12 de setembro de 2014

Paginas de Vida Cristã - Pe. Gaspar Bertoni.

9/26  -  A MORTE É TERRÍVEL PARA CADA HOMEM 


1. - O fim universal do mundo
O santo Evangelho no capitulo 21 de S. Lucas nos convida a pensar no fim universal deste mundo. Este pensamento deve atemorizar todas as nossas paixões e fazer-nos entrar seriamente em nós mesmos. Os sinais pavorosos do formidável e último juízo nos vêm descritos por isso pelo próprio Cristo. "Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas; na terra, consternação dos povos pela confusão do bramido do mar e das ondas, mirrando-se os homens de susto, na expectativa do que virá sobre todo o mundo, porque as virtudes dos céus se abalarão" (Lc 21, 25-26).
Oh! Deus! Que dias funestos! Oh! que tempo espantoso será aquele! Cada um de nós vai dizendo: Peço ao Senhor que me tire a vida antes daqueles terríveis momentos. E assim esperando cada um de morrer antes, industria-se para tirar de si o medo daquele dia tremendo.
2. - O dia em que eu morrer será para mim o fim do mundo
Mas eu quereria que refletíssemos um pouco melhor. Não será talvez a morte para cada homem, em particular, o que para todos os homens deverá ser o morticínio universal? Aquele dia em que eu morrer, que cada um de vós morrer, é para mim, para cada um de vós, o fim do mundo. Como, portanto, é tão temido por todos aquele dia, e tão pouco pois comumente este? Talvez podemos fugir deste dia que possamos não morrer? Ou que este dia deve ser menos temido?
Eis que vos apresento rapidamente somente três efeitos terríveis da morte: a perda do corpo, a perda dos bens temporais, o perigo de perder a alma. Veremos se a morte é para ser menos temida que o fim do mundo; e o veremos pelo efeito deste temor, que é abandonar toda vaidade da mente, desapegar o coração dos afetos terrenos, e colocar o homem no ponto de providenciar seriamente a salvação.
3. Estamos condenados à morte
Entre os outros dons sublimes de que foi adornada a natureza humana apenas saída das mãos do seu excelso Criador, é a imortalidade: "Deus criou o homem imortal" (Sb 2, 23). Nós fomos criados por Deus para viver sempre. E se agora nós devemos morrer, isto é por sentença de pena estabelecida: "está escrito
que os homens morram uma só vez" (Hb 9, 27). Somos condenados à morte.
A morte não existia no mundo; aquele primeiro homem que introduziu o pecado trouxe também a morte: "Como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte" (Rm 5, 12).
Acreditava aquele nosso primeiro pai poder tornar-se igual a Deus: "sereis como deuses" (Gn 3, 5). E Deus o condenou a tornar-se pó: "em pó te tornarás" (Gn 3, 19); para que se esclarecesse com o fato de ser pó e não Deus, e a Deus se sujeitasse com a humilhação, quando tolamente queria engrandecer-se com a
soberba: "porque és pó".
Sim fomos condenados à morte pela soberba dos nossos progenitores e somos condenados também todos nós, filhos, para que aprendamos a ser humildes diante de um Senhor tão poderoso: "humilhai-vos pois sob a poderosa mão de Deus" (1Pd 5, 6).
Parece-vos que um condenado à morte deva andar de cabeça erguida e arrogantemente? Olhai aqueles que são levados à forca: pálidos, trêmulos, cabeça inclinada! Nós estamos neste caso. Se o caminho para o patíbulo é porventura um pouco mais longo, não teme, porém, menos aquele infeliz que é levado para ele.
Não são como bestas insensatas e animais irracionais, que pulam nos prados e brincam nas ruas mesmo indo para o matadouro. O homem teme à vista de um mal gravíssimo, irreparável, iminente.
4. - O aspecto da morte
Devo morrer. É preciso que deixe este meu corpo. Deverá reduzir-se em um cadáver corrupto, horrível, nauseante.
Não posso me ensoberbecer, nem sei do que. Talvez da beleza, da vivacidade, do brio? Mulher vaidosa, jovem bela, admirai-vos no espelho; eis um daqueles ídolos que são adorados por vós, aterrorizados pela morte. "Eis um cadáver mudo, esquálido, descarnado, os cabelos eriçados, os cílios hirsutos, os olhos abatidos e igualmente cerrados, a face transfigurada, a cor lívida, os membros enregelados e rígidos e toda a pessoa decadente; um esqueleto horrível, uma sombra noturna, um fantasma aterrador". Este é um retrato ao natural do vivo pincel de Bartoli. (2).
E onde está a pompa das vestes, dos ornamentos? Envolto em uma mortalha se coloca fora de casa porque não podem agüentar seu mau cheiro. E para onde vai? Para uma fossa. Aqui estão reduzidas as amplas posses, os majestosos palácios. Os perfumados jardins se transformam em fétido sepulcro; o esplendor do
ouro e da prata se muda na imundície e na sujeira. À nobreza, da parentela sucede a fraternidade com os vermes e com a podridão. Aquele que todos predominava com a prepotência e com o luxo jaz sob a terra e é pisado pelos pés de cada um que passa. "Porque se ensoberbecem a terra e a cinza? (Eclo 10, 9).
