11 de agosto de 2014

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo - 36ª Parte

CAPÍTULO VI

Reflexões sobre os prodígios havidos na morte de Jesus Cristo

As trevas.

1. Conta-se que S. Dionísio Areopagita, estando em Heliópolis, no Egito, exclamou na hora da morte de Jesus: “Ou o autor da natureza, Deus, está sofrendo ou então é a máquina do mundo que se desfaz” (Corn. a Lápide in Mt c. 27 v. 45). Miguel Sincelo e Suida escrevem ter o santo dito: “O Deus desconhecido padece em seu corpo e por isso o universo se cobre de trevas”. Eusébio escreve que, segundo Plutarco, na ilha de Praxas se ouviu uma voz que dizia: “Morreu o grande Pan” e em seguida o grito de muitos que choravam. Eusébio interpretou a palavra Pan por Lúcifer, que pela morte de Cristo ficou como que morto, vendo-se despojado do império que tinha sobre os homens. Barradas, porém, a entende pela pessoa de Cristo, visto que em grego a palavra Pan significa o todo, que é o próprio Jesus Cristo, Filho de Deus e Deus verdadeiro: o todo, isto é, a plenitude de todos os bens. O que sabemos do Evangelho é que no dia da morte do Salvador, à hora sexta, até à nona, a terra cobriu-se de trevas (Mt 27,45). E no momento em que Jesus expirou, partiu-se pelo meio o véu do templo e sobreveio um terremoto universal que fendeu muitos rochedos (Mt 27,51).

Falando das trevas, nota S. Jerônimo que essa escuridão foi predita pelo profeta Amós nos seguintes termos: “E naquele dia acontecerá isto, diz o Senhor Deus: o sol se porá ao meio-dia e farei cobrir a terra de trevas no dia da luz” (Am 8,9). O mesmo S. Jerônimo comentou este texto, dizendo que então pareceu ter o sol retirado a sua luz para que os ímpios não se utilizassem dela. O sol retraiu os seus raios, não ousando contemplar o Senhor pendente da cruz, ajunta o santo. Mais acertadamente, porém, escreve S. Leão que nessa ocasião todas as criaturas demonstraram a seu modo a sua dor na morte de seu comum Criador (Serm. de pass.). É o mesmo o pensamento de Tertuliano, que, falando em particular das trevas, diz que o universo com aquela escuridão queria celebrar como que as exéquias de nosso Redentor (De jejun. c. 3).

2. S. Atanásio, S. Crisóstomo, S. Tomas notam que essa escuridão foi prodigiosa, já que naquele dia não podia haver eclipse pela interposição da lua entre a terra e o sol, visto ser possível um eclipse no novilúnio e não no plenilúnio, como era aquele dia, segundo os astrônomos. Além disso, sendo o sol muito maior que a lua, não podia esta tapar por completo a luz do sol, pois, segundo o Evangelho, as trevas se estenderam sobre o universo inteiro. E mesmo que fosse possível a lua encobrir a luz do sol, sabemos que o curso da lua é mui rápido, de maneira que a escuridão só duraria alguns minutos. Ora, o Evangelho afirma que a escuridão durou três horas da sexta à nona hora. Este prodígio das trevas apresenta Tertuliano na sua apologia (c. 21) aos gentios, dizendo-lhes que em seus próprios arquivos estava consignado esse acontecimento do ofuscamento do sol. Eusébio, em confirmação disso, refere na sua Crônica 1.2) as palavras do gentio Flegonte, que escreve o seguinte: “No quarto ano da 202.ª Olimpíada deu-se a ofuscação do sol, a maior de todas até então conhecidas, e fez-se noite na sexta hora do dia, podendo-se então ver as estrelas no firmamento”.

Fim do Antigo Testamento.

1. Diz ainda o Evangelho de S. Mateus: “Eis que o véu do templo se rasgou de alto a baixo em duas partes” (Mt 27,51). O Apóstolo escreve que havia uma cortina tanto no tabernáculo como no templo, onde estava o santo dos santos com a arca do testamento, que continha o maná, a vara de Aarão, as tábuas da lei, e esta parte era o propiciatório. No primeiro tabernáculo, que estava diante do Santo dos santos, oculto pelo primeiro véu ou cortina, entravam somente os sacerdotes para os seus sacrifícios. O sacerdote que aí sacrificava, mergulhando o dedo no sangue da vítima oferecida, com ele aspergia sete vezes a cortina. No segundo tabernáculo do Santo dos santos, que estava sempre fechado e oculto com o segundo véu, entrava
somente o sumo sacerdote e uma só vez no ano, levando o sangue da vítima, que oferecia por si mesmo. Tudo era mistério: o santuário sempre fechado significava a exclusão dos homens da graça divina, que não receberiam mais senão por meio do grande sacrifício que Jesus Cristo deveria um dia oferecer pessoalmente, já figurado por todos os sacrifícios antigos e por isso chamado por S. Paulo pontífice dos bens futuros. Este, por um tabernáculo mais perfeito, a saber, seu corpo sacrossanto, deveria entrar no Santo dos santos da presença divina, como mediador entre Deus e os homens, oferecendo o sangue não já dos touros e bodes, mas o seu próprio sangue, com o qual deveria consumar a obra da redenção humana e assim abriu-nos o ingresso no céu.

