23 de novembro de 2009

Reflexão sobre o Evangelho Dominical - XXIV e Último Domingo depois de Pentecostes - Parte II

24º e Último Domingo depois de Pentecostes


De: "Pensamentos sôbre os Evangelhos e sôbre as festas do Senhor e dos Santos" - Pe. João Colombo. Nihil obstat: Pe. João Roalta - Imprimatur: Mons. J. Lafayette

Título original: Pensieri sui Vangeli e sulle Feste del Signore e dei Santi" Milão, Itália.
Escrito entre 1927-1938. Primeira edição em 1939.

Evangelho: Mt. XXIV, 13-35.

2. O JUÍZO
A Félix, governador de Cesaréia, devia parecer estranho aquele homem que, com um bilhete de recomendação, de um seu colega de Jerusalém, Cláudio Lísia, lhe enviava para julgar. Aquele homem era hebreu, e os hebreus queriam matá-lo; frequentava as sinagogas e ensinava uma religião nova: ainda não tinha visto Roma, e era cidadão romano desde o nascimento; tinha os olhos doentes e o olhar fulmíneo: Paulo de Tarso.
O prisioneiro era tão interessante, que o governador Félix e sua mulher Drusila muitas vezes o chamavam às suas salas para o ouvirem falar da fé em Jesus Cristo. E Paulo falava, sem medo; falava de justiça aquele homem que todos os dias a calcava aos pés; falava de castidade aquele homem que vivia em adultério; e, finalmente, falou do juízo futuro... daquele juízo em que todo pecado, pequeno e grande, público e oculto, contra Deus ou contra o próximo, será manifestado a todo o mundo reunido e trêmulo aos pés de Cristo Juíz.
Drusila e Félix escutavam-no imóveis, com a mente fixada nesse dia final. E Paulo, com ardor irreprimível, descrevia-o como “o dia da ira,dia de tribulação, dia de opressão, dia de desgraça, dia de miséria, dia de trevas, dia de caligem, dia de névoa, dia de furacão, dia de tinidos e de urros’. (Sof.,I, l5).
Félix começou a empalidecer, depois a encolher-se, depois a tremer, e depois pulou em pé gritando: “Basta! Por ora vai-te embora”. Tremefactus Félix respondit: quod nunc attinet, vade.(Atos,XXIV, 25)
Realmente, far-se-ia mister aqui S. Paulo para nos falar do juízo, e todos sentiríamos o sangue gelar-nos de pavor! Eu, porém, apenas sei repetir-vos as obscuras palavras do Evangelho.
Naqueles dias o sol se escurecerá como sob uma densíssima caligem, e a lua, avermelhada, não mais dará luz, e todas as estrelas precipitar-se-ão do céu, e todo céu será subvertido como por um vento furiosíssimo. Semelhante a um homem que está morrendo e prorrompe em gemidos e desata em soluços tormentosos, assim este velho mundo saltará dos seus gonzos e se abalará desde as profundezas das suas entranhas. Então, entre as nuvens, imensa, solene, brilhará a cruz: e em baixo chorarão todas as tribos da terra... et plangent omnes tribus terrae. (Mt., XXIV, 30). Chorará a tribo dos ricos, porque todo o seu dinheiro naquele momento nada valerá; chorará a tribo dos prepotentes, porque naquele momento eles serão esmagados; chorará a tribo dos desonestos, porque todos saberão das suas ações vergonhosas; chorará a tribo dos blasfemadores, porque estará para chegar Aquele a quem eles blasfemaram.
E Ele virá. Virá, grande no poder e na glória, caminhando como um gigante sobre as nuvens, Enquanto isso, os anjos trombetearão, sobre o vento, aos quatro ângulos da terra o último toque de reunir. E começará o juízo. No alto estará Ele, Cristo, e a seus pés as gentes, e levantar-se-ão os acusadores.
Levantar-se-ão os anjos em cuja presença pecamos.
Levantar-se-ão, rindo, os demônios a que demos ouvidos.
Levantar-se-ão todas as criaturas: o fogo, o ar, a água, a terra. O fogo dirá: “Eu o iluminava com luz e o aquecia com calor: e entretanto, ele te ofendia à minha luz e no meu calor. Senhor! Dá-mo para que eu o queime”.
O ar dirá: “Eu, a cada momento, nutria-lhe os pulmões; e ele, a cada momento pecava. Senhor! Dá-mo, para que eu o abata com vento furioso”.
A água dirá: “Eu lhe dessedentava a boca e purificava as suas coisas; e ele, com os pecados, sujava a sua alma. Senhor! Dá-mo, para que dentro de mim eu o afogue”.
A terra dirá: “Eu sustentava-o e alimentava-o todos os dias com ervas e com animais: e ele vivia para te ofender. Senhor! Dá-mo, para que eu o sepulte vivo”.
E nós estaremos lá, culpados e trêmulos, em face do universo... Isto é horrível, mas é o menos. Então nós teremos, sobretudo, medo de duas pessoas: de Cristo e de nós mesmos . Se isto vos parece estranho, escutai.

