A invasão muçulmana não havia interrompido as peregrinações. Pelo começo do VIII século, um Bispo das Gálias, São Arculfo, passou o mar e ficou nove meses em Jerusalém; a narração da sua peregrinação, redigida pelo abade de um mosteiro das ilhas britânicas, contém muitos particulares sobre os santos lugares. Ele fala da mesquita de Omar sem nomeá-la e os termos que emprega não dão a ideia de um belo monumento; ele limita-se a dizer que aquela vil construção sarracena, podia conter três mil pessoas. Arculfo é mais interessante quando descreve a gruta sepulcral, onde o Salvador do mundo dormiu durante três dias o sono da morte e quando nos fala das diversas capelas do Gólgota e da invenção da cruz. Como se anima sua piedade quando ele nos mostra os instrumentos da Paixão conservados num santuário e aquela Igreja sem teto no alto do monte das Oliveiras, igreja, de oito janelas vidradas iluminadas por uma lâmpada, que apresenta, de noite, do lado de Jerusalém, como globos de ouro, coroando o monte, de onde o Messias retomou o caminho do céu! Arculfo nos diz que havia uma feira na cidade santa, todos os anos, a 15 de setembro; uma grande multidão de pessoas acorria então a Jerusalém; o piedoso bispo observa que a presença de camelos, de cavalos e de bois enchia de imundícies a cidade santa, mas que depois da feira, uma chuva milagrosa fazia desaparecer todos aqueles detritos. Vinte ou trinta anos depois da peregrinação de Arculfo, vemos chegar à Síria outro bispo, Guillebaut, de nação saxônia, cujas excursões à terra santa nos foram narradas por uma religiosa de sua família.
Feito prisioneiro em Emesa, Guillebaut deveu sua libertação à intervenção de um negociante espanhol, que tinha um irmão a serviço do emir ou governador da cidade. Quando ele foi levado à presença do emir para ser julgado, este pronunciou diante do auditório que o rodeava, estas palavras notáveis: "Vi muitas vezes homens que vinham do seu país; eles não desejam o mal, mas querem cumprir sua lei. "Essa opinião que então se tinha dos peregrinos vindos da Europa, nos explica como esses piedosos viajantes passavam pelos caminhos do Oriente sem serem vítimas das menores insolências. Arculfo tinha visto doze lâmpadas acesas no interior do santo sepulcro; Guillebaut achou quinze. No tempo de Arculfo uma ponte sobre o Jordão, no lugar onde Cristo foi batizado, ajudava os peregrinos, que se banhavam nas águas sagradas; Guillebaut não faz menção da ponte, mas fala de uma corda colocada nas duas margens do Jordão. Uma cruz de madeira estava colocada no meio do rio, na época da passagem dos dois peregrinos. As narrações de Arculfo e de Guillebaut nada dizem das mudanças trazidas à sorte dos cristãos da Palestina pela invasão do islamismo.
As guerras civis dos muçulmanos davam aos cristãos alguns intervalos de descanso. A dinastia dos omíadas, que tinha estabelecido a sede do império muçulmano em Damasco, era odiosa ao partido sempre temível dos abássidas; ela ocupou-se menos de perseguir o cristianismo do que em conservar seu poder, sempre ameaçado. Meruão II, último califa dessa família, foi quem mais cruel se mostrou para com os discípulos de Jesus Cristo. Quando ele caiu com todos os seus irmãos sob os golpes dos inimigos, os cristãos e os infiéis se reuniram para agradecer Deus por ter libertado o Oriente.
Os abássidas, estabelecidos na cidade de Bagdad, que tinham fundado, experimentaram várias vicissitudes, cujos efeitos se faziam sentir entre os cristãos: no meio das mudanças que causavam os caprichos da fortuna ou os do despotismo, o povo fiel era semelhante, diz Guilherme de Tiro, a um doente, cujas dores se acalmam ou aumentam, segundo o céu está sereno ou tempestuoso. Os cristãos, sempre postos entre o rigor da perseguição e a alegria de uma tranquilidade passageira, viram por fim surgirem dias mais calmos sob o reinado de Arun-Al Raschid o maior dos califas da dinastia de Abbas. Naquela época, a glória de Carlos Magno, que chegara até a Ásia, protegeu as igrejas do Oriente. Sua pródiga liberalidade aliviou a indigência dos cristãos de Alexandria, de Cartago e de Jerusalém. Os dois maiores príncipes de seu século demonstraram reciprocamente grande estima por meio de frequentes embaixadas trocaram magníficos presentes; nessas relações de amizade entre dois poderosos monarcas, o Ocidente e o Oriente, permutaram os mais ricos produtos de seu solo e de sua indústria. O califa mandou um elefante, incenso, marfim, um jogo de xadrez, um relógio cujo mecanismo causou grande surpresa na corte de Carlos Magno. Os presentes do Imperador dos francos consistiam em pano branco e verde da Frísia, em cães de caça do país dos saxões. Carlos Magno quis mostrar aos enviados do califa a magnificência das cerimônias religiosas. Testemunhas, em Aix-la Chapelle, de várias procissões onde o clero tinha exposto seus ornamentos mais preciosos, os embaixadores de Bagdad, voltaram à sua pátria, dizendo que tinham visto homens de ouro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário