15 de junho de 2017

Dom Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

V

A esta profunda alegria devemos juntar uma confiança inabalável.
Esta confiança, encontra apoio sobretudo na poderosa valia de que Jesus Cristo goza junto do Pai, não só na qualidade de Rei invencível, que inaugura o Seu triunfo, mas como Pontífice supremo que intercede por nós, depois de ter oferecido ao Pai uma oblação de valor infinito. Ora foi no dia da Ascensão que Jesus começou, de modo muito particular, esta mediação única.
Há aqui um aspecto íntimo do mistério, em que convém deter-nos uns instantes. S. Paulo, que no-lo
revelou na Epístola aos hebreus, declara-o «inefável": Ininterpretabilis sermo.
Vou tentar, seguindo o grande Apóstolo, dar-vos dele uma ligeira ideia. Que o Espírito Santo nos faça
compreender quão maravilhosas são as obras divinas.
S. Paulo começa por recordar os ritos do mais solene dos sacrifícios da Antiga Aliança. E porquê? Sem dúvida, por se dirigir aos judeus: era mister falar-lhes uma linguagem que eles pudessem compreender. Há, porém, uma razão mais profunda. Qual? O próprio Apóstolo no-la indica: a íntima relação estabelecida por Deus entre o antigo cerimonial e o sacrifício de Cristo. E que relação é esta?
Como sabeis, Deus, na Sua presciência eterna, abarca toda a série dos séculos; além disso, sabedoria
infinita, dispõe todas as coisas com perfeita medida e equilíbrio. E assim, quis que os principais acontecimentos que assinalaram a história do povo escolhido e os sacrifícios pelos quais fixara a religião de Israel fossem outras tantas figuras imperfeitas e símbolos obscuros das magníficas realidades que lhes deviam suceder, logo que o Verbo Incarnado aparecesse neste mundo: Haec omnia in figura contingebant íllis . . . Umbra futurorum.
É esta a razão por que o Apóstolo insiste, primeiro que tudo, no sacrifício dos judeus. Não é pelo prazer de estabelecer uma simples comparação, que facilitaria ao seu auditório a compreensão do que expõe; mas porque a Antiga Aliança prenunciava, com aqueles esboços, os esplendores da Nova Lei estabelecida por Jesus Cristo.
S. Paulo recorda igualmente a estrutura do Templo de Jerusalém, cujos pormenores tinham sido todos regulados pelo próprio Deus. « Havia, diz ele, um primeiro tabernáculo, chamado o Santo, onde os sacerdotes entravam em qualquer tempo paro serviço do culto; por trás dum véu ficava o segundo tabernáculo, chamado o Santos santos, onde estavam o altar de ouro do incenso e a Arca da aliança».
Este «Santo dos santos» Era o lugar mais augusto da terra. Era o centro para o qual convergia todo o culto de Israel, para a qual se voltavam os pensamentos e se estendiam as mãos de todo o povo judeu. E porquê? Porque era ali que Deus morava de modo muito especial; era ali que prometera ter sempre fixos os olhos e o coração: «Erunt oculi mei et cor meum ibi cunctis diebus"; era ali que recebia as homenagens, abençoava os votos e atendia as súplicas de Israel: era ali que, para assim dizer, entrava em contacto com o Seu povo.
Mas este contacto, como sabeis, só por intermédio do sumo sacerdote é que era estabelecido. Com efeito, a majestade daquele tabernáculo em que Deus habitava era tão terrível, que só o sumo pontífice dos judeus nele podia penetrar; era proibida a entrada, sob pena de morte, a qualquer outra pessoa. O pontífice entrava revestido das vestes pontificais, levando ao peito o misterioso «racional» (conjunto de doze pedras preciosas em que se achavam gravados os nomes das doze tribos de Israel); só deste modo simbólico é que o povo entrava no Santo dos santos.
Além disso, o próprio sumo sacerdote não podia passar para lá do véu daquele tabernáculo tão santo senão uma vez por ano; e mesmo assim, só depois de ter imolado cá fora duas vítimas, uma pelos seus próprios pecados, outra pelos do povo; com o sangue aspergia o propiciatório, onde repousava a majestade divina, enquanto os levitas e o povo enchiam o átrio.
Este sacrifício solene, com que o sumo sacerdote da religião judaica oferecia a Deus, uma vez por ano, no Santo dos santos, as homenagens de todo o povo e o sangue das vítimas pelo pecado, constituía o ato mais sublime e augusto do seu sacerdócio.
E no entanto, como vos disse, repetindo a palavra de S. Paulo, «tudo aquilo eram apenas símbolos»: Quae parabola est temporis infantis. E quantas imperfeições naqueles símbolos! Aquele sacrifício tinha tão pouco valor, que era preciso repeti-lo todos os anos; o pontífice era tão imperfeito, que não tinha o poder de abrir a entrada do santuário ao povo que representava; nem ele próprio nele podia entrar senão uma vez por ano e mesmo assim sob a proteção, digamos, do sangue das vítimas oferecidas por seus próprios pecados.
Onde estão então as realidades? Onde está o sacrifício perfeito, único, que substituirá para sempre aquelas oferendas repetidas e insuficientes?
Temo-las (e com que plenitude! ) em Jesus Cristo.