2. Ouçamos, porém, as próprias palavras do Apóstolo: “Mas Cristo, estando já presente, pontífice dos bens vindouros, por outro mais perfeito e excelente tabernáculo, não feito por mão de homem, isto é, não desta criação, nem pelo sangue de bodes ou de bezerros, mas pelo seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo achado uma redenção eterna” (Hb 9,11). Aí se diz: pontífice dos bens vindouros, para distinção dos pontífices de Aarão, que impetravam bens presentes e terrenos. Jesus Cristo havia de obter-nos bens futuros que são os celestes e eternos. Diz-se: por outro mais perfeito e excelente tabernáculo, que foi a santa humanidade do Salvador, tabernáculo do Verbo divino; não feito por mão de homem, porque o corpo de Jesus não foi formado por obra do homem, mas do Espírito Santo. Diz-se: nem pelo sangue de bodes ou de bezerros, mas por seu próprio sangue, porque o sangue de bodes e dos touros obtinha somente a purificação de carne, enquanto que o sangue de Jesus obtém a purificação da alma com a remissão dos pecados. Diz-se: entrou uma vez no santuário, havendo achado uma redenção eterna. Esta palavra achou significa que tal redenção não podia ser por nós nem pretendida nem esperada antes das promessas divinas, sendo unicamente um invento da bondade de Deus. Diz-se: eterna, porque o sumo sacerdote dos hebreus só uma vez no ano entrava no santuário; Jesus Cristo, consumando uma só vez o sacrifício com sua morte, mereceu-nos uma redenção eterna, que será suficiente para sempre para expiar todos os nossos pecados, conforme escreve o mesmo Apóstolo: “Com uma só oferenda fez perfeitos para sempre os que tem santificado” (Hb 10,14).

Novo Testamento.

1. E o Apóstolo ajunta: “E por isso é o mediador do Novo Testamento” (Hb 9,15). Moisés foi o mediador do Antigo Testamento, isto é, da antiga aliança, a qual não tinha o poder de obter aos homens a reconciliação com Deus e a salvação, pois, como explica S. Paulo em outro lugar, “a antiga lei nenhuma coisa levou à perfeição” (Hb 7,19). Jesus Cristo, porém, na nova aliança satisfazendo plenamente a justiça divina pelos pecados dos homens, obteve-lhes o perdão por seus merecimentos, assim como a graça divina. Os judeus achavam ser uma ofensa pensar que o Messias, por uma morte tão vergonhosa, haveria de operar a redenção dos homens, afirmando ser declaração da lei que o Messias não devia morrer, antes viver sempre: “Ouvimos da lei que o Cristo permanece para sempre” (Jo 12,34). Erravam, porém, porque a morte foi o meio pelo qual Jesus se tornou mediador e Salvador dos homens, pois que, pela morte de Jesus, foi feita a promessa da herança eterna aos que são a ela predestinados. “E por isso é mediador de um Novo Testamento, para que, intervindo a morte para expiação daquelas prevaricações que havia debaixo do primeiro testamento, recebam a promessa de herança eterna os que têm sido chamados” (Hb 9,15). S. Paulo, por essa razão, nos anima a colocar todas as nossas esperanças nos merecimentos da morte de Jesus Cristo: “Portanto, irmãos, tende confiança de entrar no santuário pelo sangue de Cristo, seguindo este caminho novo e de vida que nos consagrou primeiro pelo véu, isto é, pela sua carne” (Hb 10,1920).
Nós temos um forte motivo de esperar a vida eterna pelo sangue de Jesus, que nos abriu caminho para o paraíso. Chama-se novo porque não fora trilhado por nenhum outro, mas Jesus, trilhando-o, no-lo abriu por meio de sua carne sacrificada na cruz, da qual o véu foi figura. S. Crisóstomo escreve que, assim como pela ruptura do véu, na paixão do Senhor, ficou aberto o Santo dos santos, do mesmo modo a carne de Jesus dilacerada na paixão abriu-nos o céu que nos estava fechado. E assim exorta-nos o mesmo Apóstolo a nos aproximar-mos com confiança do trono da graça para receber misericórdia divina: “Cheguemo-nos, pois, confiadamente ao trono da graça, a fim de alcançar misericórdia e de achar graça em tempo oportuno” (Hb 4,16). Este trono de graça é justamente Jesus Cristo, em quem, se recorrermos nós, míseros pecadores, no meio de tantos perigos de perdição em que nos achamos, encontraremos aquela misericórdia que não merecíamos.

