7 de agosto de 2021

Santo Inácio de Loyola - Fundador da Companhia de Jesus

V. PEREGRINAR...

Um pregador célebre atraía o povo à catedral de Barcelona durante a quaresma de 1523, e D. Isabel de Roseli, uma das mais distintas senhoras da cidade, não faltava a nenhum dos sermões. D. Isabel tinha-se retirado completamente do mundo e vivia só para Deus e para seu marido, que, tendo perdido a vista, reclamava todos os seus cuidados.
Um dia, escutava ela o pregador de que falamos, quando o seu olhar se volta maquinalmente para o santuário. Os degraus do altar estavam cobertos de crianças, como de ordinário, e, entre elas, distingue um homem que lhe atrai a atenção. É um estrangeiro. Os seus vestidos são comuns, mas a fisionomia é celeste e os traços duma extrema distinção; o rosto pálido, magro, alongado, e parecia extenuado pela fadiga, pelo sofrimento ou pela mortificação; o seu manto é o dos peregrinos. Virá ele de longe e terá necessidade de socorros e de cuidados?...
Enquanto a boa senhora se entrega a estas observações, uma auréola luminosa rodeia a cabeça do estrangeiro, e D. Isabel crê ouvir uma voz interior que lhe ordena que não saia da igreja sem falar àquele peregrino.
Mas atribui esta voz a uma ilusão da fantasia, e entra em casa muito apressada depois do sermão para contar a seu marido o que viu e as impressões que recebeu - Deve ser um Santo, - acrescentou ela - e, se aprovas, mandarei um dos nossos criados convidá-lo, em teu nome, a fazer-nos a honra de jantar conosco.
- Da melhor vontade; - lhe respondeu o marido - será para mim uma felicidade ouvi-lo falar de Deus. Manda depressa o criado para que o encontre ainda na igreja.
Estava terminado o ofício quando o criado de D. Isabel se apresentou na catedral; mas o peregrino ainda ali estava e reconheceu-o facilmente pelo retrato que dele lhe tinham feito. Aproximou-se, pediu-lhe que saísse, e disse-lhe: - Senhor peregrino, meus amos, que são verdadeiros servos de Deus, enviam-me a dizer-vos, que faríeis uma obra agradável a Deus e à Santíssima Virgem, se quisésseis, a titulo de peregrino, fazer-lhes a honra de vos sentardes à sua mesa para jantar com eles. - Benvindo seja, meu irmão; - respondeu simplesmente o estrangeiro - sou servo dos seus amos; conduza-me, que eu o seguirei.
O santo peregrino encheu de consolação os seus hospedeiros pela maneira como falava de Deus. Pela elevação dos seus pensamentos, pureza de expressões, distinção de linguagem, não puderam duvidar da sua origem fidalga; mas, não ousando interrogá-lo sobre este ponto, D. Isabel perguntou-lhe somente qual o fim da peregrinação. - Roma, - respondeu.
Não ousava confessar o fim principal, os Lugares Santos, com receio de dar largas à vaidade, pois que naquele tempo aquela peregrinação era rara e atraía a estima sobre os que tinham a coragem de a empreender.
- E quando partireis?
- Embarcarei no bergantim que vai fazer-se à vela para a Itália.
- No bergantim! - exclamou D. Isabel - peço-vos que tal não façais, senhor peregrino, porque a vossa vida correrá risco Tomai passagem num navio mercante que partirá daqui a oito dias; o nosso Bispo dirige-se a Roma nesse navio e podeis fazer a travessia com ele.
- Esse santo Prelado é meu tio, - acrescentou o Sr. Rosell - e estou certo que lhe será agradável viajar convosco.
- Já entrei em relações com o capitão do bergantim; - disse Inácio de Loiola - mas retardarei a minha partida e irei no navio mercante, visto que assim, o desejais.
- Por felizes nos daríamos, acrescentou o Sr. Rosell - se aceitásseis hospitalidade em nossa casa durante os dias que tendes de espera.
