Et depositum (corpus) involvit sindone — “Tendo descido (o corpo), amortalhou-o num lençol” (Luc. 23, 53).
Sumário. Para que estivéssemos sempre lembrados de seu amor, quis Jesus Cristo deixar a sua sagrada efígie estampada no santo Sudário. Não faltam na vida de Jesus feitos gloriosos cuja imagem nos podia deixar. Sendo, porém, a cor rubra da Paixão a mais apropriada para representar o amor, deixou de parte todos os demais fatos da sua vida, e quis representar perante nós o Homem das dores, a fim de que nos fosse tanto mais amável, quanto mais desfigurado. Amemo-Lo, pois, de todo o coração e soframos de boa mente alguma coisa por seu amor.
I. “Duas coisas”, escreve Cícero, “fazem conhecer um amigo: fazer-lhe bem e sofrer por ele; e esta última coisa é a maior prova de um verdadeiro amor.” Deus já tinha feito brilhar o seu amor para com os homens, em grande número de benefícios; mas, diz São Pedro Crisólogo, logo, julgou muito pouco para seu amor, somente fazer-lhes bem, se não achasse outro modo de lhe mostrar quanto o amava, sofrendo e morrendo por ele, como fez tomando a natureza humana. Por isso escreve o Apóstolo São Paulo, que a morte de Jesus Cristo pela salvação dos homens demonstrou até onde chegava o amor de Deus para conosco, as suas miseráveis criaturas: Apparuit benignitas et humanitas Salvatoris nostri Dei (1) — “Apareceu a benignidade e o amor de Deus, nosso Salvador”.
A fim de que sempre nos lembrássemos deste seu excesso de amor, depois de consumada a Redenção do gênero humano, quis deixar-nos a sua imagem estampada no Sudário em que o envolveram depois da morte. Não faltavam, de certo, na vida de Jesus mil feitos gloriosos, cuja representação nos podia deixar, tais como sejam a adoração dos Magos, a transfiguração no Tabor, a ressureição de Lázaro, a multiplicação dos pães e mais outros. Mas, no dizer de São Bernardo, porque “a cor rubra da Paixão é a mais apropriada para representar o grau supremo e incomparável de amor, Jesus deixou de parte todo o fato glorioso, para se nos representar no estado de miséria predito por Isaías: Como homem de dores, objeto de desprezo e o último dos homens, ferido por Deus e humilhado como um leproso, o mais miserável dos filhos dos homens, coberto de chagas desde a cabeça aos pés, maltratado e desfigurado, até não ter mais parecença de homem: unde nec reputavimus eum (2).
Ah, meu amantíssimo Senhor, em vista de tantos testemunhos do vosso amor, quem poderá deixar de Vos amar? Tinha razão Santa Teresa, ó meu amabilíssimo Jesus, de dizer que, quem não Vos ama, prova que não Vos conhece.
II. O Padre Segneri Júnior aconselhou a uma sua confessada, escrevesse ao pé do Crucifixo estas palavras: Eis aí como se ama! Parece que é isso também o que pelo sagrado Sudário Jesus Cristo quer dizer a cada um de nós, particularmente quando, para evitar algum incômodo, abandonamos o bem que mais Lhe agrada, e chegamos talvez a renunciar à sua graça: Eis aí como se ama! — Com razão dizia São Francisco de Sales: “Todas as chagas do Redentor são outras tantas bocas que nos dizem que devemos sofrer por amor d'Ele; e a ciência dos santos consiste em sofrer constantemente por Jesus”.
Amemos, pois, a Jesus (assim nos exorta o amante Santo Agostinho), amemos a Jesus ao menos por gratidão, amemos de todo o coração ao Esposo Celeste, que nos deve ser tanto mais querido e aceito, quanto mais desfigurado se nos mostra. Devemos patentear este nosso amor sofrendo de boa vontade alguma coisa por Jesus, aceitando com resignação o que Ele mesmo nos envia para nosso bem.
Ó meu amado Salvador Jesus! Vejo-Vos todo coberto de chagas; fito o vosso rosto, já não mais belo, mas todo horrendo de ver e manchado de escarros e sangue. Quanto mais desfigurado Vos vejo, tanto mais belo Vos acho e digno de amor. Que são estas chagas e contusões, senão sinais de vosso amor e de vossa ternura para comigo? Quisestes ser maltratado assim para tornar bela a minha alma e limpá-la das manchas do pecado. Agradeço-Vos, meu Senhor; pesa-me de ter-me ajuntado aos algozes para Vos maltratar. Aceito em espírito de penitência todas as cruzes que queirais enviar, e prometo amar-Vos sempre de todo o meu coração. Ajudai-me com a vossa graça a ser-Vos fiel. “Ó meu Deus, Vós, que deixastes os vestígios da vossa paixão no santo Sudário, no qual José de Arimatéia envolveu o vosso sacratíssimo Corpo: concedei-me, propício, que pelos merecimentos de vossa morte e sepultura chegue à glória da ressurreição.” (3) Fazei-o pelo amor do Coração aflitíssimo de Maria. (*I 544.)
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1. Tit. 3, 4.
2. Is. 53, 3.
3. Or. fest. curr.
(Santo Afonso Maria de Ligório. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Primeiro: Desde o primeiro Domingo do Advento até Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 329-331.)
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