XXII. A SANTA MISSA É O MAIS EFICAZ ALÍVIO
DAS ALMAS DO PURGATÓRIO
Não podendo compreender, durante esta
vida, o rigor das chamas do purgatório, virá, porém, o dia em que o
experimentaremos. Meditemos, enquanto podemos, a doutrina dos Santos e Doutores
da Igreja.
Santo Agostinho diz: "O eleito e o
condenado são atormentados pelo fogo, cuja ação é mais violenta que tudo
quanto, sobre a terra, se pode imaginar, ver e sentir" (Sermão 41). Fosse
este testemunho o único, e bastaria para espantar-nos, porque os males de que a
terra está cheia, são incalculáveis, e nossa capacidade de sofrer é um abismo
de que ninguém sondou a fundo. Pensa nas terríveis doenças que corrompem o
corpo; lê, no martirológio, as torturas espantosas, a que foram submetidos os
confessores da fé, e persuadir-te-ás de que tudo isto é apenas uma pálida
imagem do que te espera, segundo a afirmação de São Cirilo: "Todas as
penas e torturas, diz ele, todos os tormentos desta vida, comparados à menor
pena do purgatório, parecem ainda uma consolação". São Tomás de Aquino afirma
também: "A menor faísca desse fogo é mais cruel que todos os males desta
vida" (In e. Sent. dist. 20, qu. 1. c. 2).
Meu Deus! Como minha alma suportará essas
dores terríveis? Ora, é quase certo que não chegará ao céu sem passar por essas
chamas purificadoras, porque, longe de ser bastante perfeita para evitá-las,
está repleta de manchas e de más inclinações.
Há vários meios eficazes de aliviar as
almas do purgatório; porém, o mais salutar, declara o Concílio de Trento, é o
santo Sacrifício da Missa: "As almas do purgatório são aliviadas pelas
orações e sufrágios dos fiéis, principalmente pelo sacrifício do Altar"
(Conc. Trento, Sess. 25). Dois séculos antes, São Tomás de Aquino dizia:
"Segundo o uso geral, a Igreja sacrifica e ora pelos defuntos e, assim,
liberta-os, prontamente, do purgatório".
A razão é porque, na santa Missa, o
sacerdote e os assistentes não somente pedem misericórdia, mas oferecem também
a Deus um resgate preciosíssimo. As almas do purgatório não estão fora dos
favores de Deus, visto que, por sua contrição e confissão, reconciliaram-se com
Ele, porém ficam prisioneiras, para se purificarem das chamas. Por conseguinte,
se cheio de compaixão, orares por elas, cedendo-lhes teus méritos, contribuis
para saldar uma parte desta dívida de que o Juiz supremo diz: Toma cuidado
"para que não sejas lançado na prisão, donde não sairás sem ter pago o
último ceitil" (Mt. 5, 25-26). Entretanto, se assistes, ou fazes celebrar
a santa Missa por uma destas almas, satisfarás grande parte de sua dívida.
Ignora-se em que medida são remidas as
penas do purgatório pelo santo Sacrifício. Em todo o caso, fica certo que uma
Missa celebrada, ou ouvida durante tua vida, serve-te mais do que outra
oferecida em tua intenção depois da morte, segundo a palavra de Santo Anselmo:
"Uma única Missa assistida por uma pessoa durante a vida, lhe é mais
vantajosa do que muitas oferecidas, em sua intenção, depois da morte". Eis
porque:
1. Se estiveres em estado de graça, quando
ouvires, ou mandares celebrar a santa Missa por ti, obterás um aumento de
glória para o paraíso; vantagem que, mesmo cem missas, celebradas depois de teu
falecimento, não poderiam merecer-te, visto que o tempo de merecer acabou.
