De: "Pensamentos sôbre os Evangelhos e sôbre as festas do Senhor e dos Santos" - Pe. João Colombo. Nihil obstat: Pe. João Roalta - Imprimatur: Mons. J. Lafayette
Título original: "Pensieri sui Vangeli e sulle Feste del Signore e dei Santi" Milão, Itália.
Escrito entre 1927-1938. Primeira edição em 1939.
Lc. XXI, 25-33.
3- NO DIA DO JUIZO OS PAPÉIS SERÃO INVERTIDOS
Longe da sua pátria, sozinho numa triste gruta, entre as mais ásperas penitências do estudo, S. Jerônimo chorava o tempo passado nas dissipações. Parecia-lhe haver ofendido por demais o Senhor, e que todas as asperezas que ele infligia ao seu corpo não bastavam para aplacar a ira de Deus. Tinha medo do juízo que o Senhor devia fazer da sua alma. E, de noite, quando ouvia o silvo do vento, parecia-lhe ouvir o som das trombetas angélicas que chamavam os mortos ao vale de Josafat para a sentença final: então pulava do seu duro catre, prostava-se de joelhos, e, batendo-se com os seixos da espelunca, invocava a misericórdia de Deus.
E era um santo.
Que devemos então dizer nós, que tantos pecados temos cometido? Que será, ó cristãos, da nossa alma quando nos acharmos perante o tribunal de Deus?
Confessemo-lo com coração sincero: pensamos pouquíssimo nestas verdades. Elas nos parecem coisas tão longínquas, que quase se perdem e se diluem na imensidade do tempo, como se nunca devessem suceder. Às vezes temos a ilusão de que aos outros sim, porém a nós elas nunca sucederão.
E, no entanto, aquele dia virá.
No dia de hoje Jesus fala-nos muito claro. Depois de sinais grandiosos e espantosos que se desenvolverão no céu e sobre a terra, Ele chegará fulgurante de poder e de majestade. E os papéis serão invertidos.
Então chorarão os que gozaram; ao contrário, os que na vida sofreram, os que semearam de lágrimas o seu caminho, estes serão cumulados de gláudio imenso.
O pensamento do que acontecerá nesse último dia sirva também a nós, como serviu aos Santos, para nos fazer passar bem o tempo da vida que ora vivemos.
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1- Chorarão os que gozaram.
Quando, na guerra européia, os bolchevistas entraram na cidade de Sebastopol, enviaram à morte muitas pessoas sem sequer um processo. Levavam os condenados para sobre os escolhos, atavam-lhes aos pés grandes pedras, e depois os precipitavam no mar.
Assim foi justiçado um almirante. Mas, depois que ele foi lançado ao mar, eles se lembraram de que ele trazia consigo documentos importantes. Foi dada ordem a um mergulhador para pescar o cadáver. De fato, ele desceu à água; porém, mal tocara o fundo do mar, deu o sinal para ser içado.
Foi retirado louco de terror,pronunciando frases desconexas. Curado após alguns dias, narrou que, chegando ao fundo do mar, se achara perante uma espantosa assembléia: todos os mortos lá estavam eretos, e pareciam vir-lhe ao encontro para o ameaçarem com atroz vingança.
Era esse um fenômeno natural que, no momento, o mergulhador não soube explicar. Os cadáveres que já desde alguns dias estavam nas águas, tornados leves pela decomposição, tendiam a subir ao alto, mas não o podiam, por estarem firmados, nos pés, pelas pedras a que estavam amarrados.
Se a vista de alguns cadáveres que bamboleavam sob o impulso das correntes marinhas fez enlouquecer de espanto um homem já habituado ao risco, pensai no que será quando todos os pecados se apresentarem à mente em toda a sua fealdade, e envolverem a alma para esmagá-la e oprimi-lá sob o seu peso! Coisa bem diversa dos cadáveres vistos pelo mergulhador! Aqueles furtos, aquelas desonestidades, aquele ódio, aquele escândalo que em vida eram objeto de regozijo, tornar-se-ão motivo de horror, de angústia, de pranto.
Chorarão os que gozaram.