5. - O amor às coisas terrenas torna mais amarga a morte
Vai não obstante, ó mísero, e apostatando pela tua soberba do teu Deus, único e verdadeiro bem, teu último fim, coloca tua felicidade, tua paz, nestes ilusórios bens do mundo. "Ó morte quão amarga é tua memória para um homem que tem paz no meio de suas riquezas!" (Id 41, 1).
Se só o pensamento de morrer te amargura a posse, provarás como será para ti amaríssima a morte que de todos estes bens igualmente e para sempre e à força te separará. Reflete que mais te será dolorosa esta perda quanto mais é agora amado aquilo que deves perder. E, porém, não é verdadeiro que tu amas as coisas terrenas e caducas, não só mais que teu corpo - que seria pouco - mas mais ainda que tua própria alma? Tu estás pronto para perder esta, muitas vezes, para não perder aquelas. Que será pois quando apesar de tudo as perca? Aumentará a dor da separação quanto mais te custaram a posse e a conservação. Quantos pensamentos, quantas fadigas, suores, perigos, quantas lidas, quantas vigílias, quanto tempo, quanta, solicitude: tudo perdido!
Multiplicar-se-á a amargura desta separação quanto mais forem as coisas amadas de que te deverás separar. Tantas divisões, tantas dores. Dores pela riqueza, pelos prazeres, pelas honras. Dores pelos parentes, pelos amigos, pelas conversações. Dores pelos palácios, pelas vilas, pelas terras. Dores pelos festins, pelas músicas, pelos amores. Dores por tudo aquilo ao qual era antes afeto, delícia, prazer.
6. - A separação é tanto mais dolorosa quanto menos prevista
Será muito maior a dor desta perda, por chegar impensada e totalmente imprevista. Pensava-se, quase, que este mundo devesse durar eternamente.
Tinha reunido muitas riquezas aquele tal e dizia entre si: "Minha alma, tens muitos bens em depósito para largos anos, descansa, come, bebe, regala-te". E eis uma voz que intima: "Néscio, esta noite te virão buscar a alma; e as coisas que juntaste, para quem irão? (Lc 12, 20).
Outros então gozarão aquilo que preparei para gozar; e eu devo deixar? E nem mesmo saberei quem gozará o que deixo?
Perco estes bens falazes que tanto amei; e por haver amado estes bens falazes perco, perco ainda para sempre o verdadeiro bem que podia e devia eu amar e não amei.
Se eu tivesse amado a Deus! Deus não me teria faltado; e com Ele não me teria faltado nenhum outro bem.
Perco agora todo bem e vou encontrar - pelos bens falsos e defeituosos que amei - verdadeiros males, infinitos intermináveis.
O temor de perder a alma, de que angústias, de que penas, de que ânsias não deve atormentar o homem colocado neste terrível momento! À vista do iminente extremo perigo!
7. - O momento terrível do qual depende a eternidade
"Cercaram-me dores de morte" (Sl 17, 5; 114, 3). Vede uma cidade cercada por forte assédio. É batida, abalada por toda parte. Ruídas finalmente em muitos lugares as muralhas, abertas as brechas, o exército vencedor dispõe furibundos assaltos. Que confusão! Que perturbação! Que desespero na mísera população!
Tal será a alma assediada no seu corpo por aquele feroz bando de males que militam sob as bandeiras sempre vitoriosas da morte. Sem jamais dar trégua e repouso, esta implacável inimiga combate com tal furor, com tanto ímpeto agita os membros, que a alma desesperando de poder se defender, abandona a amada morada aos direitos da conquistadora. "Pisa sobre ela como um rei vencedor". (Jó 12, 14).
Ó Deus! E a alma infeliz para onde fugirá? Para o outro mundo, para a eternidade! E que espaço se destina para esta fuga? Quando tempo se concede?
Um ponto só, um só instante, um momento. Este é "o momento de que depende toda a eternidade". "E estas são aquelas portas horríveis" (Jó 37, 17), que num só passo mudam a alma do tempo para a eternidade. Este é o ponto em que se decide a sorte do homem estavelmente, imutavelmente, para sempre. O momento terrível!
Ó passo terrível! Ó instante tremendo!
Em um momento, eis que extremos se apresentam: ou Céu, ou inferno; ou suma glória, ou suma ignomínia; ou perpétuo prazer, ou perpétuo padecer; ou eterna felicidade, ali eterna miséria.
Ó Deus! Que perigo! Que perigo enorme de perder-se!
8. - Motivos de terror
Acrescentai que a suma dificuldade de esquivar-se do mal iminente ocupará então a apreensão do ânimo.
