30 de novembro de 2009

Reflexão sobre o Evangelho Dominical - I Domingo do Advento - Parte 2 de 6

1º Domingo do Advento

De: "Pensamentos sôbre os Evangelhos e sôbre as festas do Senhor e dos Santos" - Pe. João Colombo. Nihil obstat: Pe. João Roalta - Imprimatur: Mons. J. Lafayette

Título original: "Pensieri sui Vangeli e sulle Feste del Signore e dei Santi" Milão, Itália.
Escrito entre 1927-1938. Primeira edição em 1939.

Lc. XXI, 25-33.


2- O JUÍZO UNIVERSAL: DIA DA JUSTIÇA

Muitos, tendo visto que neste mundo os acontecimentos se desenrolam muitas vezes sem justiça, escandalizados disserem que a Providência não existe.
No tempo dos antigos Gregos, o filósofo Aristóteles, com um senso de amargura profunda, escreveu que a justiça deste mundo é uma teia de aranha que detém os mosquitos e deixa passar os pássaros.
No tempo dos Romanos, Bruto, defensor da liberdade republicana, quando em Filipes, viu os seus exércitos desbaratados e a sua causa perdida, matou-se com sua própria mão, exclamando: “Virtude, tu não passas de um nome!”
E quantas vezes, na história, se encontram pessoas culpadas de atrozes crimes, as quais com o fulgor do ouro fizeram empalidecer as leis, e deslumbraram os juízes!
E mesmo pela nossa experiência quotidiana podemos concluir que neste mundo, os mais felizes nem sempre são os melhores, e as desgraças nem sempre vem recair sobre os que as mereceram.
Contudo, a justiça finalmente virá.
“Observai a figueira, e, em geral, todas as plantas. Quando a casca – dizia Jesus – se torna mais tenra e úmida, quando os gomos entumescidos deixam transparecer na ponta um olho verde, dizeis que já vem a primavera. Pois bem, dar-vos-ei os sinais para conhecerdes a chegada da minha justiça.
Sinais na terra: irromperão guerras de povo contra povo, propagar-se-ão doenças contagiosas de cidade em cidade, e longos incêndios arderão sobre toda a face do mundo. Tristes e mudos, os viventes de então consumir-se-ão pelo medo e pela expetação.
Sinis no céu; o sol apagar-se-á rugindo como um ferro em brasa na água, a lua negará os seus pálidos raios, as estrelas, como ébrias, sairão do seu caminho e precipitar-se-ão; toda potência do universo se abalará.
Então, sobre as nuvens, com poder e majestade, ver-se-á vir o Filho de Deus.”
E Ele revelará.
E falará.
E condenará.

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1 – E revelará.
Quando na escuridão de um aposento penetra um repentino feixe de luz, num lance de olhos vê-se tudo o que há no aposento: vê-se até o grão de pó sobre os móveis, e os corpúsculos que dançam no vazio. Assim será no aparecer do Filho de Deus: toda a nossa consciência será invadida pela sua luz fulgurante. Nem um ângulo ficará na sombra, nem uma página da nossa vida ficará obscura. Aquela será a hora da verdade.
Aquelas visitas frequentes, aqueles passeios, aqueles encontros que se acreditou encobrir sob o pretexto de uma amizade inocente, ou de um justo passatempo, aparecerão então quais são, motivos de paixão impura.
Aquelas coisas que se levavam para casa sob pretexto de compensar-nos da injustiça paga ou daquilo que nos haviam tirado, então aparecerão qual realmente são: um furto.
É fácil, neste mundo, perder a Missa com a desculpa de que falta tempo, descuidar da Doutrina cristã a pretexto dos negócios, omitir as orações da noite por causa do cansaço;mas então todos saberão que não se achava tempo para os deveres religiosos, mas achava-se tempo – e quanto! - para os divertimentos, para as palestras, para o jogo, para os pecados.
É fácil, neste mundo, profanar pelo trabalho o dia festivo, e esconder o próprio pecado sob a aparência de uma necessidade ou da urgência; mas a avareza sórdida que nos impele a este sacrilégio será desvendada naquele dia.
Tudo será desvendado: mas sobretudo os pecados conservados ocultos mesmo na Confissão, e arrastados dia a dia com uma longa cadeia de sacrilégios.
Quem pode imaginar a confusão do réprobo, descoberto aos olhos de todos, aos olhos de Deus?
Efrém era diácono de Edessa, quando por uma pessoa impudica foi solicitado a ofender o Senhor. E depois de haver tentado em vão todos os recursos para converter aquela alma infeliz, apegou-se a um estratagema.
“Esta bem – disse – ele finalmente – já que não queres aderir às minhas palavras persuasivas, condescenderei com as tuas, contanto que me concedas escolher o lugar”.
“E onde?”.
“Na praça do mercado de Edessa”.
Porém ela recusou, horrorizada de vergonha.
“Estulta! - replicou o santo. - Se temes o olhar destes cidadãos, como poderás sustentar o olhar fulgurante de Cristo juiz, quando com Ele te olharem os cidadãos de odos os séculos e de todas as cidades? Quando não um só, porém todos os pecados da tua vida forem revelados?”