- Não posso ceder a esse desejo, senhor; - respondeu Inácio - impus-me a lei de não ter outra morada senão o hospital, onde encontro grandes misérias a consolar e a aliviar.
- Pois bem, - disse Isabel - permiti ao menos que façamos as despesas da viagem.
- Senhora, - respondeu o Santo - comove-me a sua caridade e muito a agradeço; Deus lhe pagará o bem que deseja fazer-me e que não posso aceitar; uma condição da minha passagem a bordo do navio, é que o capitão ma concederá por amor de Deus.
Os novos amigos do nosso peregrino não puderam obter outras concessões e separaram-se dele com pesar.
Inácio, persuadido de que Deus se tinha servido de D. Isabel para o preservar dum grande perigo, foi buscar os seus manuscritos, que já tinha no bergantim. Apressemo-nos a dizer que tendo-se este navio feito à vela no dia imediato, foi assaltado por uma violenta tempestade e no mesmo dia submergiu-se, perdendo-se a carga e a tripulação.
O capitão do navio mercante consentiu em conceder passagem gratuita ao santo peregrino, mas com a condição de que ele se proveria de víveres e não pediria esmola aos passageiros. Inácio prometera não comer outro pão senão o que mendigasse; a condição imposta pelo capitão perturba a sua consciência e consulta o seu confessor; tendo-lhe este ordenado que se submetesse, o nosso herói encontrou meios de conciliar tudo. Percorreu todas as ruas da cidade estendendo a mão aos transeuntes, aceitando restos de pão, moedas de cobre, tudo o que lhe davam. Metia o pão duro num alforje, o dinheiro no bolso e a todos testemunhava um sincero reconhecimento.
Era assim que o brilhante Inácio de Loiola preparava as suas provisões para tão longa viagem!
Quando ele assim mendigava numa das maiores ruas de Barcelona, viu uma senhora nobre e rica de aparência à porta de uma casa; essa senhora ia a entrar; Inácio aproxima-se e pede-lhe uma esmola por amor de Deus
- Miserável vagabundo! -lhe responde ela -não tens vergonha do modo de vida que segues? Crês que não é fácil ver que não nasceste para mendigar? Não é a mim que tu enganas! Adivinho-te: dissipaste a tua fortuna como o filho pródigo, e agora estás reduzido a estender a mão para desonra e ignomínia da tua família.
Inácio escutou sem responder; com os olhos baixos e atitude respeitosa; parecia um criminoso na presença do juiz. A Sra D. Zepila, assim se chamava, continuou:
- Aonde vais, desgraçado?
- A Roma, senhora.
- Aqueles que lá vão não vêm melhores. Onde moras?
- No hospital.
- Como te chamas?
- Não posso responder a essa pergunta.
- Já o sabia! Vai-te, és um miserável! Não te darei esmola, que a não mereces !
- Diz V. Exa a verdade, senhora; eu não mereço esmola de ninguém, e sou o maior de todos os pecadores! Agradeço a V. Exa por me ter julgado e tratado como eu devia ser sempre tratado. Muito obrigado, senhora, muito obrigado!
E o nosso Santo retirou, depois de se ter profundamente inclinado diante da senhora que assim o acabava de humilhar.
D. Zepila era mãe de um filho que, com suas desordens, lhe arruinara a fortuna, fugira alguns anos antes e de quem não tinha notícias... A aparência de nobreza de Inácio, a distinção dos seus traços e da sua pessoa tinham-lhe lembrado o filho cujos desvairamentos deplorava, e, julgando-o também culpado, tratara-o sem piedade. A doçura e a humildade do nobre mendigo esclareceram-na e deram-lhe um grande pesar de o ter repelido com tanta dureza. Naquela mesma tarde, enviou-lhe uma esmola importante ao hospital, com recomendação de que orasse por ela e pelo filho cuja recordação lhe causara a irritação que lamentava com amargura.

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