E antes de tudo pela consciência dos próprios pecados. Estes horríveis monstros, presentes vivamente no pensamento não nó seu gênero, mas nas várias espécies, no número, na gravidade, na pena correspondente, ocuparão de tal maneira a mísera alma amedrontada, que, vendo-se rodeada e carregada de tanta malícia, de tanta feiura, de tanta deformidade, será constrangida a odiar-se a si mesma. "Comparecerão medrosos com a lembrança dos seus pecados, e as suas iniqüidade se levantarão contra eles para os acusar" (Sb 4, 20).
O espanto, a perturbação, a consternação que lançara no ânimo uma visão tão horrível, é descrita pelo salmista com a semelhança de uma torrente cheia de ímpeto e ruína: "As torrentes da iniqüidade se conturbaram" (Sl 17, 5).
Tem medo a alma de sair; teme por os pés na eternidade; quereria retirar-se, mas em vão; a morte já a empurra.
Ela procura quem a possa salvar, e ninguém há que a liberte. Procura companhia, e ninguém há que a acompanhe. Procura advogados e protetores, ninguém que a defenda. Totalmente sozinha deve caminhar, seguida de suas obras: "suas obras o seguirão" (Ap 14, 13).
Quem devesse caminhar no escuro por lugares desconhecidos e perigosos e devesse andar entre horrores em silêncio e de trevas totalmente sozinho: que medo!
Mas quanto maior medo não será encaminhar-se ao outro mundo, onde não sei a qual sala meus merecimentos me conduzirão! E o horrendo tribunal que me espera!
E o Juiz, que temo, desprezado por tantas ofensas! E a Misericórdia que cede lugar à Justiça! E aquela decisão inexorável e, além do mais, severa!
As próprias obras do justo serão sutilmente pesadas com justiça: "eu temia todas as minhas obras" (Jó 9, 28). Os próprios santos tremiam! "Apenas o justo sesalva" 1Pd 4, 18).
E estes inimigos que agora me combatem mais ferozes que nunca, e me aviltam, e me apertam como leões famélicos para devorar-me! "Porque o demônio, vosso adversário, anda ao redor, como um leão que ruge, buscando a quem devorar" (1Pd 5, 8) em todos os tempos! mas sabendo ele então não ter mais tempo, põe em ação todas suas forças e dá as últimas provas de sua astúcia e doseu furor: "com grande ira, sabendo que lhe resta pouco tempo" (Ap 12, 12).
Ó Deus! Em tanto perigo de perder-me, em tanta dificuldade de salvar-me, entre tantos raivosos inimigos que me levam à ruína, oh! Deus! E se me perder?
Perco o Céu, caio no inferno. Perco um Paraíso de todo bem, perco aquela felicidade última e suma para a qual fui criado. Perco o meu Deus, minha verdadeira felicidade, por um mísero bem aparente, que eu, estulto , na vida amei e que logo desapareceu. Encontro um inferno repleto de todo mal. Encontro um sofrimento
intolerável, sem conforto e refrigério. Encontro uma miséria extrema que eu podia facilmente evitar quando havia tempo para converter-me, e Deus mesmo oferecia sua graça, sua misericórdia.
9. - Se só uma vez se perde a alma, perde-a para sempre
Coitado de mim! Se me perco agora esta perda é irreparável. O machado já está colocado à raiz da árvore; de qualquer lado que ela caia, aí ficará para sempre:"Se a árvore cair para a parte do meio-dia, ou para a do norte, em qualquer lugar onde cair, aí ficará" (Ecl 11, 3).
Aquele fogo inextinguível queima qualquer botão de esperança que eternamente possa mudar de lugar e sorte: "inflamabit eos dies veniens quae non derelinquet eis germen" (Mt 4, 1).
Abrir-se-á - diz S. Agostinho - o Inferno como um poço de fogo ardente. "Se poderá descer, sair não se poderá".
Assim pois rezava Davi atemorizado para que aquele poço horrendo não fechasse sobre ele a sua boca: "nem a boca do poço se feche sobre mim" (Sm 68, 16).
Ó vós que viveis agora esquecidos de Deus, prestai atenção a estas coisas: pois se uma vez só se perde a alma, está perdida para sempre: "Entendei isto, vós que vos esqueceis de Deus, não suceda que vos arrebate, e não haja quem vos livre" (Sl 49, 22).
10. - Salvai vossa alma
Creio ter provado suficiente quão terrível seja a morte para qua lquer homem, pois com ela termina todo bem do corpo do qual o homem loucamente se envaidecia; e termina todo bem na terra, no qual colocava fora de ordem o coração; e agora corre grande risco de encontrar um grande mal e sem fim.
Para mim a conferência está concluída: a vós cabe deliberar. Não há necessidade que alguém vos ensine o que deveis fazer. Tendes bastante argumentos para julgá-lo vós mesmos; em outro lugar vos foi dito e agora se vos diz novamente. Dizê-lo mais uma vez seria perder tempo.
O que se requer agora é unicamente resolver-se com eficácia e começar a trabalhar. Tudo isto está em vós, como também a alma é vossa. Se vós não pensardes nela, quem pensará? se vós não a salvais, quem a salvará?

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