19 de novembro de 2013

Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo - Parte 1 - Meditação 3

CONSIDERAÇÃO III.

O VERBO ETERNO DE SENHOR SE FEZ SERVO.

Semetipsum exinanivit, formam servi accipiens.
Aniquilou-se tomando a forma de servo. (Fl 2,7)

S. Zacarias, considerado a grande misericórdia de nosso Deus na obra da redenção dos homens, teve razão de exclamar: Bendito seja o Senhor, o Deus de Israel, de visitar seu povo e de resgatá-lo... a fim que, livres de todo o temor e libertados da mão de nossos inimigos, pudéssemos servi-lo... Sim, bendito seja para sempre o Senhor nosso Deus, que se dignou descer à terra e fazer-se homem para resgatar os homens; a fim que livres das cadeias do pecado e da morte, pelas quais os inimigos nos conservavam presos, pudéssemos sem temor e na liberdade dos filhos de Deus, servir e amar o Senhor nesta vida, para depois irmos possuí-lo e gozar eternamente de sua presença no reino bem-aventurado, fechado aos homens até esse dia, mas aberto enfim por nosso Salvador.
Todos nós éramos então escravos do inferno. Mas que fez o Verbo eterno, nosso soberano Senhor, para libertar-nos dessa horrível escravidão? De senhor se fez servo. — Consideremos a grande misericórdia e o amor imenso que Deus nos testemunhou com esse prodigioso benefício; mas antes peçamos a Jesus e Maria que nos iluminem.
I.
Deus é o senhor de tudo o que existe e pode existir no universo. Quem poderia contestar a Deus o soberano domínio sobre todas as coisas, sendo ele o criador e conservador de tudo? No seu vestido, à ilharga, trás escrito: Rei dos reis e Se-nhor dos senhores, diz S. João (Ap 19,16). Sua realeza não está somente escrita no seu vestido mas também à sua ilharga, o que quer dizer, segundo Maldonado, que Ele é rei por natureza. Os monarcas da terra tem uma autoridade e uma majestade emprestada, de que os revestiu, por mero favor, o Rei supremo que é Deus; mas Deus sendo Rei por natureza não pode deixar de ser Rei e Senhor do universo.
Ora, esse Monarca supremo reinava sobre os anjos do céu e sobre todas as criaturas, mas não reinava sobre os corações dos homens. Os homens gemiam miseravelmente sob a escra-vidão do demônio. Sim, antes da vinda de Jesus Cristo esse tirano infernal fazia os homens prestarem-lhe honras divinas. Ofereciam-lhe incenso e sacrifícios, e não contentes de lhe imolarem animais, chegavam a sacrificar-lhe os seus próprios filhos e a sua vida. E que lhes dava em retorno esse inimigo cruel? como os tratava? Atormentava-lhes o corpo com extrema barbárie, cegava-lhes o espírito, conduzia-os por um caminho de dor à morte eterna.
O Verbo divino desceu à terra para abater esse tirano, e para livrar os homens da infeliz escravidão em que se achavam, a fim de que, saindo das trevas da morte, e sacudindo o jugo odioso que carregavam, pudessem conhecer o verdadeiro caminho da salvação e dedicar-se ao serviço de seu verdadeiro e legítimo Senhor, que os amava como pai, e que, de escravos de Lúcifer, queria fazê-los seus filhos diletos: A fim de que libertados de todo o temor e arrancados das mãos de nossos inimigos sirvamos ao Senhor.
Isaías predissera que nosso divino Redentor destruiria o império que o demônio exercia sobre os homens: Quebrastes o cetro de seu exator (Is 9,4). Por que o profeta chama de exator ao demônio? Porque, diz S. Cirilo, esse bárbaro senhor costuma exigir dos pobres pecadores, que são seus escravos, enormes tributos de paixões desregradas, ódios e afeições más, que formam outras tantas cadeias de que se serve para os prender com mais força a seu jugo e para os flagelar. Nosso Senhor veio pois à terra para arrancar-nos das mãos desse cruel inimigo. Mas como? Que meio empregou para nos liber-tar? Ei-lo, responde S. Paulo: Existindo na forma (ou natureza) de Deus, não julgou que fosse uma rapina o ser igual a Deus; mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, tornando-se semelhante aos homens (Fl 2,6-7). Era o Unigênito de Deus, igual a seu Pai, eterno como seu Pai, todo-poderoso como seu Pai, imenso, infinitamente sábio e feliz, soberano senhor do céu e da terra, dos anjos e dos homens como seu Pai. Todavia por amor do homem humilhou-se ao ponto de to-mar a forma de servo, revestiu-se da carne humana, e tornou-se semelhante aos homens. E como estes por seus pecados se tornaram escravos do demônio, tomou a natureza humana para os resgatar satisfazendo com suas dores e sua morte à justiça divina e tomando assim a pena que os homens mereciam. — Ah! se a fé nos não desse a certeza disso, quem poderia ja-mais esperar? quem o poderia sequer imaginar? Mas a fé nos ensina e nos garante que esse sumo e supremo Senhor se a-niquilou tomando a forma e a natureza de servo.
