XX. A SANTA MISSA AUMENTA EM NÓS A DIVINA
GRAÇA E A GLÓRIA CELESTE
É uso, nas cidades e nos arrabaldes, haver
mercados e feiras, onde se vendem toda a espécie de objetos úteis.
A própria Igreja, e o céu também, têm,
diariamente, um mercado. Que oferecem? A graça divina e a glória celeste. Mas
são cousas preciosas; onde achar bastantes meios para comprá-las? Não tenhas
nenhum receio pois podem-se adquirir gratuitamente. O profeta Isaías no-lo
afirma: "Vós que não tendes dinheiro, vinde, aproximai-vos, comprai sem
troca" (Is. 55, 1). Com efeito, o Senhor as dá sempre gratuitamente,
porém, raras vezes, com tanta abundância como na santa Missa, o que provaremos
neste capítulo.
Em primeiro lugar, porém, devemos
compreender bem o que é a graça.
A graça é um dom, um socorro sobrenatural
que Deus nos concede em virtude dos méritos de Jesus Cristo. Distinguem-se duas
espécies de graça: a "santificante" e a "atual".
A graça "santificante" é um
estado de alma que nos torna justos aos olhos de Deus e nos dá o direito de
herdar os bens eternos. Esta graça, elevando-nos acima da nossa própria
natureza, nos torna participantes da natureza divina. Segundo o Concílio de
Trento, não é somente "a remissão de nossos pecados com favor sensível da
bondade de Deus", porém "um estado divino, uma luz brilhante, que nos
embeleza a alma", a qual permanece neste feliz estado até que percamos a
graça pelo pecado mortal.
A graça "atual" é um socorro
passageiro, pelo qual Deus ilumina-nos o entendimento e comove-nos a vontade,
para evitar o mal e fazer o bem. Se nossa alma está morta, a graça atual ajuda
a recuperar a graça santificante; se, pelo contrário, está na amizade de Deus,
a graça atual, ajudando-nos a fazer boas obras, aumenta, de mais a mais, esta
amizade divina.
São Tomás de Aquino ensina que "a
graça concedida a uma alma vale mais que o mundo inteiro e tudo quanto
encerra". O próprio céu com o seu esplendor não lhe pode ser comparado.
Grandiosos são os efeitos da graça de
Deus: reveste, em primeiro lugar, a alma de uma beleza sem igual. Comparando
com este esplendor o sol, as estrelas, as flores, parecem embaciadas,
descoradas, sem encantos. Se te fosse dado vê uma alma em estado de graça, tudo
o que então tivesse algum brilho para ti, aparecer-te-ia, depois, sem encanto,
segundo a palavra do Bem-aventurado Blósio: "Se a beleza de uma alma em
estado de graça pudesse ser contemplada, ficaríamos arrebatados".
Em segundo lugar, a graça é o laço da
caridade entre Deus e o homem. Por ela o Criador e a criatura tornam-se, um
para a outra, ternos e confiantes amigos, segundo a palavra de Jesus Cristo:
"Não vos chamarei mais servos, e, sim, amigos" (Jo. 15, 15).
Ora, que há de maior, de mais excelente do
que ser chamado amigo de Jesus Cristo e sê-lo realmente? Esta dignidade
ultrapassa a natureza humana, porque tudo serve ao Senhor e nada existe que não
esteja sob seu domínio. É por isso que Deus eleva os servos a uma dignidade
sobrenatural, chamando-os seus amigos e tratando-os como tais. E quando, por
nossa infelicidade, pelo pecado, quebramos o laço desta terna amizade, Deus não
se afasta inteiramente, fica esperando à porta de nossa alma, bate docemente e
pede para entrar: "Eis que estou à porta e bato: se alguém me ouvir a voz
e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele e ele comigo"
(Apoc. 3, 20).
Enfim, terceiro, a alma santificada é de
tal modo enobrecida, que se torna a própria filha de Deus. Que honra para o
filho de um mendigo ser adotado por um príncipe! Que honra infinitamente maior
sê-lo pelo soberano Senhor!
A este pensamento São João exclama como em
êxtase: "Considerai, o amor que nos mostrou o Pai foi tal que chegamos a
ser chamados filhos de Deus e o somos" (I Jo. 3, 1). E São Paulo
acrescenta: "Se somos filhos, também somos herdeiros, verdadeiramente,
herdeiros de Deus, e coerdeiros de Cristo" (Rom. 8, 17).
Ser herdeiro de Deus! que sorte, que
glória! Nada poderia fazer-nos melhor compreender a excelência da graça desta
adoção divina, que é, ao mesmo tempo, a prova manifesta do amor infinito de
Deus por suas pobres criaturas.
