PONTO II
O pecador não só ofende a Deus, mas também o desonra (Rm 2,23). Com efeito, renunciando à graça divina por um miserável prazer, menospreza e rejeita a amizade de Deus. Se o homem perdesse esta soberana amizade para ganhar um reino ou ainda o mundo inteiro, não há dúvida que faria um mal imenso, pois a amizade de Deus vale mais que o mundo e que mil mundos. E por que será que se ofende a Deus? (Sl 10,13). Por um punhado de terra, por um ímpeto de ira, por um prazer brutal, por uma quimera, por um capricho (Ez 13,19). Quando o pecador co-meça a deliberar consigo mesmo se deve ou não dar consentimento ao pecado, toma, por assim dizer, em suas mãos, a balança e se põe a considerar o que pesa mais, se a graça de Deus ou a ira, a quimera, o prazer... E quando, por fim, dá o consentimento, declara que para ele vale mais aquela quimera ou aquele prazer que a amizade divina. Vede, pois, como Deus é menosprezado pelo pecador. Davi, ao considerar a grandeza e majestade de Deus, exclamava: “Senhor, quem há que vos seja semelhante? (Sl 34,10). Mas Deus, ao contrário, vendo-se comparado pelos pecadores a uma satisfação vilíssima e posposto a ela, lhes diz: “A quem me comparastes e igualastes”? (Is 40,25).
De modo que, exclama o Senhor: vale aquele prazer mais que minha graça? (Ecl 23,35). Não terias pecado, se soubesses que ao cometê-lo perderias uma das mãos, ou dez escudos, ou menos talvez. Assim, diz Salviano, só Deus parece tão vil a teus olhos que merece ser posposto a um ímpeto de cólera, a um gozo indigno.
Além disso, quando o pecador, para satisfazer qualquer paixão, ofende a Deus, converte em sua divindade essa paixão, porque nela põe o seu último fim. Assim diz São Jerônimo: “Aquilo que alguém de-seja, se o venera, é para ele um Deus. Vício no cora-ção é ídolo no altar.” Do mesmo modo diz São To-más: “Se amas os prazeres, estes são teu Deus”. E São Cipriano: “Tudo quanto o homem antepõe a Deus, converte- o em seu Deus”. Quando Jeroboão se revoltou contra o Senhor, procurou levar consigo o povo à idolatria, e, apresentando os ídolos, disse-lhes: “Aqui estão, Israel, os teus deuses” (3Rs 12). De modo semelhante procede o demônio; apresenta ao pecador os prazeres e lhe diz: “Que tens que ver com Deus?... Eis aqui o teu deus: é esta paixão, este prazer.
Toma-os e abandona a Deus”. É isto o que faz o pecador, dando o seu consentimento: adora no seu coração o prazer em lugar de Deus.
“Vício no coração é ídolo no altar”.
Se ao menos os pecadores não desonrassem a Deus em sua presença!...
Mas injuriam-no e o desonram face a face, porque Deus está presente em todos os lugares (Sm 23,24). O pecador o sabe. E, apesar de tudo, atreve-se a provocar o Senhor na mesma presença divina (Is 65,3).
AFETOS E SÚPLICAS
Vós, Senhor, sois o bem infinito, e muitas vezes vos hei preterido por vil prazer que, apenas gozado, logo desaparece. Mas vós, apesar de vos ter desprezado, ofereceis-me agora o perdão, se o quiser aceitar, e prometeis receber-me na vossa graça, se me arrepender de vos ter ofendido. Sim, meu Senhor, dói-me de todo o coração tanta ofensa e detesto meus pecados mais que todos os males. Retorno a vós e espero que me recebereis e me abraçareis co-mo a um filho. Agradeço-vos, ó infinita Bondade! Aju-dai-me, Senhor, e não permitais que novamente vos afaste de mim. Não deixará o inferno de tentar-me; mas vós sois mais poderoso que ele. Bem sei que não me apartarei jamais de vós se a vós sempre me recomendar. Esta é a graça que vos suplico: que sempre me recomende a vós e vos implore como o faço agora, dizendo: Senhor, ajudai-me; dai-me luz, força, perseverança... Dai-me o paraíso e, sobretudo, concedei-me vosso amor, que é a verdadeira glória da alma. Amo-vos, Bondade infinita, e quero sempre amar-vos. Ouvi-me, pelo amor de Cristo-Jesus...
Ó Maria, refúgio dos pecadores, socorrei a um pecador que quer amar a Deus!
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