2. Se estiveres em estado de pecado
mortal, a santa Missa te atrairá, pela infinita misericórdia de Deus, a luz
necessária para reconhecer os pecados e a dor de havê-los cometidos, dor que te
põe em graça com ele, cousa impossível depois da morte. Se, em vida, já estás
marcado com o selo da reprovação, a santa Missa pode ainda deter-te na beira do
abismo infernal e conceder-te o inestimável benefício de morreres na graça de
Deus.
3. Missas ouvidas, ou celebradas te
esperam além do túmulo, onde, como outros tantos advogados eloqüentes,
solicitarão, para ti, o perdão no tribunal da Justiça divina. Se não te
preservam inteiramente do purgatório, abreviar-lhe-ão a duração e
diminuir-lhe-ão a intensidade. Apesar de Deus aplicar-te todo o fruto de uma
Missa após tua morte, seria ainda mister que fosse celebrada, e deverias
esperá-la.
Supõe qeu morras à tarde e devas
permanecer nas chamas do purgatório somente até a hora da Missa do dia
imediato, oh, como seria longa esta única noite! Supõe mesmo o caso mais
favorável em que tua pena duraria o tempo de uma Missa; caro leitor, esta meia
hora te pareceria ainda uma eternidade. Se te obrigassem a ter a mão em fogo
vivo durante o tempo em que se pode celebrar uma santa Missa, quanto não darias
para escapar a uma prova tão cruel? Entretanto, não atingiria senão a um membro
de teu corpo, e não se pode comparar à pena muito mais intensa que tem sede na
alma. Poderíamos ter menos compaixão de nossa alma que de nosso corpo? Em todo
caso, é melhor que as Missas nos esperem na outra vida do que termos que
esperá-las. Amontoemos, pois, tesouros no céu, pela piedosa assistência à santa
Missa, porque a noite virá, e quem trabalhará então por nós?
4. A esmola que consagras para fazer
celebrar a santa Missa, é um dom espontâneo, voluntário, muito agradável a
Deus, ao passo que, depois de tua morte, não será mais dado por ti, mas por
teus herdeiros. Não vemos, todos os dias, como demoram a satisfazer os piedosos
desejos dos moribundos?
Acredita-nos, é mais conveniente assegurar
o futuro, desde a vida presente, enquanto podes dispor de teus bens.
5. Enfim, não esqueçamos que o tempo
presente é o tempo da misericórdia, e o tempo futuro, o da justiça. São
Boaventura diz: "Assim como uma palheta de ouro é mais preciosa do que um
pedaço de chumbo, também uma pequena penitência, a que nos submetemos,
voluntariamente, nesta vida, é mais agradável aos olhos de Deus do que uma
grande penitência feita na outra.
Ah, se pudesses contemplar, com teus olhos
mortais, os rios de graças que, do altar, se derramam sobre o purgatório, com
que pressa procurarias, para as almas exiladas, este divino benefício! Não
objetes tua pobreza. É verdade, a pobreza pode privar-te do prazer de mandar
celebrar os divinos Mistérios; porém, não te explicamos que a simples audição
da santa Missa é, por si, muito meritória? Pede a teus amigos que ouçam também
uma ou mais Missas, na intenção das almas do purgatório.
Era o conselho de um homem de Deus a uma
pobre viúva que lamentava não poder mandar celebrar Missas por seu defunto
marido: "Assisti, freqüentemente, ao santo Sacrifício por ele; deste modo
será mais prontamente libertado do que por uma ou duas Missas celebradas em sua
intenção". Este excelente conselho o damos, de bom grado, aos pobres; não
que seja menos vantajoso fazer celebrar a Missa, quando se pode, porém, é uma
consolação para a alma do purgatório ver-te oferecer, por ela, nosso Senhor a
seu Pai. Então o precioso Sangue inunda-a como orvalho celeste. Jamais um
doente devorado pela febre foi tão aliviado por um copo d'água fresca, como
nossos caros defuntos, quando na santa Missa, derramamos, misticamente, sobre
eles algumas gotas deste Sangue divino.
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