Ora, esta graça santificante é, sem
cessar, aumentada pela nossa correspondência à graça atual, pela qual Deus orna
a alma de virtudes, de piedade, cumula-a de consolações, inspira-lhe santos
desejos, concede-lhe a alegria espiritual, protege-a, fortifica-a, governa-a,
une-se-lhe, enfim estreitamente e lhe dá tudo o que contribui para a vida e a
piedade.
Estas explicações ensinar-te-ão a conhecer
o valor infinito da graça.
Agora provaremos, até a evidência,
primeiro, que a santa Missa aumenta poderosamente a graça, depois, que nos
aumenta a glória futura, e finalmente, insistiremos sobre a Comunhão espiritual
como sobre uma parte da santa Missa muito própria para enriquecer-nos a alma de
novas graças.
Um piedoso autor dizia: "Não somente
o sacerdote, mas também os que mandam dizer a Missa ou a assistem, podem,
conforme sua piedade, merecer um acréscimo de graça ou de glória, e este
benefício lhe é abonado em virtude de sua cooperação ao santo Sacrifício.
O sacerdote é o primeiro beneficiado; os
que mandam dizer a Missa, por si ou por outrem, tiram igualmente os preciosos
frutos e um aumento de graças, se estão na amizade de Deus. Finalmente, os
assistentes têm parte, não somente pela devoção para com o santo Sacrifício,
como também em recompensa das virtudes múltiplas que exercem; assistindo-a,
renovam, no coração, a dor de haver pecado, cada vez que batem no peito;
exercem a fé, reconhecendo a presença real de Jesus na santa Hóstia e sua
imolação pelos pecados dos homens. Esta crença é o fundamento de nossa
salvação. Além da fé, produzem ainda atos de adoração interior e, se bem que
estes sentimentos sejam devidos a Nosso Senhor, contudo nosso bom Mestre não os
julga menos agradáveis e neles se compraz particularmente.
Se, na elevação da Hóstia e do Cálice,
ofereces este dom divino ao Pai eterno, fazes um ato de grande merecimento e,
se oras pelos vivos e pelos mortos, acrescentas um ato de caridade; finalmente,
se participas do Corpo e do Sangue de Jesus Cristo, ao menos pela Comunhão
espiritual, mereces graças particulares.
Além disso, por causa do desprezo dos
hereges pelo divino Sacrifício do Altar que consideram idolatria, Deus olha,
amorosamente, para os que reparam estes insultos por sua piedosa assistência.
Os Santos Padres falam, freqüentemente, nas recompensas especiais, concedidas a
este ato de reparação. São Cirilo diz: "Os dons espirituais serão,
abundantemente, distribuídos aos que assistirem à santa Missa". São
Cipriano nota por sua vez: "O pão sobrenatural e o cálice consagrado
contribuem para a vida e a salvação do homem". Também o Papa Inocêncio III
afirma: "Pela eficácia do santo Sacrifício, todas as virtudes nos são
aumentadas e os frutos da graça nos são profusamente distribuídos". São
Máximo, exorta aos cristãos "a não desprezarem a santa Missa, porque as
graças do Espírito Santo nela são comunicadas aos assistentes".
Citamos ainda o testemunho de Osório:
"Deus Padre vos dá, na santa Missa, seu Filho único, em quem reside, unida
à humanidade, a plenitude da divindade e onde se acham ocultos todos os
tesouros da sabedoria. Dando-nos seu Filho, dá-nos tudo".
Sim, dá-nos Jesus com seus méritos, suas
satisfações, seu corpo e sua alma. Que poderia dar mais? E que meio mais cômodo
poderia inventar, para permitir-nos participar destes tesouros infinitos?
Certamente, se tua alma está na indigência, deves, unicamente, ao teu
imperdoável torpor, à tua preguiça espiritual.
Oh delicioso e incompreensível dom da
glória celeste para a qual fomos criados e pela qual nosso coração suspira
ardentemente! Como poderemos tratar de aumentá-la, visto que o Apóstolo
exclama: "Os olhos não viram, nem o ouvido, nem jamais veio à mente do
homem, o que Deus preparou para aqueles que o amam!" (Cor. 2, 9). A santa
Igreja ensina, é verdade, que as boas obras aumentam a graça e a glória futura,
porém não indica o grau desta glória.
Contentemo-nos, pois, com as palavras de
Nosso Senhor a Santa Gertrudes: "O cristão aumenta os méritos para a vida
eterna cada vez que assiste, devotamente, à santa Missa". É desta
recompensa eterna que o Evangelho diz: "Derramar-vos-ão, no seio, uma boa
medida, bem cheia e recalcada e transbordante". (Lc. 6, 38).