2- E falará.
Santa Catarina de Sena, uma noite em que orava de joelhos diante do Crucifixo, viu sair uma luz das chagas do Senhor, e depois ouviu um gemido que a censurava por ter estado naquele dia distraída na meditação.
A santa começou a tremer de espanto, e um suor gélido regou-lhe os membros, e dos seus olhos caíram amaríssimas lágrimas.
“Experimentei uma dor tal – manifestou ela depois – como não provarei jamais, nem mesmo se me envergonhassem diante do rei do mundo. Eu preferiria caminhar por meses e meses sobre uma estrada tecida de espinhos, a tornar a sentir a punção daquela censura”.
E, no entanto, o defeito dela era um pequeno defeito, e talvez não totalmente voluntário. Todavia Jesus lhe falava por amor, querendo purificá-la de toda fraqueza e transportá-la a uma altíssima perfeição. Que aturdimento indizível não deverá ser, pois, o dos réprobos quando no seu furor, Cristo os exprobrar pelos seus enormes pecados? Loquetur ad eos in ira sua, et in furore suo conturbabit eos. (Ps., II, 5).
“Presta-me conta – dir-nos-á Ele – da vida que te dei. Onde esta o bem que fizeste em trinta, quarenta, cinquenta anos? Quantas são as tuas Comunhões, mortificações, esmolas, boas obras?”
“Presta-me conta – dir-nos-á Ele – das minhas boas inspirações. Que fizeste daqueles pensamentos de bem que dia a dia eu te enviava? Que fizeste daqueles remorsos com que eu te pungia o coração quando ouvias as prédicas, quando te achavas na solidão? Enxotaste-os como moscas, sufocaste-os: agora mos pagarás”.
“Presta-me conta – dir-nos-á Ele – da tua família. Teus pais te educaram bem, te ensinaram a respeitar a minha lei e o meu nome, mas tu por que esqueceste os ensinamentos deles? Teus filhos por que não cresceram bons? E como podiam crescer tais, se não te preocupavas com eles, se os não castigavas quando eles fugiam da igreja, se os escandalizavas com maus exemplos?”
Presta-me conta – dir-nos-á – dos sacerdotes que eu coloquei perto da tua alma. Eles te ensinavam, e tu não ias ouvi-los. Pregavam, e tu fechavas os ouvidos. Censuravam-te em meu nome, e tu os odiaste”.
“Presta-me conta – dir-nos-á ele – dos meus sacramentos. Tinhas na alma o demônio, e não ias confessar-te: desprezas-te o sacramento do perdão, e agora pretendes que eu te perdoe? Oh! Quantas vezes te esperei no silêncio do Tabernáculo, e não vieste! Esperei-te na Páscoa, esperei-te nas Quarenta Horas, esperei-te no dia do Perdão, esperei-te no dia de Finados . . . E não vieste?”.
“Ah! Presta-me conta do meu sangue. O sangue que eu derramei debaixo das oliveiras, o sangue da flagelação, o sangue da coroação de espinhos, o sangue das minhas mãos e dos meus pés, o sangue do meu coração. Todo o sangue foi inútil para ti”.
Quid sum miser tum dicturus? Míseros, confundidos, nus, sob o olhar pungente de todos os homens que existiram, que existem, que existem e que existirão, quem de nós ousará responder alguma coisa?

