OPÚSCULO VI
MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS CRISTO
MEDITAÇÃO I
A Paixão de Jesus Cristo é a nossa consolação
Quem poderá consolar-nos mais neste vale de lágrimas do que Jesus crucificado? Nos remorsos de consciência que nos causa
a recordação de nossos pecados, o que é que pode unicamente
acalmar as aflições que então experimentamos senão o saber que Jesus Cristo quis entregar-se a si mesmo à morte para pagar as
nossas culpas? “Entregou-se a si mesmo por nossos pecados” (Gl
1,4). Em todas as perseguições, calúnias, desprezos, privações de
bens e de honras que sofremos nesta vida, quem é que melhor nos pode fortalecer para sofrermos com paciência e resignação, senão Jesus
Cristo desprezado, caluniado e pobre, que morre nu e abandonado de todos em uma cruz? Nas enfermidades, que coisa há que mais
nos console do que a vista de Jesus crucificado? Quando nos achamos doentes, repousamos num leito bem cômodo; mas Jesus, quando
na cruz, onde devia morrer, teve por leito um tosco de madeiro,
no qual esteve suspenso por três cravos, e por travesseiro, para
apoiar a cabeça ferida, aquela coroa de espinhos que não cessou de o
atormentar até à morte. Quando estamos enfermos, temos ao redor do
leito parentes e amigos que se compadecem de nós e nos procuram
distrair; Jesus morre no meio de inimigos que, mesmo na ocasião em que ele agonizava e estava a expirar, o injuriavam e
escarneciam, dando-o como um malfeitor e sedutor. Nada há, certamente,
como a vista de Jesus crucificado para aliviar um enfermo nos seus
sofrimentos, especialmente quando ele se vê abandonado pelos outros na sua doença. Unir então as suas penas com as de Jesus
Cristo é o maior alívio que pode experimentar um pobre enfermo.
Nas angústias ainda maiores da morte, ocasionadas pelos
assaltos do inferno, à vista dos pecados cometidos e das contas que
em breve deverão ser dadas no tribunal divino, a única
consolação que poderá ter um moribundo, que já está combatendo com a morte,
é abraçar-se com o crucifixo e dizer: Meu Jesus e meu
Redentor, vós sois o meu amor e a minha esperança.
Em suma, tudo o que temos de graças, de luzes, de
inspirações, de santos desejos, de afetos devotos, de contrição dos
pecados, de bons propósitos, de amor de Deus e de esperança do céu, tudo
é fruto e dom que nos provém da Paixão de Jesus Cristo.
Ah, meu Jesus, que esperança poderia ter eu, que tantas
vezes vos voltei as costas e mereci o inferno, de entrar na
companhia de tantas virgens inocentes, de tantos mártires, de tantos
apóstolos e dos serafins do céu, para contemplar a vossa bela face na
pátria feliz, se vós não tivésseis morrido por mim, divino Salvador? A
vossa paixão, pois, é que, não obstante os meus pecados, me dá a esperança de entrar um dia na companhia dos santos e de vossa Mãe
bendita, para cantar as vossas misericórdias e agradecer-vos e
amar-vos para sempre no paraíso. Assim eu o espero, ó meu Jesus. “Eu
cantarei por todo o sempre as misericórdias do Senhor”. Maria, Mãe de
Deus, rogai a Jesus por mim.
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