Efetivamente, na Missa merecemos um novo
grau de glória. O santo Sacrifício é como uma escada celeste: cada vez que o
fiel assiste, sobe um degrau e torna-se mais belo, mais resplandecente, mais
glorioso, mais estimável aos olhos de Deus e dos Santos. Cada vez que assistes
à Missa, o céu o registra e te assegura um grau de glória mais elevado. Esta
glória pode ser roubada pelo pecado mortal, mas, pela extrema bondade de Deus,
ela te será restituída após uma humilde confissão. Que glória, que riqueza, que
felicidade te esperam lá em cima, se todos os dias assistires ao santo
Sacrifício!
"Aquilo que de tribulação nos vem no
presente, momentâneo e leve, produz em nós, de modo incomparável e maravilhoso,
um peso eterno de glória". Grava, cristão, estas palavras no coração, e
convence-te de que, se o Apóstolo promete tão bela recompensa aos sofrimentos
momentâneos, Deus reserva graças muito mais insignes aos fiéis que assistem à
santa Missa, porque a esta prática ligam-se uma multidão de pequenas
mortificações, e bem as conheces. A igreja acha-se afastada de tua casa; é necessário
levantar-se mais cedo; o caminho é mau e perigoso no inverno, o vento frio
sopra-te no rosto; no verão, o sol dardeja sobre ti os ardentes raios; depois,
o ofício é, algumas vezes longo, o fervor desaparece, um trabalho urgente te
espera, um lucro te escapa. Mas, coragem! Na santa Missa, há tantos títulos de
glória, tantos tesouros para o céu!
Depois de haver declarado ser o desejo da
santa Igreja que todos os fiéis fizessem a santa Comunhão na Missa que
assistem, o santo Concílio de Trento recomenda, instantemente, aos que se
reconhecem indignos da recepção da Eucaristia, fazer, pelo menos, a Comunhão
espiritual que consiste no ardente desejo de receber Jesus Cristo. Esta prática
não seria tão recomendada, se não fosse proveitosíssima às nossas almas e um
dos principais meios de aumentar-nos a graça divina e a glória celeste.
Quando Jesus Cristo estava na terra, fez
muitas curas pela imposição das mãos; a muitos, porém, restituiu a saúde de
longe, sem estar presente, como, por exemplo, à filha da Cananéia e ao servo do
centurião. A infinita generosidade de Nosso Senhor não se limita às almas que
se aproximam dignamente de seu Sacramento de amor, estende-se também as que não
podem recebê-lo sacramentalmente. Não diz ele: "Eu sou o pão da vida; o
que vem a mim não terá mais fome, e o que crê em mim, não terá mais sede"?
Ir a Jesus é crer nele e amá-lo. Quem for a ele deste modo será saciado. Jesus
Cristo não ligou sua graça à santa Comunhão, de forma que não possa concedê-la
sem a recepção do Sacramento. Uma Comunhão espiritual, feita com ardentes
desejos, produz-nos mais graças que uma Comunhão sacramental feita sem fervor.
A intensidade de nossos desejos é a medida da graça que nos vem pela Comunhão
espiritual.
Mas, como fazer para bem comungar espiritualmente?
O sábio Fornero, bispo de Hebron, no-lo ensina: "Todos os que ouvem a
santa Missa com boas disposições, são nutridos, de maneira mística, com o corpo
de Jesus Cristo. A virtude da santa Missa é tão grande que basta unir-se
espiritualmente ao sacerdote, para participar com ele do fruto do
Sacrifício" (Sermão 83). - Esta doutrina é muito consoladora, para os que
desejam fazer a Comunhão espiritual e não sabem fazê-la. Basta dizer: Uno minha
intenção com a do sacerdote, e desejo, comungando com ele, participar do santo
Sacrifício.
"Assim como os nossos membros que não
comem, acrescenta o bispo de Hebron, nutrem-se tão bem como a boca, da mesma
maneira, os que assistem à santa Missa nutrem-se, espiritualmente, por
intermédio do sacerdote, sem comungar realmente. Também é justo que o que está
em espírito com o celebrante à mesa do Senhor, seja nutrido em espírito com
ele. Se os convidados de um rei não saem com fome da sala do festim, como nosso
divino Salvador deixaria ir embora, sem ficarem saciados, os que vieram
adorá-lo na santa Missa!"
A santa Missa; a grande ceia do Senhor;
aí, cada um recebe sua parte a não ser que feche, obstinadamente, a boca de sua
alma diante da mão de Jesus Cristo, que lhe oferece o Corpo em alimento.
A Comunhão espiritual é, portanto, santa e
salutar. A santa Igreja diz expressamente: "Aqueles que, pelo desejo,
comem deste pão celeste, sentem-lhe o fruto e a utilidade, em virtude da fé
viva que a caridade torna fecunda" (Conc. de Trento, sessão 13).
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