Uma vez revestido dessa humilde forma, o Redentor quis começar desde a infância a despojar o demônio do império que tinha sobre o homem, como o predissera Isaías com as palavras: Põe-lhe um nome que signifique: Toma depressa os despojos, faze velozmente a presa (Is 8,3). Era anunciar, observa S. Jerônimo, que Jesus Cristo ia pôr fim ao reino de Satanás. Assim para nos livrar da tirania do inferno, diz o venerável Be-da, Jesus declara-se servo logo ao nascer e como tal se porta. Quer ser inscrito entre os súditos de César e pagar o censo. No desejo de satisfazer desde então as nossas dívidas por seus sofrimentos, ei-lo, exclama S. Zenão, que toma se detença os sinais da escravidão: deixa-se enfaixar em paninhos que o pri-vam da liberdade e representam as cadeias de que um dia será carregado pelos algozes para ser conduzido à morte. Ei-lo de-pois que se submete e obedece toda a sua vida a uma humilde virgem, a um homem. Ei-lo mais tarde, como servo na pobre morada de Nazaré, empregado por Maria e José, ora a desbas-tar a madeira que José devia trabalhar, ora a recolher os frag-mentos para o fogo, ora a varrer a casa, a buscar água, a abrir ou a fechar a oficina. Como Maria e José eram pobres e obri-gados a viver de seu trabalho, nota S. Basílio, Jesus Cristo pa-ra exercer a obediência e demonstrar-lhes respeito, devido aos superiores, procurava tomar parte em suas fadigas na medida das forças dum menino da sua idade. Um Deus que serve! Um Deus que varre a casa! Um Deus que trabalha! Ah! um só des-ses pensamentos deveria bastar para nos inflamar e consumir de amor!
Quando Nosso Senhor se pôs a pregar o seu Evangelho, fez-se servo de todos, declarando que não viera para ser servi-do, mas para servir os outros (Mt 20,28). Segundo Cornélio a Lápide, isso equivale a dizer que Ele queria ser o servo de to-dos os homens.
E no fim de sua vida, ajunta S. Bernardo, “não contente de haver tomado a forma de servo e de haver obedecido como tal, quer ainda parecer servo mau e como tal ser castigado, a fim de pagar a pena devida aos pecados que nos tinham feito es-cravos do inferno.
E finalmente, diz S. Gregório de Nissa, “o Senhor do uni-verso, qual súdito que só sabe obedecer, submete-se à iníqua sentença de Pilatos, e entrega-se às mãos de bárbaros carrascos que o atormentam e crucificam”. E isso que S. Pedro ex-primiu com as palavras: Entregava-se àquele que o julgava in-justamente (1Pd 2,23); e de fato, acrescentou o mesmo apósto-lo, como um escravo que sofre sem resistência um castigo me-recido, não amaldiçoava quando o amaldiçoavam; sofrendo não ameaçava. assim, em seu inefável amor por nós, esse Deus quis obedecer como se não passasse dum simples servo; e essa obediência Ele a levou até à morte e até a uma morte cruel e infame: morreu na cruz. Ele obedeceu não como Deus, mas como homem, como servo, cuja forma e natureza tomara.
Sublime foi a caridade de S. Paulino que se fez escravo para resgatar o filho duma pobre viúva. Mas esse devotamento, que excitou a admiração do mundo, que é comparado ao nosso Redentor? Ele era Deus e, a fim de nos resgatar da escravidão, das mãos dos demônios e da morte que nos era devida, fez-se servo, deixou-se carregar de cadeias, deixou-se pregar na cruz, onde quis finalmente deixar a vida num oceano de humilhações e de sofrimentos! “Para que o servo se tornasse Senhor, diz S. Agostinho, Deus quis fazer-se servo”.
A Santa Igreja tem pois razão de exclamar: “Ó prodígio de misericórdia! ó inapreciável efeito do amor divino! para resga-tardes o escravo, entregastes o Filho!” Sim, ó Deus de majestade infinita, tanto amor tivestes ao homem, que para resgatar esses servos rebeldes, quisestes entregar à morte o vosso uni-gênito Filho! — Mas, Senhor, pergunta Jó, que é o homem, es-se ser tão desprezível, tão ingrato para convosco, par que o eleveis tão alto, e o honreis e o ameis (Jó 7,17) como o fizestes? Dizei-me, meu Deus, que vos importam a salvação e a felicidade do homem? Dizei-me: por que tanto o amais de sorte que o vosso coração parece não ter outra preocupação que de amá-lo e fazê-lo feliz?