2. Voltemos ao texto citado de S. Mateus: “Jesus, porém, dando novamente um grande brado, entregou o seu espírito e eis que o véu do templo se rasgou de alto a baixo em duas partes”. Ora, essa ruptura completa de alto a baixo, havida no momento da morte de Jesus e conhecida de todos os sacerdotes e do povo, não podia se ter dado sem um prodígio sobrenatural, já que o véu não poderia rasgar-se de alto a baixo apenas pelo terremoto. Isso aconteceu para significar que Deus não queria mais esse santuário fechado ordenado pela lei, mas que doravante ele mesmo queria ser santuário aberto a todos, por meio de Jesus Cristo. Escreve S. Leão (Serm. 10 depas. c. 5) que o Senhor, com tal ruptura, demonstrou claramente que tinha findado o antigo sacerdócio e começava o sacerdócio eterno de Jesus Cristo e que estavam abolidos os sacrifícios antigos e estabelecida numa nova lei, conforme o dito de S. Paulo: “Pois, mudado, que seja o sacerdócio, é necessário que se faça também mudança da lei” (Hb 7,12).
Com isso ficamos cientificados de que Jesus Cristo é o fundador tanto da primeira como da segunda lei e que a lei antiga, o sacerdócio, os antigos sacrifícios não tinham em vista senão o sacrifício da cruz, que devia operar a redenção humana. Assim, tudo o que era escuro e misterioso na primeira lei, nos sacrifícios, nas festas e nas promessas, tornou-se claro na morte de Jesus. Em suma, diz Eutímio que o véu rasgado significava ter sido destruído o muro que separava o céu da terra, e que estava aberta e desimpedida para os homens a estrada para o céu. (In. Mat. c. 67).

Terremoto e ressurreição dos mortos.

1. Continua o Evangelho: “E a terra tremeu e as pedras se partiram” (Mt 27,51). É tradição que na morte de Jesus Cristo houve um grande terremoto universal que abalou todo o globo mundial segundo Blósio (Lib. 7 c. 4). Dídimo escreve que a terra foi sacudida até ao seu centro (Fragom. in Job c. 9). Orígenes e Eusébio (Chron. 1. 2) citam Flegonte, segundo o qual no ano 33 de Cristo houve um grande terremoto que causou grandes ruínas nos edifícios de Nicéia na Bitínia. Plínio, que viveu no tempo de Tibério, em cujo reinado morreu Jesus, e Suetônio atestam que na Ásia por essa ocasião foram destruídas 12 cidades por um grande terremoto (Lib. 3 c. 84 — In Tib. c. 48). Vêem nisso os eruditos o cumprimento da profecia de Ageu: “Ainda falta um pouco e eu comoverei o céu e a terra, o mar e todo o universo” (2,7). S. Paulino escreve que Jesus, mesmo pregado na cruz, para demonstrar quem ele era, aterrou o mundo universo (De ob. Celsi). Adricômio atesta que até hoje se vêem os sinais desse terremoto no monte Calvário, no lado esquerdo, havendo ali uma fenda de largura de um corpo humano e tão profunda que se não pode atingir o fundo (Descriptio Jerusal. n. 252). Barônio narra (An. 34 n. 107) que em muitos outros lugares fenderam-se os montes por esse terremoto. No promontório de Gaeta vê-se ainda hoje um rochedo do qual se diz que, na morte do Senhor, ele se abriu pelo meio de cima até em baixo e aparece claramente que a abertura foi prodigiosa, pois é tão grande que o mar a atravessa pelo meio e o que falta de um lado vê-se elevar-se perfeitamente correspondente no outro. A mesma coisa diz a tradição a respeito do monte Colombo, perto de Rieti, do Monteserrate na Espanha e de diversos outros montes abertos na Sardenha em redor da cidade de Gagliari. Mais admirável, porém, é o que se vê no monte Alverne, na Toscana, onde S. Francisco recebeu os sagrados estigmas, no qual se encontram enormes blocos de perda amontados uns sobre os outros. Diz-se que um anjo revelou a S. Francisco que foi aquele um dos montes que ruíram na morte de Jesus Cristo, como traz Wadding em seus Anais (An. Min. an. 1215 n .15). S. Ambrósio escreve: “Ó peitos dos judeus mais duros que os rochedos, rompem-se as pedras, mas esses corações permanecem duros” (Lib. 10 in Lc).

