Pensamentos Consoladores na Perda de Parentes e Amigos.
1/15 - Como se deve chorar cristãmente as pessoas que perdemos.
Se perdemos os nossos parentes e amigos, não devemos entristecer-nos muito; porque nada há no mundo pelo que devemos desejar que aqueles que amamos aqui permaneçam muito tempo, e ele é tão miserável que devíamos antes louvar a Deus quando os leva e não nos afligirmos. Assim convém que uns após outros deles saiamos, segundo a ordem que Deus estabeleceu; os primeiros que saem são os que estão melhor, quando viveram com cuidado da sua salvação. E depois, na eternidade, tais perdas são reparadas, e a nossa sociedade, desfeita pela morte, será restaurada.
Uma consolação bem suficiente aos filhos de Deus, é quando seus parentes e amigos têm recebido os remédios eficazes dos santos sacramentos antes de morrer, o que lhes devem procurar sem demora.
Repousemos os nossos corações sem amargura; mas tenhamos a coragem, tão necessária neste estado, de fechar os olhos ao nosso querido moribundo, dando-lhes o ósculo da paz. Depois disto, façamos-lhe as honras que o costume cristão exige, segundo o estado e condição de cada um. Porém, mais do que tudo, ordenemos que o mais cedo possível se façam com exatidão por intenção do falecido as orações, e outros exercícios piedosos, com medo que ele tenha precisão de alguma expiação, segundo a severidade do juízo divino; e que ainda esteja privado do gozo da plena e gloriosa liberdade, e que tenha a alma ainda condenada à estada por algum tempo no fogo do purgatório, por um segredo inescrutável de Deus, antes de ser recebida no céu entre os braços da divina bondade. Nesta sociedade, as amizades e sociedades começada neste mundo continuar-se-ão para não haver mais separação.
No entanto tenhamos paciência e esperemos com coragem que soe a hora da nossa partida, para irmos para onde já estão os nossos amigos; e já que cordialmente os amamos, continuemos a amá-los; façamos por amor deles o que eles desejariam que fizéssemos e o que agora por nós almejam.
Entretanto não vos direi: Não choreis, não, porque é justo que choreis um pouco em testemunho do afeto sincero que tendes aos vossos queridos defuntos. Isto será imitar a Jesus Cristo, que chorou por um pouco a Lázaro, seu bom amigo; mas com condição de serem moderadas estas demonstrações exteriores, e que esses suspiros e gemidos não sejam tantas lágrimas de pesar como sinais de compaixão e ternura.
Não choremos como os que pertencendo completamente a esta miserável vida, não se lembram de que caminhamos para a Eternidade, onde, se vivemos bem neste mundo, nos reuniremos às pessoas queridas para nunca mais a deixarmos. Não poderíamos impedir que o nosso pobre coração sentisse a perda dos que aqui eram os nossos amáveis companheiros; mas convém que não desmintamos a solene resolução que fizemos de ter a nossa virtude inseparavelmente unida a de Deus, e que não cessemos de dizer à divina Providência: Sim, vós sois bendita, porque tudo o que vos agrada é bom.
Eu choro em tais ocasiões; e o meu coração, que é de pedra nas coisas do céu, funda-se em lágrimas por tais acontecimentos. Esta insensibilidade imaginária dos que não querem que estejamos homens, pareceu-me sempre que era uma quimera; mas também, depois de ter pago o tributo à parte inferior da nossa alma, é preciso prestar as honras à superior, onde brilha, como em um trono, o espírito da fé, que nos deve consolar em nossas aflições e por elas próprias.
Bem aventurados os que se alegram por estar aflitos e convertem o absinto em mel! Deus seja louvado! É sempre com tranquilidade que eu choro, sobretudo com um grande sentimento de amor para com a Providência de Deus; porque depois, que Nosso Senhor amou a morte e a deu por objeto ao nosso amor, não posso querer mal a morte por me levar minhas irmãs ou qualquer outra pessoa, contanto que morra no amor da santa morte do Salvador. Tenho em tão pouca conta esta vida frágil, que nunca me volto para Deus com mais sentimento de amor do que quando me fere, ou permite que eu seja ferido.
Estimo que tenhais tanta caridade e temor de Deus, que, vendo o seu agrado e a sua santa vontade, a ele vos acomodeis e odieis o vosso desprezo pela consideração do mal deste mundo. Não podemos evitar ter muita pena com a separação dos nossos amigos, e este desgosto não nos é proibido com tanto que o moderamos pela esperança que temos de não nos separarmos deles senão no pouco tempo que medeia até os seguirmos ao céu, lugar do nosso repouso, se Deus nos fizer essa graça.