O escafandrista de Sebastopol pôde dar o sinal, e assim tiraram-no das águas; mas diante do tribunal de Deus não haverá nenhum meio de salvação. As trombetas angélicas já terão assinalado o término de toda misericórdia.
Ó cristãos, se aqueles que gozam a vida no meio de pecados devem esperar por um tal fim, não vale a pena invejá-los.
Ó cristãos, vale realmente a pena invejar os que gozam a vida no meio dos pecados?
2- Gozarão os que choraram.
Suponde que um filho, saído de casa para ir á guerra, seja feito prisioneiro em terra longínqua, estrangeira. Os seus, especialmente sua mãe, nada mais souberam dele. Morto? Desaparecido? Ninguém pode dizer coisa alguma.
Termina a guerra, e ele quer voltar para casa, mas não pode: é-lhe absolutamente proibido. Quereria ao menos escrever algumas linhas, dizer aos seus que está bem, que venham buscá-lo, que lhe façam saber se sua mãe ainda está neste mundo: mas não lho permitem.
Ora, suponde que, um dia, esse soldado possa fugir, e, depois de viagens e esforços e fadigas sem número, uma noite ele chegue finalmente à sua aldeia e, empurrando cautelosamente a porta da sua casinha rústica, ao frouxo clarão da candeia, ele veja o rosto de sua mãe; dizei-me, poderíeis imaginar o delírio de alegria que se teria naquela casa e naquela aldeia?
Contudo, é esta uma imagem pálida daquilo que sucederá para os bons no dia do juízo universal. Na vida, nós somos soldados que combatem para conquistar a pátria celeste. Neste vale de exílio, quanto trabalho, quantos esforços, quantas lutas para vencermos, para nos mantermos livres! Mal vencemos uma prova, outra mais dura começa. Parece-nos já possuirmos o Paraíso, e eis que a tentação, uma borrasca ameaça arrebatar-no-lo. A vida é sempre assim. Mas no dia do juízo tudo estará findo; a dor não passará de uma doce recordação. Começará a festa perene.
Se vivêssemos os nossos dias sob a luz que vem desse dia, como carregaríamos de bom grado a nossa cruz! Os Santos compreendiam muito bem estas coisas.
S. Pedro Mártir, exorcista da Igreja de Roma nos primeiros tempos do cristianismo, quando foi lançado em prisão pela fé, disse ao carcereiro estar pronto, em nome de Cristo, a livrar a filha dele do demônio de que estava possessa havia vários anos. Surpreso ante tal proposta, o carcereiro perguntou-lhe por que não se servia da onipotência do nome de Jesus para se livrar a si mesmo da prisão.
E ele: “Conheço muito bem as vantagens dos meus grilhões, e por motivo algum quereria libertar-me”.
Se pudermos levar um pouco de conforto a nossos irmãos, faça-mo-lo sempre de bom grado; porém, ao contrário, as nossas cruzes, apreciemo-las como elas merecem, e, antes de pedirmos ao Senhor que no-las tire, peçamos-lhe, nos dê força para carregá-las com resignação e amor. Tanto mais gozaremos quanto mais houvermos trabalhado, sofrido, chorado por amor de Deus.
Conclusão.
Um rei idólatra, da Bulgária, deu ordem a S. Metódio para pintar no seu palácio a coisa mais terrível e espantosa que ele soube-se. O bom religioso, recomendando-se a Deus para que o seu trabalho resultasse bem frutuoso para a alma do rei, pôs-se a pintar o juízo universal. Completada a obra, avisou o rei que se dignasse de ir vê-la. Este, avistando a terrível majestade de Deus no ato de amaldiçoar os condenados, foi presa de grande temor, e perguntou o que era que significava aquele espetáculo espantoso. Então o santo explicou-lhe com tanta ousadia, que, cedendo à graça divina, quis o rei idólatra receber o Batismo. Depois do que, quase todos, no seu reino, abraçaram a fé cristã.
Não um santo, porém o próprio Jesus Cristo fala a nós, no dia de hoje, sobre o juízo universal. De nos convertermos da idolatria, talvez não tenhamos necessidade; mas há que avivar a fé na vida futura. Há que pedir ao Senhor que nos faça desprezar as alegrias do mundo, e amar as nossas cruzes, que nos fazem ganhar as alegrias do céu.
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