5 de março de 2014

Sermão para o Domingo da Quinquagésima – Padre Daniel Pinheiro, IBP

[Sermão] Sentido espiritual das Cerimônias da Missa – Parte 3: Da Incensação ao Kyrie

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Quarta-feira de cinzas: dia de jejum e abstinência. Cumprir.
Estabelecer logo as práticas de penitência para a Quaresma. Em três campos: campo da mortificação (não é só no comer e no beber, mas, pode ser, por exemplo, tomar a resolução de não perder tempo na internet com o que não é estritamente necessário, em redes sociais particularmente); campo da oração, campo da caridade. Aproveitar esse tempo para abandonar um pecado a que temos mais apego, para combater nosso defeito dominante. O objetivo da Quaresma não é simplesmente fazer penitência, mas nos fazer progredir no amor a Deus. Para tanto, esses meios são necessários: mortificação, oração, práticas de caridade.
Continuamos, caros católicos, nossa primeira série de sermões sobre as cerimônias da Santa Missa no Rito Romano Tradicional. Interromperemos a série durante a Quaresma, para retomá-la em momento oportuno. Já vimos que, com os paramentos, o sacerdote se reveste das virtudes de Cristo, cada paramento representado uma qualidade que deve ter o padre ou representando um aspecto do sacerdócio. Vimos a aspersão de água benta, que pode ocorrer nos domingos, e como ela nos dispõe para assistir bem à Santa Missa. Falamos das orações ao pé do altar, com o padre que treme diante do mistério estupendo que é a Santa Missa, mas que, ao mesmo tempo, confia na misericórdia divina, esperando em Deus. Tratamos da confissão dos pecados, para que obtenha o perdão mesmo das faltas veniais, para que o padre possa celebrar bem os santos mistérios e para que os fiéis possam receber bem os frutos. Vimos como o Padre ao subir o altar pede mais uma vez que as suas iniquidades sejam afastadas dele, pede a pureza e pede a ajuda dos santos, em particular dos santos que estão no altar, para que seus pecados sejam perdoados.
O sacerdote está, então, no altar de Deus. Na Missa Solene, com diácono e subdiácono, sempre, e na Missa Cantada, havendo oportunidade, o sacerdote procede à incensação.  O incenso se oferece a Deus, em ato de latria, destinado, então, exclusivamente a Deus. O incenso é, na verdade, uma espécie de oração sacrificial – judeus o entendiam assim e os idólatras também, tanto que esses últimos queriam que cristãos oferecessem um único grão de incenso aos deuses, pois oferecer um grão de incenso seria reconhecer a divindade deles, prestando culto de latria, de isolatria a eles. O incenso é uma espécie de oração sacrificial porque, ao queimar, ele se consome em honra da divina majestade, como um sacrifício. Assim, o incenso oferecido pelos Magos a Cristo significa a divindade de Cristo, pois o incenso só se oferece a Deus, mas significa também o sacrifício de Cristo, que deveria consumir sua humanidade em sacrifício para nos salvar, como o incenso se consome no turíbulo.
 A fumaça do incenso significa a oração, como nos diz o Salmo: “dirigi, Senhor, a minha oração como o incenso diante de ti.” Vemos também no apocalipse a simbologia do incenso como a oração quando o Anjo do Apocalipse se aproxima do altar para oferecer os perfumes com as orações dos santos. Esse anjo que oferece a oração dos justos diante de Deus é Cristo.
                Se a fumaça representa a oração, o turíbulo representa o coração do homem. O coração do homem deve ser, como o turíbulo, aberto no alto e fechado embaixo, isto é, aberto para as coisas do alto e fechado para as coisas terrenas. O coração do homem deve estar aceso com o fogo da caridade para poder agir sempre em direção ao alto, como no turíbulo aceso com carvão, a fumaça se dirige sempre para o alto. A fumaça é simbolo da nossa oração e das nossas ações, que devem ter sempre por finalidade o céu, superando todos os obstáculos para alcançá-lo, a exemplo da fumaça que sai do turíbulo, que sempre se dirige para o alto, apesar de todos os obstáculos.
O padre coloca três vezes incenso sobre o carvão que está no turíbulo, em honra da Santíssima Santíssima Trindade, pois é preciso adorar igualmente Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo, que são um só Deus em três Pessoas. O sacerdote abençoa o incenso dizendo: “sejas abençoado por Aquele em honra de quem vais queimar”. A mão esquerda do padre, no momento da bênção, está sobre o altar, para mostrar que o poder que o padre tem de abençoar vem de Cristo, representado pelo altar. Feita a imposição do incenso, o sacerdote incensa a Cruz, primeiramente, em seguida as relíquias dos santos, se houver, e as imagens que estiverem sobre o altar. Depois, incensa o altar. Finalmente, é o sacerdote que é incensado. Incensam-se a cruz, as relíquias e imagens que estão sobre o altar. Incensam-se  o altar e o sacerdote. O que todas essas coisas têm em comum? A associação íntima a Nosso Senhor. A cruz, o altar e o sacerdote são, em certo sentido, o próprio Cristo. Os santos, nas relíquias e nas imagens, estão intimamente unidos a Cristo no céu. Assim, todo o altar fica envolto pelo incenso, anunciando o sacrifício que será oferecido em breve. O incenso abençoado e queimado dessa forma é também um sacramental que ajuda a dispor nossa alma para rezar bem e que afasta o demônio.