2. S. Mateus continua a descrever os prodígios ocorridos na morte de Cristo e diz: “E os monumentos se abriram e muitos corpos de santos, que tinham falecido, ressurgiram e, saindo de suas sepulturas depois de sua ressurreição, vieram à cidade santa e apareceram a muitos” (Mt 27,52). S. Ambrósio pergunta: “A abertura das sepulturas que outra coisa significa senão a ressurreição dos mortos, quebradas as portas da morte?” (Liv. 10 in Lc). S. Jerônimo, S. Beda , o venerável, e S. Tomás afirmam que apesar de se abrirem os sepulcros na morte de Jesus, contudo os mortos não ressurgiram senão depois da ressurreição do Senhor, e isto segundo o dito Apóstolo (Cl 1,18): “Ele é o princípio e o primogênito dentre os mortos, de maneira que tem a primazia em todas as coisas”. “Não era de fato conveniente que outro homem ressuscitasse antes dele, que tinha triunfado da morte.

Conversão do centurião.

1. Diz-se em S. Mateus que muitos santos ressurgiram e, saindo dos sepulcros, apareceram a muitos. Esses ressuscitados foram os justos que tinham crido e esperado em Jesus Cristo. Deus quis assim glorificá-los em prêmio de sua fé e confiança no futuro. Messias, segundo a profecia de Zacarias, na qual ele diz, referindo-se ao Messias futuro: “Tu também, pelo sangue de teu testamento, fizeste sair os teus presos do lago em que não há água” (Zc 9,11). Isto é: tu então, ó Messias, pelo merecimento de teu sangue, desceste ao cárcere e
libertaste os santos encarcerados naquele lago subterrâneo (o limbo dos padres, onde não existia a água da alegria) e os reconduziste à glória eterna.
S. Mateus continua que o centurião e os outros soldados, seus comandados, que foram os ministros da morte do Senhor, não obstante teremos judeus provado obstinadamente a morte injusta a que foi condenado, profundamente comovidos com os prodígios das trevas e do terremoto, o reconheceram por verdadeiro filho de Deus: “O centurião, porém, e os que com mele guardavam Jesus, vendo o terremoto e as coisas que se davam, ficaram aterrorizados e disseram: “Verdadeiramente este era o Filho de Deus” (Mt 27,54). Estes soldados foram as primícias felizes dos gentios que abraçaram a fé de Jesus Cristo depois de sua morte, pois, por meio de seus merecimentos, tiveram a sorte de conhecer seus pecados e de esperar o perdão. S. Lucas conta que todos os que se achavam presentes na morte de Jesus e viram os prodígios narrados, voltaram batendo no peito em sinal de seu arrependimento de haverem cooperado ou ao menos aplaudido a condenação do Salvador (Lc 23,48). E por isso, como vemos dos Atos dos Apóstolos, também muitos judeus, sentindo-se compungidos com a prédica de S. Pedro, perguntaram-lhe que deviam fazer para salvar-se. O número daqueles a quem respondeu S. Pedro que fizessem penitência e se batizassem chegou a três mil (At 2,41).

2. Vieram depois os soldados e quebraram as pernas dos dois ladrões. Chegando-se, porém, a Jesus e vendo que estava morto, abstiveram-se de fazer-lhe o mesmo, mas um deles com a lança abriu-lhe o peito, do qual saiu imediatamente sangue e água (Jo 19,34). S. Cipriano escreve que a lança atingiu diretamente o coração de Jesus Cristo. O mesmo foi revelado a S. Brígida (Rv 1. 2, c. 21) e isso se deduz de ter saído juntamente com o sangue também água do lado do Senhor, pois a lança, para atingir o coração de Cristo, teve primeiro de romper o pericárdio, que envolve o coração todo. S. Agostinho nota (Serm. 120 in Jo.) que S. João escreveu abriu, porque então se abriu no coração do Senhor a porta da vida, da qual brotaram os Sacramentos, que dão entrada à vida eterna. Por isso é que se diz que o sangue e água saídos do lado de Jesus Cristo foram a figura dos Sacramentos, pois a água é o símbolo do batismo, o primeiro dos Sacramentos, e o sangue se encontra na Eucaristia, o maior dos sacramentos. S. Bernardo diz que Jesus com essa chaga visível queria patentear a chaga invisível do amor, de que seu coração estava ferido por nós: “Por isso foi vulnerado para que, pela chaga visível, enxerguemos a chaga invisível do amor: a chaga carnal, portanto, demonstra a chaga espiritual”. E conclui: “Quem, pois, deixará de amar esse coração tão chagado?” (Serm. 3 de pass.).S. Agostinho, falando da Eucaristia, diz que o Santo Sacrifício da missa não é hoje menos eficaz perante Deus que o sangue e água saídos então do lado ferido de Jesus Cristo (In ps. 85).