II.
Regozijai-vos, pois, almas fiéis, que amais a Deus e que esperais nele; regozijai-vos. Se é grande o dano que nos veio do pecado de Adão e sobretudo dos nossos pecados, Jesus Cristo o compensou com usura resgatando-nos: Onde abundou o pecado, diz o apóstolo, superabundou a graça. “Pela graça de nosso Redentor, diz S. Leão, ganhamos mais do que per-demos pela malícia do demônio”. E Isaías havia predito que, por meio de Jesus Cristo, o homem receberia de Deus benefícios superiores aos castigos devidos aos seus pecados. Essa é a interpretação de Adão, citado por Cornélio a Lápide. Também Nosso Senhor disse: Eu vim proporcionar ao homem uma vida mais abundante e melhor do que aquela da qual o pecado o havia despojado. O dom de Deus excedeu o pecado (Rm 5,15), escreveu o apóstolo. Isto é: grande foi o pecado do homem; porém maior é o benefício da redenção, a qual, diz igualmente o Salmista, não é somente um remédio suficiente, mas ainda superabundante. O sacrifício da vida do Homem-Deus excede imensamente todas as dívidas dos pecadores, como se exprime S. Anselmo. Eis porque a Santa Igreja chama feliz a culpa de Adão: Feliz culpa que nos valeu um tal e tão grande Redentor! É verdade que o pecado obscureceu nosso espírito relativamente ao conhecimento das verdades eternas, e introduziu em nossa alma a concupiscência, essa tendência para os bens sensíveis e proibidos pela lei de Deus. Mas, devido aos méritos de Jesus Cristo, que poderosos meios temos para adquirir as luzes e as forças de que temos necessidade a fim de vencer todos os nossos inimigos e praticar todas as virtudes! Os sacramentos, o sacrifício da missa, a oração apoiada nos méritos do divino Salvador, oh! que armas para triunfar de todas as ten-tações! Que força podemos tirar delas para correr, para voar no caminho da perfeição! É certo que com esses mesmos meios que são dados a todos nós, se santificaram todos os Santos da nova lei. A culpa é pois nossa se deles não tirarmos proveito.
E quantas ações de graças não devemos dar a Deus por nos ter feito nascer depois da vinda do Messias! Que acréscimo de bens não temos recebido vindo ao mundo após a redenção operada por Jesus Cristo! Abraão, os patriarcas e os profetas quanto não desejaram ver aparecer o Redentor que esperavam! E eles não o viram! Violentaram, por assim dizer, o céu com seus suspiros e súplicas: Ó céus, exclamavam, deixai cair o vosso orvalho e enviai-nos o Justo (Is 45,8), para aplacar a cólera de Deus, que nós não podemos aplacar, nós que somos pecadores. Senhor, enviai-nos o Cordeiro dominador da terra (Is 16,1), o Cordeiro sem mancha que, imolando-se, satisfará por nós a vossa justiça, e assim reinará sobre os corações dos homens, que vivem miseravelmente sob a escravidão do demônio. Senhor, mostrai-nos a vossa misericórdia, e dai-nos o Salvador que prometestes (Sl 84,8). Apressai-vos, ó Deus de bondade! apressai-vos a fazer brilhar sobre nós a vossa misericórdia, concedendo-nos o objeto principal de vossas promessas, Aquele que nos deve salvar.
Esses eram os gritos e os suspiros dos Santos antes da vinda do Messias, e apesar disso foram privados, durante o espaço de quatro mil anos, da felicidade de o ver nascer. Nós, sim, tivemos essa ventura. Mas que fazemos? Como sabemos tirar proveito? Ah! saibamos amar esse amável Redentor, ago-ra que Ele já veio, nos livrou das mãos de nossos inimigos, nos resgatou a custo de sua vida da morte eterna que temos merecido, nos abriu o céu, nos deu tantos sacramentos e tantos outros meios para o servirmos e amarmos em paz nesta vida, e para depois o possuirmos na eternidade! “Ó minha alma, diz S. Ambrósio, serias muito ingrata se não amasses a teu Deus que quis ser envolvido em paninhos para ter livrar das cadeias do inferno, que se fez pobre para te comunicar suas riquezas, que se tornou fraco para te fortalecer contra teus inimigos, que quis sofrer e chorar para lavar teus pecados com sus lágrimas!”