3- E condenará.
Antes do alvorecer Santo Agostinho foi acordado por um gemer longo e por um soluçar dilacerante que lhe vinha da rua.
Dois homens semi-nus, de barba e cabeleira sórdida e comprida, magros e famintos, tremiam convulsivamente diante da porta do bispo. Entrementes, todo o povo de Hipona acorrera para os ver.
“Como vos chamais?’ perguntou Santo Agostinho.
“Paulo e Paládio”, responderam eles, sem cessarem de chorar e de tremer.
“Sossegai, nós vos socorreremos”.
“É impossível sossegarmos. Estamos vindo de Cesaréia da Capadócia, onde eramos sete irmãos e três irmãs. Ofendemos nossa mãe viúva, e ela amaldiçoou-nos, e a sua maldição passou à nossa pele, à nossa carne, ao nosso sangue, aos nossos ossos. E como estais vendo, faz-nos tremer noite e dia sem trégua . . . Santo de Deus, livra-nos da maldição de nossa mãe, ou, se mais não puderes, faze-nos ao menos a graça de morrermos”.
Santo Agostinho orou por eles, e Deus livrou-os.
Refleti cristãos; se tanto pode naqueles filhos a maldição de uma mãe terrena, que não produzirá em nós a terrível, irrevogável, final maldição de Deus, nosso pai, ofendido pelos nossos pecados? Ite, maledicti, in ignem æternum.
Agora não sabemos compreender o que importe a privação de Deus; apenas podemos fazer uma idéia bastante remota e confusa.
Imaginai se nesta igreja faltasse o ar: os nossos olhos se entumesceriam, as faces tornar-se-nos-iam lívidas, abriríamos a boca delirando, sufocaríamos. Um tormento que a isto se assemelha, porém, infinitamente maior, experimentará a alma que, amaldiçoada, sente privar-se de Deus, que é a sua respiração.
Ter sempre sede, sem jamais beber; ter sempre fome sem jamais comer; tremer de frio sem uma chama, arder pelo fogo sem uma aragem que nos refresque: assim a alma sem Deus.
Terríveis tormentos, mas esta triste recompensa o próprio pecador invoca-a sobre si, pecando. E, quando soar a mobilização geral das consciências, quando sobre toda a terra atroar o grito tremendo; - Levantai-vos, ó mortos! - então Deus não fará senão sancionar aquilo que cada um quis para si.
“Ó cristão! Com o pecado tu te degradaste a ti mesmo, seja feita a tua vontade, para sempre. Fiat voluntas tua, in aeternum”.
“Ó cristão! Com o teu pecado expulsaste-me do teu coração. Eu ratifico: para sempre. In aeternum”.
“E agora vai-te, pois não te conheço mais: para sempre. In aeternum”.

Conclusão.
Um pequeno Rei declarara guerra a um grande Rei. Mas depois sentou-se, e começou a refletir: ‘Como posso nutrir esperanças de vencê-lo, se conto apenas com dez mil soldados, quando o meu adversário conduz mais de vinte milhões?” E, sabiamente, enquanto os exércitos ainda estavam longe, enviou uma embaixada pedindo humildemente a paz e os pactos de submissão. Legationem mittens rogat ea quae pacis sunt. (Lc., XIV , 32).
Ora, o Evangelho deste primeiro domingo do Advento assegura-nos que Jesus Cristo, o grande Rei sobre cujo flanco esta escrito o sinal do poder infinito, Rex Regum et Dominus dominantium. (apoc., XIX, 16), deve vir do céu a julgar a terra. Que somos nós diante dEle? Acaso pretendemos resistir-lhe?
Obremos sabiamente como o pequeno rei da parábola: enquanto ainda está longe, enquanto ainda estamos em tempo, peçamos-lhe os pactos de paz, e sujeitemo-nos a todos os seus doces mandamentos.

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