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1- Os pecadores terão medo de Cristo.
Na véspera de sua morte, Jesus passou o Cedron, subiu a margem oposta por entre as filas das videiras, entrou com os seus no horto de Getsêmani cheio de sombras misteriosas. Estava triste e só; e Judas vinha, vinha a coorte com fachos, com cordas, com armas; já se ouvia o vozerio e o ciciar dos seus passos pelos bosques. Jesus, que sabia de tudo, foi ao encontro deles.
“A quem procurais?”
- A Jesus Nazareno.
“Sou eu”.
Todos caíram ao solo; Abierunt retrorsum et ceciderunt in terram. (Jo., XVIII, 6). Pensai: bastava uma simples palavra para os fazer morrer de pavor. Que será então, no dia final, ao ouvirmos daqueles mesmos lábios a extrema condenação de maldição?
No Getsêmani havia escuridão, e os soldados não tinham podido ver a majestade terrível que irradiava do semblante divino; mas, no juízo final, os olhos fulgurantes de Cristo Juíz, cravar-se-ão, como dardos, em nós. No Getsêmani, Jesus estava triste e só; mas, no juízo, estará no trono, no meio das legiões dos anjos, em face de toda a geração humana.
No Getsêmani ainda estava o Cordeiro de amor e de perdão, mas no juízo estará somente o Cordeiro de justiça e de vingança. Se tão terrível esteve, portanto, o Senhor no dia dos seus inimigos, na hora das trevas, que não será no seu dia, “no dia de Cristo, que é dia de fogo?”. (TERTULIANO). Será o Cordeiro furibundo,assim descrito por S. João no Apocalipse:
“Quando o sol se houver tornado negro como um saco escuro, quando a lua, extintas todas as estrelas, girar nas abóbadas desertas como uma mancha de sangue, quando o céu se houver retirado como um manto que se rasga em dois, então passará o Cordeiro furibundo. Os ricos da terra, os príncipes, os tribunos, os poderosos, todos, ricos e pobres, esconder-se-ão nas espeluncas, debaixo das pedras, e dirão aos montes: Escondei-nos da face e da ira do Cordeiro, porque chegado é o dia grande da sua vingança, e quem poderá resistir? Quis poterit stare? (Apoc., VI, 17). Acaso eu, acaso vós, ó cristãos. Poderemos resistir? Digo-vos que todos nós que somos pecadores deveríamos morrer de pavor, se Deus o permitisse.
“Quem quaeritis?”
“Jesum Nazarenum”.
“Ego sum”.
Sou eu, responderá Jesus, sou eu, olha-me!sou eu a quem blasfemaste, a quem esqueceste, a quem escarneceste.
Sou eu, olha-me! Vê a coroa de espinhos que me punge as têmporas; e tu te rias dela quando, na tua mente, secundavas os maus pensamentos. Vê as minhas mãos e as plantas dos meus pés chagadas: e tu te rias destes estigmas dolorosos quando as tuas mãos se pegavam ao bem alheio, quando os teus pés te levavam lá onde nunca deverias ir. Vê o meu coração, rasgado por ti: e tu te rias do meu amor quando corrias atrás das criaturas, e te pascias de afetos impuros, e te divertias nos prazeres...
Agora, basta: sou eu, olha, sou eu que me rio de ti! Ego quoque in interitu vestro ridebo et subsannabo. (Prov.,I, 28).

