Ego Mater pulchrae dilectionis — “Eu sou a Mãe do belo amor” (Ecclus. 24, 24).
Sumário. O fogo de amor em que ardia o Coração da Santíssima Virgem foi tão veemente, que ela não repetia os atos de amor, como fazem os outros santos, mas por um privilégio singular amou a Deus sempre atualmente com um contínuo ato de amor. Mas se Maria amou e ama tanto a seu Deus, certamente ela não exige outra coisa de seus devotos, senão que O amem também. Como é que tu O amas? Se por ventura te sentes frio, chega-te com confiança a tua amada Mãe e roga-lhe que te faça seu semelhante.
I. Deus, que é amor, veio ao mundo para acender em todos a chama do seu divino amor; mas nenhum coração ficou tão abrasado como o Coração de sua Mãe, o qual, sendo todo puro dos afetos terrenos, estava todo disposto para arder neste santo fogo. Por isso o Coração de Maria se tornou todo fogo e chamas, como se lê nos Cânticos sagrados: Lampades eius, lampades ignis atque flammarum (1)? “As suas lâmpadas são umas lâmpadas de fogo e de chamas”. Fogo, ardendo interiormente, como explica Santo Anselmo, e chamas resplandecendo para fora com o exercício das virtudes.
Revelou a própria Maria a Santa Brígida, que neste mundo ela não teve outro pensamento, outro desejo, nem outro gosto senão Deus. Eis porque a sua alma bendita absorta sempre nesta terra na contemplação de Deus, fazia inúmeros atos de amor. Ou, para melhor dizer, como escreve Bernardino de Bustis, Maria não multiplicava os atos de amor, como fazem os outros santos; mas, por um privilégio singular, ela amou a Deus atualmente com um contínuo ato de amor. Qual águia real sempre tinha os olhos fixos no divino Sol, de maneira (diz São Pedro Damião) que nem as ações da vida lhe impediam o amor, nem o amor lhe impedia a ação.
Acrescentam Santo Ambrósio, São Bernardino e outros, que nem mesmo o sono interrompia o ato de amor da Santíssima Virgem; de modo que podia verdadeiramente dizer com a sagrada Esposa: Ego dormio, et cor meum vigilat (2)? “Eu durmo e o meu coração vela”. Foi figura de Maria o altar propiciatório, no qual nunca se extinguia o fogo, nem de dia, nem de noite. Numa palavra, afirma o Bem-aventurado Alberto Magno que Maria foi cheia de tão grande amor, que quase não podia caber mais amor numa pura criatura terrestre. Os próprios serafins podiam descer do céu, para aprenderem no Coração de Maria como se deve amar a Deus. No reino celeste ela só, entre todos os santos, pode dizer a Deus: Senhor, se não Vos amei quanto mereceis, ao menos amei-Vos quanto me foi possível.
II. Já que Maria ama tanto a seu Deus, não há certamente coisa alguma que ela exija tanto de seus devotos como que O amem igualmente. É o que a divina Mãe disse à Bem-aventurada Ângela de Foligno, num dia em que esta tinha comungado; é o que ela disse também a Santa Brígida: “Filha, se queres cativar o meu amor, ama o meu Filho”.
Pergunta Novarino, porque a Santa Virgem, à imitação da Esposa dos Cantares, rogava aos anjos que fizessem saber ao seu Senhor o grande amor que lhe consagrava, dizendo: Adiuro-vos… ut nuntietis ei, quia amore langueo (3)? “Eu vos conjuro… que lhe façais saber que estou enferma de amor”. Por ventura não sabia Deus quanto ela O amava? Com certeza sabia-o, responde o autor sobredito, que a Virgem quis fazer patente a nós o seu amor; a fim de que, assim como ela estava ferida de amor, nos infligisse a mesma ferida: Ut vulnerata vulneret. Porque foi toda fogo em amar a Deus, por isso, como diz São Boaventura, abrasa e torna seus semelhantes todos os que a amam e a ela se avizinham. Pelo que Santa Catarina de Sena chamava a Maria Santíssima portatrix ignis: a portadora do fogo do amor divino. Se queremos também arder nesta beata chama, procuremos sempre avizinhar-nos à nossa Mãe santíssima com súplicas e afetos.
Ah, Rainha do amor, Maria! Sois vós, no dizer de São Francisco de Sales, a mais amável, a mais amada e a mais amante de todas as criaturas. Ah, minha Mãe! Vós que ardestes sempre e toda em amor a Deus, dignai-vos dar-me ao menos uma faísca desse amor. Rogastes a vosso Filho por aqueles esposos aos quais faltava o vinho: Vinum non habent (4)? “Eles não têm vinho”: não rogareis por nós a quem falta o amor a Deus, ao qual temos tanta obrigação de amar? Dizei somente: Amorem non habent? “Eles não têm amor”, e alcançar-nos-eis o amor. Outra graça não vos pedimos senão esta. Ó minha Mãe! Porquanto amais a Jesus, atendei-nos, rogai por nós. (*I 258.)
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1. Cant 8, 6.
2. Cant 5, 2.
3. Cant 5, 8.
4. Io 2, 3.
(Santo Afonso Maria de Ligório. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Primeiro: Desde o primeiro Domingo do Advento até Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 332-334.)
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