jesus, se Jesus Cristo não fosse, como deveras é, o Filho de Deus e Deus verdadeiro, o nosso Criador e soberano Senhor, mas tão somente um homem qualquer, quem não sentiria compaixão à vista de um jovem nobre, inocente e santo que morre sobre um patíbulo infame à força de tormentos, não para expiar os seus delitos próprios, mas para expiar os dos seus inimigos, a fim de os livrar da morte que lhes era devida? Como é, pois, que não há de atrair o afeto de todos os corações um Deus que por amor de suas criaturas morre num mar de desprezos e de dores? Como é que as criaturas hão de amar alguma coisa que não seja Deus, e pensar em outra coisa senão em serem gratas a seu tão amoroso benfeitor?

II. Oh, si scires mysterium Crucis! Quando o tirano quis induzir Santo André a renegar Jesus Cristo, por ser este crucificado como um criminoso, respondeu-lhe o Santo: “Ó tirano, se soubesses o amor que te mostrou Jesus Cristo, morrendo sobre a cruz para satisfazer por teus pecados e obter-te uma felicidade eterna, de certo não te esforçarias por m´O fazeres renegar; antes tu mesmo havias de abandonar tudo o que possuis e esperas sobre a terra, a fim de agradares e contentares a um Deus que tanto te amou.”

É isso o que tem feito santos e tantos mártires que abandonaram tudo por Jesus Cristo. Oh, que vergonha para nós! Quantas tenras virgenzinhas renunciaram às alianças com os grandes, às riquezas dos palácios, e a todos os gozos terrestres, e de boa mente sacrificaram a vida, a fim de retribuírem de alguma maneira, com o seu afeto, o amor que lhes mostrou o seu Deus crucificado! D´onde vem, pois, que tantos cristãos ficam insensíveis à Paixão de Jesus Cristo? É porque pouco consideram no muito que Jesus Cristo padeceu por nosso amor.

Ah, meu Redentor, eu também fui um desses ingratos! Com a lembrança dos meus pecados, o demônio quisera representar-me a salvação como por demais difícil; mas, meu Jesus, a vista do Crucifixo assegura-me que não me repelireis de diante da vossa face, se eu me arrependo de Vos ter ofendido e Vos quero amar. Sim, arrependo-me e quero amar-Vos de todo o meu coração. Detesto os malditos prazeres que me fizeram perder a vossa graça. — Amo-Vos, ó Bem infinitamente amável, e sempre Vos quero amar. A lembrança dos meus pecados servir-me-á tão somente para me abrasar mais no vosso amor, visto que viestes atrás de mim, quando eu fugia de Vós. Não, não quero mais separar-me de Vós, nem deixar de Vos amar, ó meu Jesus. — Ó refúgio dos pecadores, Maria, vós, que tão grande parte tivestes nas dores de vosso Filho, quando ia morrer, rogai a Jesus que me perdoe e me conceda a graça de o amar. (I 648.)

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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 274- 277.)

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