Pobre até na sepultura, mas ressurge gloriosamente.

1. Terminemos este capítulo com algumas reflexões sobre a sepultura de Jesus Cristo. Jesus veio ao mundo não só para remir-nos como também para ensinar-nos, com seu exemplo, todas as virtudes e de modo especial a humildade e a santa pobreza, companheira inseparável da humildade. Por isso quis nascer pobre numa gruta, viver pobre numa oficina por trinta anos, e finalmente morrer pobre e nu sobre uma cruz, vendo com seus próprios olhos como os soldados sorteavam suas vestes antes de expirar. Depois de morto teve que receber de outros por esmola, um lençol para ser sepultado. Consolem-se, pois, os pobres, vendo Jesus Cristo, rei do céu e da terra, viver e morrer como pobre, para nos enriquecer com seus merecimentos
e seus bens, como dizia o Apóstolo: “Porque por vós ele se fez pobre, sendo rico, para que por sua pobreza vos tornásseis ricos” (2Cor 8,9). Tendo isso em vista, os santos, para se assemelharem a Jesus, sobre, desprezaram todas as riquezas e honras do mundo, para um dia gozarem com Jesus Cristo das riquezas e honras celestes preparadas por Deus para aqueles que o amam. Falando desses bens, escreve o Apóstolo: “O olho não viu, o ouvido não ouviu, nem chegou jamais ao coração do homem o que Deus preparou para aqueles que o amam (1Cor 2,9).
2. Jesus Cristo ressurge, pois, com a glória de possuir, não só como Deus, mas também como homem, todo o poder no céu e na terra, sendo todos os anjos e todos os homens seus súditos. Alegremo-nos, portanto, vendo assim glorificado o nosso Salvador, o nosso Pai e o melhor amigo que possuímos. Alegremo-nos por nós mesmos, pois a ressurreição de Jesus Cristo é para nós um penhor seguro de nossa própria ressurreição e da glória que esperamos possuir um dia lá no céu tanto no corpo como na alma. Essa esperança dava força aos santos mártires para sofrer com alegria todos os males desta terra e os mais cruéis tormentos dos tiranos. Mas é preciso persuadirmos de que não gozará com Jesus Cristo quem não quiser sofrer


também com Jesus Cristo e nem obterá a coroa quem não combater como deve: “E quem combate na liga não é coroado se não combater legitimamente” (2Tm 2,5). Persuadamo-nos igualmente do que diz o mesmo apóstolo, que todos os sofrimentos desta vida são muito breves e leves em comparação dos bens imensos e eternos que esperamos gozar no paraíso (2Cor 4,7). Procuremos, pois, estar sempre na graça de Deus e suplicar-lhe continuamente a perseverança na sua graça; doutra maneira, sem a oração e oração perseverante não obteremos essa perseverança e sem a perseverança não alcançaremos a salvação.

Ó doce, ó amável Jesus, como pudestes amar tanto os homens, que, para lhes testemunhardes o vosso amor, não recusastes morrer desonrado e coberto de opróbrios sobre um lenho infame. Ó Deus, como é possível que tão poucos homens vos amem de coração? Ah, meu caro Redentor, eu quero ser do número desses poucos. Miserável que fui pelo passado, esquecendo-me do vosso amor e trocando a vossa graça por míseros deleites. Conheço o mal que fiz e dele me arrependo de todo o coração; desejaria morrer de dor. Agora, meu amado Redentor, eu vos amo mais do que a mim mesmo e estou pronto a morrer mil vezes antes do que a perder vossa amizade. Agradeço-vos a luz que me concedeis. Meu Jesus, minha esperança, não me deixeis entregue a mim mesmo, continuai a auxiliar-me até à morte.

Ó Maria, Mãe de Deus, rogai a Jesus por mim. 

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