2- Os pecadores terão medo de si mesmos.
Ainda tenho diante dos olhos a visão dolorosa de uma pessoa cara, moribunda; e talvez ela me fique assim tão viva até eu morrer.
Ele era tão jovem e manso, e morria de um mal misterioso e dilacerante, do qual nem sequer os médicos sabiam dizer alguma coisa. Sofria sem intermitências havia um ano e meio, e estava no fim.
A febre diária e alta consumira-lhe todas as fibras e secara-lhe todos os humores, tornando-o tão descarnado, que parecia um esqueleto recoberto de pele: somente que a pele deixava transparecer a trama violenta das veias. Respirava penosamente: projetando os lábios como se quisesse alcançar um sopro que lhe fugia. As orelhas brancas, a boca vermelha e sanguínea, os olhos medonhamente dilatados como que para recolher a última impressão das coisas que, para ele, se desvaneciam.
Nos últimos meses haviam-no assaltado convulsões nervosas que lhe rebentavam o peito, que lhe quebravam os ossos: uma vez elas foram tão violentas, que o braço lhe ficou imóvel e a mão retorcida. Contudo, no fim ele estava resignado.
Na manhã do dia em que devia morrer, ele pediu um espelho. Queriam negar-lho; mas como não atender até o ultimo capricho de uma pessoa que está para se ir deste mundo para sempre? Apresentaram-lhe o espelho, ele achou forças para levantá-lo, e pôs sobre ele os olhos ávidos... mas logo soltou um grito dilacerante, e deixou cair o espelho, soluçando.
Tivera medo de si mesmo.
A fealdade que um mal físico pode produzir no corpo não é nada em confronto com a que o pecado, num instante, produz na alma. Quão horrível deve ser uma alma depois de dois, três, dez, cem... pecados, nós não sabemos nem mesmo imaginá-lo, mas no juízo vê-lo-emos. Veremos sob a luz de Cristo vir à tona toda culpa a mais oculta, e cobrir de nojentíssimas crostas a nossa alma.
E quantas misérias, que quase não suspeitávamos, serão descobertas!
Tu dizias, sim, teres um pouco de amor à tua pessoa: mas não dizias que esse amor da tua pessoa suscitara em ti a vontade de agradar aos outros; não dizias que, para agradar aos outros, seguias o luxo e a moda escandalosa, suscitando nos outros as paixões.
Dizias, sim, teres conversas más; mas não dizias que essas conversas depois arrefeceram o teu temor à família, transformaram a tua vida conjugal!
Dizias , sim, que murmuravas contra o próximo; mas não dizias que as tuas palavras lhe tiravam a honra a ele, o arruinavam nos seus negócios.
Tudo isto, então, vê-lo-ás em ti mesmo, horrivelmente; Deus te porá contra ti: Arguam te et statuam contra faciem tuam. (Salmos, XLIX, 21). Verte-ás como num espelho, e tu mesmo terás medo de ti. Eis por que os réprobos clamarão aos montes: “Cai sobre nós e soterrai-nos”. Cadite super nos, operite nos. (Lc., XXIII, 30). Não dirão: Montes, escondeis de nós a face do juiz irado, não nos façais ver, ó colinas, os demônios que nos atormentarão; mas dirão: Feri-nos, porque temos medo de nós.
O padre Bourdaloue dizia: “Senhor! No dia do juízo não vos rogarei me defenderdes da vossa ira, mas toda a graça que vos pedirei será que me defendais de mim mesmo”.

Conclusão
No século V, dois irmãos atenienses que tinham ficado órfãos e donos da substância paterna, tiveram a crueldade de por porta a fora e lançar na rua sua irmã única. Ela se chamava Atenaide.
Não valeram prantos e súplicas da abandonada, que teve que vagar pela terra.
Passados alguns anos, os dois desapiedados irmãos sentem-se chamar pelo imperador de Constantinopla. Lá vão, e são introduzidos na sala do trono, e a veem lá, sentada, na pompa da sua beleza e do seu poder... Atenaide, a enjeitada, a errante, que por uma série de casos providenciais se tornara imperatriz e consorte do imperador Teodósio.
Ela se levantou e dirigiu a eles estas tremendas palavras: “Conheceis-me? Sou vossa irmã Atenaide!” A tal vista , a tal palavra, aqueles desgraçados caíram como mortos no pavimento.
Também nós, com os pecados, não fazemos senão expulsar da nossa casa nosso irmão mais velho; Jesus Cristo. Mas, dentro em poucos anos, quando nos sentirmos chamar pela morte, vê-lo-emos, fulgurante no trono, e ouvi-lo-emos dizer: “Conheceis-me? Sou o vosso irmão a quem maltratastes: Jesus Cristo!”

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