[Sermão] O fariseu, o publicano e a humildade, fundamento da vida espiritual
Sermão para o 10º Domingo Depois de Pentecostes
17.08.2014 – Diácono Pedro Henrique Gubitoso, IBP.
Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Reverendo padre Daniel, caro confrade seminarista, caríssimos fiéis,
Um católico que acreditasse estar isento de todo pecado estaria redondamente enganado. Todo homem é pecador, “todo homem é mentiroso” diz o Salmo (s. 116). “ O justo peca sete vezes ao dia” diz o livro dos Provérbios (Pv 24,16). “Não há homem que não peque” diz o Eclesiastes (Ecle 7,21). “Aquele que diz que não tem pecado, faz Deus mentiroso” diz São João (1 Jo 1, 10). Todo homem precisa de Deus, da ajuda de Deus. O pré-requisito básico para qualquer vida espiritual sólida é reconhecer que somos pecadores e que precisamos de Deus, em outras palavras: é preciso ser humilde.
Para ilustrar esse propósito, Nosso Senhor nos apresenta a parábola do fariseu e do publicano, em que figuram duas pessoas e duas atitudes completamente opostas.
“Dois homens subiram ao templo para orar : um fariseu e um publicano”.
Quem eram os fariseus e os publicanos? Os fariseus eram membros de uma seita formada no século segundo antes de Cristo. Eles se caracterizavam pelo cumprimento escrupuloso e minucioso de toda a lei escrita que Moisés tinha deixado. Nosso Senhor muitas vezes no evangelho condenou a hipocrisia dos fariseus que cumpriam rigorosamente a lei exterior mas que não tinham boas disposições no interior de suas almas; ele os chama de “sepulcros caiados” (Mt 23, 27) pois por fora parecem formosos mas por dentro estão repletos de imundície. Muitas vezes, eram também escrupulosos com o pouco (imposto das ervas, entre outras prescrições da lei) ou inventam tradições próprias enquanto negligenciavam o mais importante (ajuda aos pais, por exemplo). Os publicanos, por outro lado, eram uma classe extremamente odiada e desprezada entre os judeus, por dois motivos: primeiro, porque eram cobradores de impostos contratados pelos romanos, ou seja, judeus que recolhiam dinheiro de outros judeus colaborando assim com o poder estrangeiro que dominava naquele momento a Palestina; segundo, porque numa tal função acabavam frequentemente se envolvendo com corrupção, cobrando impostos mais caros do que deveriam. O publicano Zaqueu, por exemplo, havia confessado a Nosso Senhor ter defraudado muitos bens. Outro publicano que conhecemos é Levi, futuro apóstolo São Mateus. Enfim, Nosso Senhor nesta parábola toma como exemplo dois personagens diametralmente opostos. Ele põe frente a frente o orgulho do fariseu e a humildade do publicano.
“O fariseu, de pé, orava no seu interior desta forma: Graças te dou, ó Deus, porque não sou como os outros homens: ladrões, injustos, adúlteros; nem, por exemplo, como este publicano. Jejuo duas vezes na semana, e pago o dízimo de tudo o que possuo.”
O fariseu não pede nada a Deus, somente agradece por todas as virtudes com as quais está ornado. Falta-lhe o essencial da oração: o pedido. Ele está completamente seguro e confiante em seus méritos, está ali como se exigisse um juízo divino, uma certificado de qualidade carimbado por Deus. Ele está de pé, no primeiro lugar da sinagoga, próximo ao altar. Seus olhos estavam fixados no céu quase como se o já tivesse conquistado. O fariseu passa o tempo de sua oração louvando suas próprias virtudes, ele não pensa em Deus mas somente em si mesmo e nas suas obras. Pior ainda, depois de tanto exaltar-se ele ainda por cima despreza o publicano ali presente.
“O publicano, porém, conservando-se a distância, nem sequer se atrevia a levantar os olhos ao céu; o que fazia era bater no peito, dizendo: Meu Deus, tende piedade de mim, que sou pecador!”
O publicano treme, teme e confessa que é pecador. Ele se conserva à distância, não se atreve a levantar os olhos aos céus. Santo Agostinho explica que o publicano não se atrevia a olhar pois esperava que Deus olhasse primeiro para ele. Enquanto que o fariseu atribuía a si todo o bem que tinha feito, o publicano se reconhecia como autor exclusivo de seus pecados. Sua oração é simples, mas perfeita e fervorosa : “Meu Deus, tende piedade de mim que sou pecador”. Assim devem ser nossas disposições quando vamos rezar ou nos confessar. Por maiores que sejam nossos pecados, devemos ter absoluta confiança na misericórdia divina. Deus ama nos perdoar, pois, como nos diz a colecta da missa de hoje, é perdoando e exercendo sua misericórdia que Deus manifesta maximamente a sua onipotência. O que Deus pede acima de tudo é um coração contrito.
“Afirmo-vos que foi este que voltou justificado para sua casa, e não o outro: Porque quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado.”
São Bernardo diz: “O fariseu, que acreditava estar pleno, saiu vazio. O publicano, que se apresentou vazio pela absoluta indigência, foi repleto de misericórdia e de graça”. O fariseu, apesar de todas as obras que tinha realizado, saiu do templo pior do que quando entrou, não voltou justificado para a casa. Já o publicano, graças ao seu espírito de penitência e de humildade sai do templo completamente justificado. O que devemos aprender com esta parábola é que a humildade é um dos fundamentos da vida espiritual. São Tomás explica que há dois fundamentos da vida espiritual: a Fé e a humildade. A virtude de Fé é um fundamento positivo enquanto a humildade é um fundamento negativo. O que isto quer dizer? Se comparássemos a nossa vida da graça à construção de um prédio, a Fé seria o alicerce desse prédio pois é pela adesão às verdades reveladas que se começa qualquer vida cristã. Entretanto, a humildade é também fundamento da vida espiritual, mas num outro sentido, isto é, enquanto remove os primeiros obstáculos à perfeição cristã. Não é possível construir sobre um terreno cheio de destroços. A humildade, sendo uma virtude que modera o apetite desordenado da própria excelência, nos permite de limpar o terreno de nossa alma para que Deus possa começar em nós a sua obra de santificação. Enquanto nossa alma está repleta de amor-próprio como a alma do fariseu, é impossível progredir na vida espiritual pois neste caso a alma está muito cheia dela mesma e não há espaço para Deus.
Portanto, após ter recebido a Fé pelo batismo, o primeiro passo na busca da perfeiçã cristã é reconhecer nossa dupla pequenez: somos criaturas e ainda por cima pecadores. Em seguida, devemos reconhecer que tudo aquilo que temos de bom procede de graça de Deus. “Que tens tu que não tenhas recebido?” nos diz São Paulo (2Cor 4, 7). É precisamente por esta razão que as virtudes heróicas de alguns santos não somente podem, mas devem coexistir com a humildade; por mais que sejam perfeitos sempre reconhecerão que a santidade vem de Deus. A humildade, segundo a definição de Santa Teresa d’Avila, consiste em “caminhar na verdade”. Reconhecer o bem e o mal onde estão. Por mais que sejamos bons e pratiquemos a virtude devemos sempre ter em mente que estes bens nos vêm de Deus; exatamente como o faz Nossa Senhora no Magnificat: “Fecit mihi magna qui potens est”, isto é : “Aquele que é poderoso fez em mim grandes coisas”. Uma vez reconhecida por nós mesmos a nossa fraqueza e a nossa indigência diante de Deus, aí sim se abrem diante de nós os caminhos para progredirmos no exercício das outras virtudes.
Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.
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