Jesus Cristo, diz S. Paulo, é o Pontífice supremo, mas um «Pontífice santo, inocente, separado dos pecadores e mais elevado do que os céus». Penetra num tabernáculo não feito por mão dos homens - Non hujus creationis - , mas «no céu dos céus",  no santuário da Divindade: Ad interiora velaminis. Do mesmo modo que o sumo sacerdote, entra com o sangue da vítima. Que vítima? Animais, como na Antiga aliança? Oh ! Não. Aquele sangue não é outro senão o «Seu próprio sangue" - Per proprium sanguinem -, sangue precioso, de valor infinito, derramado "cá fora", isto é, na terra, vertido pelos pecados, não só do povo de Israel, mas da humanidade inteira. Entra através do véu, isto é, pela Sua santa Humanidade; «é através deste véu que nos está aberto doravante o caminho do céu»: lnitiavit nobis viani per veloamen, id est carnem suam. Finalmente, entra não uma só vez por ano,  mas «uma vez por todas»: Semel; pois, sendo o Seu sacrifício perfeito e de valor infinito, é também "único  e suficiente para proporcionar para sempre a perfeição àqueles a quem quer santificar»: Una enim oblatione consummavit in sempiternum sanctificatos.
Mas ( e é nisto sobretudo que a obra divina é admirável, é nisto que a realidade excede o símbolo ), Jesus Cristo não entra sozinho. O nosso Pontífice leva-nos consigo, não de modo simbólico, mas na realidade, pois somos os Seus membros, a Sua «plenitude», na expressão do Apóstolo.
Antes d'Ele, não se podia entrar no céu; era esta interdição simbolizada pela proibição terrível de transpor o véu do Santo dos santos: é o próprio Espírito Santo que o dá a entender, como diz S.Paulo: Hoc significate Spiritu Sancto nondum propalatam esse sanctomm viam.
Mas Jesus Cristo, pela Sua morte, reconciliou a humanidade com o Pai; com Suas mãos trespassadas rasgou o decreto da nossa expulsão; por isso, quando expirou, o véu do Templo se rasgou ao meio. Que significa aquele prodígio? Não só que tinha acabado a Antiga Aliança com o povo judeu, que os símbolos cediam o lugar a uma realidade mais alta e eficaz, mas também que Jesus Cristo nos reabria as portas do Céu e nos franqueava a entrada na herança eterna.
No dia da Ascensão, Jesus Cristo, Pontífice supremo da raça humana, leva-nos consigo para os céus,
de direito e em esperança .
Nunca deveis esquecer que é só por Ele que podemos lá entrar: ninguém pode entrar no Santo dos santos senão com Ele: nenhuma criatura pode gozar da felicidade eterna senão seguindo a Jesus; é graças aos Seus merecimentos que alcançaremos a infinita bem aventurança. Durante toda a eternidade, dir-lhe-emos: « Cristo Jesus, é por Vossa mercê, pelo Vosso sangue derramado por nós, que estamos diante da face de Deus; é o Vosso sacrifício e a Vossa imolação que nos valem a cada instante a nossa glória e feliddade: a Vós, Cordeiro imolado, toda a honra, louvor e ação de graças » !
Enquanto não nos vem buscar, como prometeu, Jesus Cristo «prepara-nos um lugar», e, sobretudo, ajuda-nos com Suas súplicas.
Pois, que faz no céu este Pontífice supremo? Diz-nos S. Paulo que Ele entrou no céu «para estar presente, por nós, diante da face de Deus»: Ut appareat NUNC vultui Dei pro nobis. O Seu sacerdócio é eterno; portanto, eterna é a Sua mediação. E que poder infinito o do Seu valimento!
Ali está, diante do Pai, apresentando-Lhe incessantemente o Seu sacrifício, de que são perpétua memória as cicatrizes que conservou das Suas chagas; ali está, «sempre vivo, a interceder por nós»: Semper vivens ad interpellandum pro nobis.
Pontífice sempre atendido, repete em favor de nós a oração sacerdotal da Ceia: "Pai, é por eles que rogo . . .Estão no mundo . . . Guarda aqueles que me deste . . .Rogo por eles, para que tenham a plenitude da alegria .. .Pai, quero que onde Eu estiver, estejam eles comigo, para que vejam a glória que me deste . . . para que o amor com que me amaste esteja neles, e também Eu esteja neles».
Como não hão de estas sublimes verdades da nossa fé gerar em nós uma confiança inabalável? Almas de pouca fé, que podemos nós temer?  Que não havemos nós de esperar? Jesus está sempre a pedir por nós. «Pois quê, dizia S. Paulo; outrora o sangue imperfeito das vítimas de animais purificava a carne daqueles que com ele eram aspergidos: e o sangue de Jesus Cristo, que a Si mesmo se ofereceu imaculado a Deus, não havia de purificar a nossa consciência das obras do pecado para que pudéssemos servir o Deus vivo»?
Tenhamos, pois, confiança absoluta no sacrifício, nos merecimentos e na oração do nosso Pontífice. Entrou hoje nos céus; com o Seu triunfo, inaugura a Sua incessante mediação; é o Filho querido em quem o Pai põe as Suas complacências; como não há de ser atendido, depois de ter manifestado ao Pai, por Seu sacrifício, semelhante amor? Exauditus est pro sua reverentia.
Pai, olhai para o Vosso Filho; vede as Suas chagas: Respice in faciem Christu tui; e concedei-nos, por
Ele e n 'Ele, estar um dia onde Ele está, a fim de também, por Ele, n'Ele e com Ele, Vos prestarmos toda a honra e glória!

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