Mas, ó Deus, quão poucos foram os que, tocados de reconhecimento por tanto amor, tem amado fielmente seu Redentor! Que digo? Após tanta misericórdia e amor, a maior parte dos homens tem ousado dizer a Deus: Senhor, não vos queremos servir; queremos antes ser escravos do demônio e conde-nados ao inferno do que ser vossos servos. — É o Senhor mesmo que lhes exprobra essa ingratidão e esses ultrajes: Rompestes os meus laços e dissestes: Não vos serviremos (Jr 2,20).
Que dizes, meu irmão, qual tem sido a tua conduta? Não és do número desses infelizes? Mas, dize-me: vivendo longe de Deus e sob o jugo do demônio, tens estado contente? Tens achado a paz? Ah! não pode falhar a palavra do Senhor: Por-que não serviste ao Senhor teu Deus com gosto, servirás a teu inimigo na fome, na sede, na nudez e numa extrema miséria (Dt 28,47). Vê pois como te tem tratado esse tirano cujo jugo preferiste ao de teu Deus. Ele te fez gemer nas cadeias da escravidão, na pobreza, na aflição, na privação de toda a consolação interior.
Mas levanta-te, fala-te Deus, agora que ainda é possível desfazer-te dessas cadeias de morte que te prendem. Desata as cadeias do teu pescoço, cativa, filha de Sião (Is 52,2). De-pressa enquanto é tempo, rompe teus laços, pobre alma, que voluntariamente te tornaste escrava do inferno; quebra esses horríveis nós que te retém para arrastar-te ao suplício eterno, e vem a mim; deixa-te prender por minhas preciosas cadeias, que são cadeias de amor, cadeias de paz, cadeias de salvação (Eclo 6,31).
Mas de que modo se ligam as almas a Deus? Pelo amor, que o apóstolo chama vínculo perfeito (Cl 3,14). Enquanto a alma se contenta com andar pelo caminho do temor servil e só se abstém do pecado por medo dos castigos, está sempre em grande perigo de recair. Mas quem se prende a Deus pelo a-mor, está certo de que o não perder jamais enquanto não cessar de amá-lo. Eis por que é preciso pedir sem cessar a Deus o dom de seu santo amor e repetir continuamente esta prece: Senhor, conservai-me preso a vós; não permitais me separe jamais de vós e do vosso amor. Quanto ao temor, o que deve-mos mais desejar e pedir a Deus, é o temor filial, o de desgos-tar o nosso bom Senhor e Pai.
Recorramos também a nossa Mãe. Peçamos sempre à SS. Virgem Maria nos obtenha a graça de amarmos só a Deus, e de nos prender de tal forma a seu divino Filho pelos laços do amor, que o pecado nos não possa mais separar dele.
Afetos e Súplicas.
Ó meu Jesus, no vosso amor por mim e a fim de me livrar das cadeias do inferno quisestes fazer-vos servo, não só de vosso Pai eterno, mas ainda dos homens, e mesmo dos algozes, e levastes a obediência até ao sacrifício de vossa vida; e eu, por qualquer miserável satisfação, por um prazer envenenado, quantas vezes tenho sacudido o jugo do vosso serviço e me tenho tornado escravo do demônio! Maldigo mil vezes esses momentos funestos em que abusei de minha liberdade ao ponto de desprezar a vossa graça, ó Majestade infinita! Perdoai-me, vo-lo peço, e ligai-me com as doces cadeias do amor, com que vos conservais estreitamente unidas as almas que vos são mais caras. Amo-vos, Verbo encarnado, amo-vos, meu soberano Bem. Não desejo senão amar-vos, e não temo outra coisa que ver-me privado do vosso amor. Ah! não permitais me separe mais de vós. Eu vos conjuro, meu Jesus, por todos os sofrimentos de vossa vida e de vossa morte, não permitais que me afaste de vós no futuro. Não permitais que me separe ja-mais de vós; não permitais que me separe jamais de vós. Ah! meu Deus, após todas as graças que me tendes prodigalizado, depois de me terdes perdoado tantas vezes, após as luzes que me concedeis neste momento em que me convidais tão docemente a amar-vos, se fosse ainda tão infeliz de vos dar as costas, como poderia ainda esperar o perdão, e não temer ser neste mesmo instante precipitado ao fundo do inferno pela mão da vossa justiça? Ah! repito-o, não permitais, não consintais que de novo me separe de vós.
Ó Maria, meu refúgio, tendes sido para mim até agora a feliz Mediadora junto de Deus; fizestes que Ele me esperasse tanto tempo e me perdoasse com tanta misericórdia! continuai a socorrer-me: fazei que eu morra, e que morra mil vezes antes que perca ainda uma vez a graça de Deus.

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