Alongai muitas vezes a vossa vista até ao céu e vede que esta vida não é senão uma passagem para a eternidade. Quatro ou cinco meses de ausência passarão depressa. Se o nosso costume e os nossos sentidos, entretidos em estimarem este mundo e esta vida, nos fazem sentir o que nos é contrario, corrijamos muitas vezes este defeito pela claridade da fé que nos deve fazer julgar por muito felizes os que em poucos dias terminarem a sua viagem.
Oh! como é desejável a eternidade comparada com as vicissitudes deste mundo!... Todos os dias a minha alma se abrasa em amor e estima das coisas eternas... Deixemos correr o tempo, com o qual corremos a pouco e pouco para nos transformarmos na glória dos filhos de Deus... Quanto incomparavelmente mais amável não é a eternidade, cuja duração não tem fim, com os dias sem noite e os contentamentos invariáveis! Oh! se duma vez compenetrássemos bem os nossos corações nesta santa e bem aventurada eternidade! Ide, diríamos nós a todos os nossos amigos, ide para este Rei da eternidade: nós nos reuniremos a vós, e já que o tempo só para isso nos foi concedido e que o mundo só se povoa para povoar o céu, façamos tudo o que pudermos para disso nos tornarmos dignos...
Sim, com certeza, a passagem de nossos amigos para uma vida melhor é estimável, pois que se faz para povoar o céu e engrandecer a glória do nosso Rei; um dia justar-nos-e-mo a eles e no entretanto aprendamos o cântico do santo amor, para o cantarmos com mais perfeição na eternidade. Bem aventurados os que não confiam na vida presente e que só a julgam como uma taboa para passarem à vista celeste, na qual unicamente devemos colocar as nossas esperanças!
Deixemos chorar Davi a morte do seu Absalão enforcado e perdido; mas na morte do que tomou por vontade, que recebeu os remédios eficazes da Igreja antes de morrer, há mais ocasião para nos consolarmos do que para nos entristecermos; porque, tendo vivido bem, não morreu, mas salvou-se da morte; porque os homens virtuosos não morrem, vivendo no céu pela magnifica recompensa de seus méritos, e na terra pela gloriosa memória de seus benefícios.
Oh! se ouvíssemos as doces e amáveis palavras de algum falecido já bem aventurado, ele nos diria: Meus amados, peço-vos que noteis que estou no lugar que desejo, e que me consolo dos meus passados trabalhos que me conquistaram esta gloriosa imortalidade! Por que não consolais comigo? Quando eu estava convosco nesse mundo, era vosso empenho vos regozijardes comigo em todas as minhas consolações, até mesmo caducas e ilusórias... Ah! não sou eu mesmo? Por que vos afligis para com minha morte visto ter-me Deus dado tanta glória? Não, eu desejo de vós coisas bem diferentes desses vossos pesares! Se tendes lágrimas, guardai-as para chorar as desgraças do vosso século e conjuntamente os vossos pecados. Não sabeis que os males desta vida miserável em que viveis são tais, que devereis antes louvar a Deus por delas vos livrar, do que afligir-vos? Os primeiros que dela saem são os mai felizes, contanto que tenham vivido bem. Um só pesar sinto agora; é que desprezeis, estando em vossos corpos, as coisas de que não necessitais não as possuindo; e que vivais por tal forma, entre as prosperidades da vida, que não temais as adversidades, confiando que em breve vos unireis aos vossos caros defuntos para os não deixardes por toda a eternidade.
Prouvera a Deus que todos os filhos de Adão pensassem bem nestas verdades! De certo não estariam tão ardentes e ásperos para os prazeres e vaidades, porque conheceriam perfeitamente que tudo o que agora amaram não era senão um nada, despojo da morte, o fruto de Satanás e o engôdo do inferno; e por este conhecimento claro, junto a uma resolução firme e sólida, tirariam da morte temporal auxílio e socorro para evitar a eterna.
Dizem que Alexandre o grande, navegando no mar alto, descobriu a Arábia Feliz só pelo cheiro de madeira aromática que aí há; e assim só ele tinha pretensão de conquistar esse país. Assim os que pretendem o país eterno, embora navegando no mar alto dos negócios deste mundo, têm um certo gosto antecipado do céu, que os anima e conforta maravilhosamente; mas convém dirigir a proa para esse sítio.
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