Et dedit illi scientiam sanctorum — “E deu-lhe a ciência dos santos” (Sap. 10, 10).
Sumário. Oh, que bela ciência, a de saber amar a Deus e salvar a alma. É esta a ciência mais necessária de todas, porquanto, se soubéssemos tudo e não nos soubéssemos salvar, nada nos aproveitaria e seríamos eternamente infelizes; ao passo que seremos eternamente bem-aventurados se soubermos amar a Deus, ainda que no mais fôssemos completamente ignorantes. Quantos sábios estão no inferno! Quantos, que aqui foram ignorantes, gozam no paraíso! Que aproveitou àqueles a sua sabedoria?... Que prejuízo causou a estes a sua ignorância?
I. Compreendamos bem que os verdadeiros sábios são aqueles que sabem adquirir a graça de Deus e o paraíso. Que bela ciência a de amar a Deus e salvar a alma! O livro onde se ensina a salvar a alma é de todos o mais necessário. Se soubéssemos tudo e não nos soubéssemos salvar, nada nos aproveitaria e seríamos para sempre desgraçados. Ao contrário, seremos eternamente felizes se soubermos amar a Deus, ainda que no mais fôssemos completamente ignorantes. Beatus qui te novit, etsi alia nescit — “Bem-aventurado o que Vos conhece, ó Deus, embora ignore todas as outras coisas!” exclamava Santo Agostinho.
Certo dia Frei Gil disse a São Boaventura:
– Feliz de ti, padre Boaventura, que sabes tantas coisas, e eu pobre ignorante nada sei; tu podes ser muito mais santo do que eu.
– Escuta — respondeu-lhe o Santo, — se uma velhinha ignorante souber amar a Deus mais do que eu, ela será mais santa do que eu.
Surgunt indocti, et rapiunt coelum — “Os ignorantes levantam-se e conquistam o céu”, disse Santo Agostinho. Quantos rústicos que não sabem ler, mas sabem amar a Deus, se salvam, e quantos sábios segundo o mundo se condenam! Aqueles, e não estes, são os verdadeiros sábios. Que grandes sábios foram um São Pascal, um São Feliz, capuchinho, um São João de Deus, apesar de ignorarem as ciências humanas! Que grandes sábios tantos mártires, tantas virgens, que renunciaram a ilustres alianças, indo morrer por amor de Jesus Cristo! — Numa palavra, os que renunciam aos bens terrestres para se consagrarem a Deus, são chamados homens desenganados. Portanto, os que abandonam a Deus pelos bens do mundo, devem ser chamados homens enganados.
Irmão meu, em qual das duas falanges te queres achar? Para que faças boa escolha, aconselha-te São João Crisóstomo que visites os cemitérios, que são as mais excelentes escolas para aprender a vaidade dos bens terrestres e a ciência dos santos. Proficiscamur ad sepulchra — “Vamos aos túmulos”. Dizei-me: sabes ali distinguir quem foi rei, nobre ou literato?
Eu por mim — acrescenta o santo — não vejo senão um montão de ossos, de vermes e de podridão.
II. Irmão meu, se queres ser sábio, não basta conheceres a importância de teu fim: é preciso também empregares os meios para o alcançares. Todos se quereriam salvar e ser santos; mas como não procuram os meios, não se santificam e perdem-se. É preciso evitar as ocasiões, freqüentar os sacramentos, fazer oração, e mais do que tudo, gravar no coração as máximas do Evangelho, como sejam: Quid prodest homini, si universum mundum lucretur? (1) “Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro? É preciso perder tudo, até a vida, para salvar a alma” (2). Para seguir Jesus Cristo, deve-se recusar ao amor próprio a satisfação que deseja (3). A nossa salvação consiste em fazer a vontade de Deus (4). São estas as máximas e outras semelhantes, que devem freqüentes vezes ser objeto da nossa meditação, se nós também quisermos ser verdadeiros sábios e salvar-nos.
Ó Pai de misericórdia, lançai um olhar sobre a minha miséria e tende piedade de mim. Iluminai-me e fazei-me conhecer o meu desvairamento passado, para o deplorar, e a vossa infinita bondade, para a amar. Ó meu Jesus: Ne tradas bestiis animas confitentes tibi (5) — “Não entregueis às feras as almas que Vos louvam”. Derramastes o vosso sangue para me salvar; não permitais que me torne ainda escravo do demônio, como já o fui no passado. Arrependo-me de Vos ter deixado, o supremo Bem. Amaldiçôo todos os instantes em que, por minha própria vontade, consenti no pecado, e uno-me estreitamente à vossa santa vontade, que só deseja a minha felicidade.
Ó Pai Eterno, pelos merecimentos de Jesus Cristo, dai-me a força para executar tudo o que é do vosso agrado. Deixai-me antes morrer do que opor-me à vossa santa vontade. Ajudai-me com a vossa graça a depositar unicamente em Vós todo o meu amor, e a desligar-me de todos os afetos que não se referem a Vós. Amo-Vos, ó Deus de minha alma, amo-Vos sobre todas as coisas e de Vós espero todos os bens, o perdão, a perseverança em vosso amor e o paraíso para Vos amar eternamente. — Ó Maria, pedi estas graças para mim. Vosso Filho não vos recusa nada. Esperança minha, em vós confio. (*II 93)
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1..Matth. 16, 26.
2. Io. 12, 25.
3. Matth. 16, 24.
4. Ps. 29, 6.
5. Ps. 73, 19.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 339-342.)
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