Após a incensação, diz-se o Intróito. Na Missa com canto, ele é cantado pela Schola Cantorum enquanto o padre reza as orações ao pé do altar em voz baixa com o cerimoniário. O Introito é composto de uma antífona, em geral tirada do Antigo Testamento, de um Salmo (raramente outro texto da Sagrada Escritura), do Glória Patri, e da repetição da antífona. Antigamente, provavelmente se rezava um Salmo inteiro para a procissão de entrada. O costume de cantar Salmos – e são muitos os trechos de salmos na Santa Missa – vem da Sinagoga. Esse canto de entrada é tomado da Antiguidade, quando se acompahava com um canto a entrada (adventus) do soberano, de seu representante ou de sua imagem. O Intróito, tirado quase sempre do Antigo Testamento, representa justamente a entrada de NS no mundo, anunciada pelo Antigo Testamento, pelos patriarcas, pelos profetas e pelos Salmos. Após a antífona e o salmo, vem o Gloria Patri, que significa o louvor do pequeno resto judeu – apóstolos e discípulos – que aceitaram NSJC e que confessam, então, a Trindade das pessoas divinas. A Antífona é repetida depois do Gloria Patri, mostrando que a Igreja aceita o AT e prega como realizado em Cristo aquilo que o AT somente anunciou.
O Intróito, como o próprio nome diz, introduz a Missa que é celebrada no dia. A importância atribuída às primeiras palavras (incipit) de um texto pelos antigos, faz com que o texto receba o nome dessas primeiras palavras. É ainda assim com os documentos do Papa, por exemplo. É assim também com a Missa. Muitas Missas recebem o nome das primeiras palavras do Intróito: Laetare, Gaudete, Quasimodo, Requiem… O Intróito dá o tom da Missa, do mistério que é celebrado e do estado de espírito com que devemos vivê-lo. Isso se faz com as palavras e, se for Missa cantada, com a melodia do canto gregoriano.
Com o Introito, percebemos que a Missa começa do lado esquerdo do altar (a referência é a cruz e não nós), do lado, portanto, menos nobre, chamado de lado da epístola, em virtude da leitura que se faz daquele lado. O lado da espístola, o lado esquerdo do altar, representa o Antigo Testamento, a Sinagoga. A Missa começa desse lado porque Cristo veio ao mundo pelo povo judeu e porque ele começou sua missão pelos judeus.
O Intróito representa, enfim, três circunstâncias da vida de NS: sua entrada no mundo pela encarnação, como já mencionamos, mas também sua entrada no cenáculo para institutir a eucaristia, que é a Missa e, finalmente, sua entrada no jardim das oliveiras para começar seu sacrifício sangrento, que é renovado pela Missa.
Após o Introito, reza-se o Kyrie. Na Missa rezada, o sacerdote volta para o meio do altar para recitar o Kyrie. Na Missa com canto, recita-o no lado da espístola.
Kyrie é composto de palavras gregas, resquício de quando a liturgia romana era celebrada em língua grega. É a partir do século III ou IV que a língua da liturgia de Roma passou a ser o latim. Todavia, na Missa do Rito Romano Tradicional há palavras em grego, em latim e em hebreu, pois são as três línguas consideradas sagradas pela Igreja. São consideradas assim porque são as três línguas colocadas por Pilatos no título da Cruz de Cristo com o motivo da condenação dEle.: Jesus Nazareno, Rei dos Judes. Na Missa Tradicional temos, então, as três línguas: grego, no Kyrie eleison; hebreu, noAmen, no Hosanna, no Alleluia, no sabaoth do Sanctus; e latim por toda a parte.
Kyrie é, muito provavelmente, o resto de uma ladainha que se rezava nesse momento, como existe ainda em muitos ritos orientais. Rezamos, então, o Kyrie três vezes, Chirstetrês vezes e Kyrie três vezez, tendo, assim, uma significação claramente Trinatária, dirigindo-se às três pessoas da Santíssima Trindade. O Kyrie tem um aspecto penitencial, de súplica de misericórdia, como é evidente. Diziam os medievais que a tripla invocação lembra o triplo pecado do qual devemos pedir perdão: o pecado original, o pecado mortal e o pecado venial. São nove invocações no total, aludindo aos nove coros de anjos que pedem misericórdia para os homens. Três grupos de invocações que resumem o grito das três idades da humanidade (São Paulo): antes da lei mosaica, durante a lei mosaica e sob a graça, para que Cristo nos salve.
Há pelo menos XVIII melodias para o canto do Kyrie, cada uma manifestando um sentimento mais apropriado para o tempo litúrgico que se vive.
Assim, prezados católicos, nessa primeira parte da Missa se revive, em certo sentido, a súplica dos justos do AT para que Deus envie o Messias, se revive a entrada de Cristo no mundo, culminando com o seu nascimento significado pelo Glória, que veremos em outra oportunidade. Podemos considerar, então, a bondade divina, que assim amou o mundo ao ponto de entregar seu próprio Filho. Podemos considerar essa bondade e retribuir, entregando-nos inteiramente a Deus.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

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