28 de agosto de 2014

Pensamentos Consoladores de São Francisco de Sales.

13/15  -  Como o pensamento do céu é próprio para nos consolar.

O Fim do homem é a visão clara e o gozo de Deus que espera obter no céu. Bem aventurado pois aquele que emprega esta curta vida mortal em adquirir este bem eterno, preferindo o dias passageiros desta vida ao da imortalidade e aplicando todos os seus momentos mortais, que lhe restam, à conquista da santa eternidade. A verdadeira luz do céu não lhe faltará, para lhe fazer ver e tomar o caminho seguro e conduzi-lo com felicidade a este porto de eternas delícias.
Os rios correm incessantemente e volvem como diz o sábio, para o mar, que é o lugar do seu nascimento e do último repouso; todo o seu movimento só tende a uni-los à sua origem. "Oh! Deus, diz Santo Agostinho, criastes o meu coração para vós e só em vós encontrará repouso; mas que tenho eu no céu, senão a vós, ó meu Deus, e que mais quero sobre a terra? Sim, Senhor, porque vós sois o Deus do meu coração o meu quinhão e partilha na eternidade". Eis, em particular, alguns pontos que devemos crer neste assunto.
Primeiro, que há um paraíso ou glória eterna; estado perfeitíssimo, no qual se reúnem todos os bens e onde não há mal algum; mundo de maravilhas, cúmulo de felicidade, gozo incomparável ultrapassando infinitamente todo o desejo; casa de Deus e palácio dos bem aventurados; cidade apeticível e amável e tão preciosa, que todas as belezas do mundo juntas nada são, comparadas com a sua excelência, e ninguém pode conceder a grandeza infinita dos abismos das suas delícias.
Considerai que, por uma eternidade, estas almas felizes gozam desta felicidade de Deus, entregando-se completamente a todas, e o Eterno Filho que diz benignamente a seu Pai: "Meu Pai, eu quero que os que me destes fiquem eternamente comigo, e vejam a claridade que eu tive em Ti antes da formação do mundo". E, dirigindo-se a seus caros Filhos: "Não vos tinha eu dito que o que me amasse seria amado por meu Pai e que nós nos manifestaríamos a ele?" Então esta santa companhia, abismada em prazer no seio da Divindade, canta o aleluia eterno de gozo e louvor ao seu Criador.
Em segundo lugar, cremos que a alma, entrando no céu limpa de todo o pecado, no mesmo instante verá a Deus sem sombras, a ele mesmo, face a face, como é, contemplando, por uma vista de verdadeira e real presença a própria essência divina, e nele as suas infinitas bondades.
O dulcíssimo São Bernardo, estando ainda jovem em Chatillon-sur-Seine, na noite de Natal esperava na Igreja que começasse o sagrado ofício, e esperando, adormeceu dum leve sono, durante o qual (oh! Deus meu! que doçura!) viu um espírito, e com uma visão muito distinta e clara, como o Filho de Deus tendo desposado a natureza humana, tendo-se tornado criancinha no seio de sua Mãe, nascia virginalmente em seu sacrossanto seio, com uma humilde suavidade, misturada com majestade celeste; visão que encheu com tal forma seu coração de satisfação e júbilo, que toda a vida sentiu sentimentos extremos, e a memória deste mistério da natividade de seu Mestre dava-lhe um gosto espiritual e uma suavidade sem igual.
Ah! mas se uma visão imaginária do nascimento temporal do Filho de Deus enlevou e contentou tanto o coração duma criança, ah! que será quando os nossos espíritos, gloriosamente alumiados com a feliz claridade, verem este nascimento eterno, pelo qual o Filho procede, Deus de Deus, divina e eternamente? É então que a alma será deificada, cheia de Deus, e feita como Deus, por participação, eterna e imutável de Deus, unindo-se com ela, como o fogo inflama o ferro e o penetra, comunicando-lhe a sua luz, esplendor, calor, e outras propriedades; de maneira que o toma pelo mesmo fogo.
Como Deus nos deu a luz da razão, pela qual o podemos conhecer como autor da natureza, e a luz da fé, pela qual o consideramos autor da graça, do mesmo modo nos dará a luz da glória, pela qual o contemplaremos como fonte de beatitude e da vida eterna; mas fonte que não só de longe contemplaremos, como fazemos agora pela fé, mas que veremos pela luz da glória, mergulhados e abismados nela.
Em terceiro lugar, a alma será para sempre bem aventurada entre a nobreza, a beleza e a multidão dos cidadãos e habitantes desta ditosa pátria, com os seus milhões de anjos, querubins e serafins, esta multidão de apóstolos, mártires, confessores, virgens, santas mulheres, cuja quantidade é inumerável.
Oh! como é ditosa esta companhia! O menor dos bem aventurados é mais belo do que todo o mundo; que será vê-los, todos? Eles cantam o doce cântico do eterno amor, gozam sempre duma alegria constante, compartilham de contentamentos indizíveis, e vivem na consolação duma infeliz e indissolúvel sociedade.
Mas, oh! Deus! se a boa amizade humana é tão agradavelmente amável, que será ver a suavidade sagrada do amor recíproco dos bem aventurados? De certo, os corações dos cidadãos do paraíso estarão abismados em amor e admiração de beleza e doçura dum tal amor.
Em quarto lugar, no paraíso, Deus dar-se-á completamente a todos; e não em parte por ser um todo que não tem partes; mas dar-se-á diversamente e com tantas diferenças como forem os bem aventurados. Assim como uma estrela é diversa das outras em claridade, assim serão diferentes os homens uns dos outros na glória, à proporção que o tiverem sido em graça e méritos; e como nenhum homem talvez é igual em caridade a um outro neste mundo, assim nenhum bem aventurado será igual a outro em glória no céu.
Considerai como é bom ver esta cidade em que o grande rei tem a sede na sua majestade, cercado de todos os seus bem aventurados servos; aí estão as multidões de anjos, que cantam hinos, e à companhia dos cidadãos celestes; aí se encontra a multidão veneranda dos profetas, o sagrado número dos apóstolos, o vitorioso exército dos inumeráveis mártires, a augusta assembléia dos pontífices, o sagrado rebanho dos confessores, os verdadeiros e perfeitos religiosos, as santas mulheres, as humildes viúvas, as puras virgens. A glória de cada qual não é igual, mas contudo recebem todos um igual prazer, porque é aí que reina a plena e perfeita caridade.
Um fio de glória, uma gota de amor dos bem aventurados vale mais, tem mais força e merece mais estima do que todos os outros amores e conhecimentos que possam ter os corações dos homens mortais.
Em quinto lugar, apesar de grande diversidade e diferença de glória, contudo cada alma bem aventurada, contemplando a infinita beleza de Deus, e o abismo do infinito que fica por ver nessa mesma beleza, fica perfeitamente satisfeita e saciada, e contenta-se com a glória de que goza, segundo o lugar que tem no céu, por causa da amabilíssima Providência divina que assim o ordenou.
Que alegria o estar cercado por toda a parte de prazeres incríveis, e como uma ave bem aventurada, voar, cantar para sempre no ambiente da Divindade!
Que favor e contentamento, depois de um milhão de desgostos, penas e trabalhos, sofridos nesta vida mortal, depois dos desejos infinitos do verdadeiro bem nunca satisfeitos neste mundo, ver-se no porto de toda tranquilidade e ter enfim encontrado a viva e poderosa fonte das frescas águas da vida imortal e a santíssima Divindade, que só podem apagar e satisfazer o desejo humano? 

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