SERMÃO
DO SEGUNDO DOMINGO DA QUARESMA
"Eis meu Filho amado (...) escutai-o".
(S. Mateus XVII, 5)
+ Ave Maria
...
Todo
movimento supõe necessariamente duas coisas: afastamento do ponto de partida e
aproximação do ponto de chegada.
Consequentemente,
para crescermos na sabedoria cristã devemos dos afastar progressivamente dos
critérios do mundo e nos aproximar cada vez mais dos critérios ou pontos de
vista de Deus.
Com relação
às coisas sobrenaturais o mundo tem o triste privilégio de vê-las do modo
exatamente contrário ao que são. Chama de bens aquelas coisas que são
verdadeiros males -- gozar a vida por meios e atos ilícitos e pecaminosos,
adquirir estima dos outros fazendo-se o centro das atenções, adquirir riquezas
vendo-as como o fim último de nossos esforços e de nossos atos -- e chama males
aquelas coisas que são ou podem ser verdadeiros bens -- a pobreza em bens
materiais, uma vida casta e humilde, a dor e o sacrifício.
O mundo põe
como coisas mais importantes uma vida cômoda, divertida, cheia de espetáculos,
saudável e longa, tudo isso animado com o espírito de se contentar a si mesmo.
O mundo
nunca compreenderá o Sermão da Montanha: bem-aventurados os pobres, os mansos,
os puros de coração, os que sofrem perseguição. São situações que rompem
totalmente com suas categorias intelectuais. Diante delas eles ficam perplexos,
são coisas que escapam à compreensão das inteligências que não somente não têm
a luz da fé, mas nas quais até a luz natural da razão está comprometida. A
doutrina ensinada por Nosso Senhor, se comparada com a doutrina do mundo, está
baseada em outros princípios, que levam a outras conclusões, a outro
comportamento.
Os
mundanos, diante do Evangelho, se veem face a face com uma realidade
absolutamente distinta da qual estão acostumados e que não conseguem
compreender. Ler um livro que trata da religião Católica, ou da vida de um
santo, escrita por uma pessoa que não têm a fé católica nos dá um exemplo claro
disso. São livros recheados de considerações absolutamente falsas sobre os
fatos sobrenaturais, sobre o modo de pensar daqueles que têm fé, simplesmente
porque esses autores não têm a inteligência iluminada pelos princípios
sobrenaturais que a fé dá. Sempre analisarão qualquer fato ou verdade
sobrenatural somente com fundamentos naturais, muitas vezes falsos, e chegarão
a inúmeras conclusões tortas. A fé, para eles, nunca será uma virtude infusa
sobrenatural, mas um sentimento; a existência dos anjos e da graça será fruto
da imaginação; o sacrifício será sempre movido por um interesse egoísta -- o
celibato dos padres e freiras, as grandes navegações de Portugal e Espanha, por
exemplo, serão determinados por motivos econômicos. Por este caminho eles nunca
conseguirão a menor faísca de sabedoria.
O primeiro
passo para adquirir a sabedoria de Deus está em rejeitar os princípios e
máximas do mundo. O principal não é uma vida longa, mas santa; não é a saúde do
corpo, mas da alma; não é o sucesso financeiro, mas uma boa morte; não é estar
confortável por sete ou oito décadas nesta vida, mas ter a felicidade eterna na
outra. E os meios mais eficazes para se ter estes bens são a pobreza, a
humilhação, a dor. É necessário afirmar e defender isto diante do mundo, que
não pode nos dar bom conselho para acertarmos nossas escolhas. Renúncia total e
definitiva de todos os falsos critérios do mundo: eis o primeiro passo a dar
para termos sabedoria.
O segundo
passo é ter o espírito de fé. Muitas pessoas têm fé, mas têm o espírito tomado
pelos princípios do mundo. Não basta termos fé, precisamos viver de acordo com
elas. São Paulo diz que o justo vive da fé. Não diz que o justo tem
fé, mas sim que ele vive da fé.
Este
espírito de fé consiste em uma tendência da alma a guiar-se constantemente
pelos ensinamentos da fé, como Nosso Senhor vê as coisas e nos ensinou. Aqui se
aplica o que Deus Pai disse aos Apóstolos na Transfiguração:
"escutai-o". Nossos atos são dirigidos por estes princípios, aceitamos
todas as suas consequências. Acostumando-nos a agir conforme os princípios
sobrenaturais da fé adquirimos o senso cristão, uma espécie de instinto
espiritual que procede de Deus. Assim como o sentido percebe as coisas
rapidamente, distingue com facilidade e precisão, sem esforço e sem as etapas
de um raciocínio demorado, sem indecisão, também este senso cristão é rápido em
seus julgamentos, fácil em perceber, claro nas afirmações, reto nas resoluções.
Quem o tem vê sem vacilo onde está o espírito de Nosso Senhor e onde ele não
está, consegue distinguir mesmo sem estudos teológicos o nocivo do sadio.
Evidentemente, esta vida de fé só é possível em uma alma que se guarda sempre
recolhida e em oração.
As pessoas
que assim ouvem Nosso Senhor preparam para Ele uma tenda nos seus corações e o
verão na sua divindade na outra vida. Buscaram a sabedoria de Deus nesta vida,
escutaram Nosso Senhor, terão como recompensa a visão da essência de Deus na
outra, a máxima participação da sabedoria mesma de Deus de que o homem é capaz.
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