4 de março de 2021

Histórias das Cruzadas - Livro Primeiro - Origem e Progresso do Espírito das Cruzadas 1

Prezados Leitores, Salve Maria!

Estamos iniciando publicação da História das Cruzadas, autor de Joseph-François Michaud, publicado em 1956 pela Editora das Américas.

Desejo uma boa e santa leitura!

Administração do Blog São Pio V

LIVRO PRIMEIRO

ORIGEM E PROGRESSO DO ESPÍRITO DAS CRUZADAS

Ano 300 - 1095

Ruínas de Jerusalém; Constantino restaura o Templo; primeiras peregrinações ; Cosroés II apodera-se de Jerusalém; triunfos de Heráclio; exaltação da Santa Cruz; Santo Antonino; Maomé; conquistas de seus sucessores; o califa Omar; Aaroun-al Raschid; expiação de Frontmond; Nicéforo Foca torna-se senhor de Antioquia; conquistas de Zimiscés; Jerusalém torna a cair nas mãos dos fatimitas; o califa Hakem; nova destruição do Templo; morte de Hackem; peregrinações de Foulque, conde de Anjou, de Roberto de Normandia, do Bispo de Cambrai; desgraças dos cristãos; Pedro, o Eremita em Jerusalém; sua pregação; Urbano convoca os concílios de Plaisance e de Clermont; a guerra santa é resolvida; partida dos primeiros cruzados.


As profecias tinham se realizado; não restava em Jerusalém pedra sobre pedra. Mas, no recinto deserto, visitava-se ainda um túmulo cavado na rocha, túmulo de um Deus Salvador, que ficara vazio pelo milagre da ressurreição; havia também um monte onde o sangue de Cristo tinha corrido, onde se tinha consumado o mistério da redenção; o sepulcro de Jesus e o Calvário deviam naturalmente tornar-se os principais objetos da veneração e do amor dos cristãos; a Judéia era aos seus olhos a terra mais santa do universo; também, desde os primeiros tempos da Igreja os fiéis lá iam adorar os vestígios do Salvador. Os falsos deuses haviam aparecido, depois do Imperador Hélio Adriano, na cidade onde seu poder tinha sido vencido: Júpiter tinha-se apoderado do Gólgota, Adônis e Vênus eram adorados em Belém. Mas o reino profanador dessa mitologia que expirava, devia passar bem depressa; a piedade de Constantino fêz desaparecerem essas estátuas, que entristeciam os olhos dos cristãos; a cidade sagrada que, pouco a pouco reconstruída por Hélio Adriano, tinha tomado o nome de Helia-Capitolina, retomou seu primitivo nome, de Jerusalém; um templo cobriu e encerrou o túmulo do Redentor e alguns dos principais lugares da Paixão; Constantino celebrou o trigésimo-primeiro ano do seu reinado com a inauguração dessa Igreja e milhares de cristãos foram à solenidade, onde o sábio Bispo Eusébio pronunciou um discurso cheio da glória de Jesus Cristo.

Santa Helena, cujo nome ficou como uma das tradições cristãs da Palestina, fez uma peregrinação a Jerusalém, numa idade muito avançada; por sua ordem e sob seus olhos, cavou-se a terra, perscrutaram-se as grutas dos arredores do Gólgota, para se encontrar a verdadeira cruz e quando se encontrou o sagrado lenho colocaram-no na nova basílica como o sinal precioso da salvação dos homens. Jerusalém, Belém, Nazaré, o Tabor e o Carmelo, as margens do Jordão e do lago de Genezaré, a maior parte dos lugares marcados com a passagem do Salvador, viram erguerem-se Igrejas e capelas, fundadas pelo zêlo de Santa Helena. O berço do cristianismo restaurado em sua honra, à voz de Constantino que se fizera cristão, o piedoso exemplo da princesa-mãe de um poderoso imperador, reanimaram e aumentaram o ardor das peregrinações à Palestina.

Quando o Imperador Juliano; para diminuir a autoridade das profecias, determinou reconstruir o Templo dos judeus, sobrevieram prodígios, pelos quais Deus confundiu seus intentos e Jerusalém, tornando-se ainda mais cara aos discípulos de Jesus Cristo, via acorrerem todos os anos novos fiéis para
lá adorar a divindade do Evangelho. Entre os peregrinos desses tempos remotos, a história não pode esquecer os nomes de São Porfírio e de São Jerônimo; o primeiro, abandonou na idade de vinte anos, Tessalônica, sua pátria, passou vários anos nas solidões da Tebaida e dirigiu-se à Palestina: depois de se ter por muito tempo condenado à vida mais humilde e mais rude, tornou-se Bispo de Gaza; o segundo, acompanhado por seu amigo Euzébio de Cremona, deixou a Itália, percorreu o Egito, visitou várias vezes Jerusalém e resolveu terminar seus dias em Belém. Paula e sua filha Eustóquia, da ilustre família dos Gracos, unidas a Jerônimo por uma santa amizade, renunciaram em Roma, às alegrias da vida, às grandezas humanas, para abraçar a pobreza de Jesus Cristo e para viver e morrer ao lado do presépio. São Jerônimo nos diz que os peregrinos chegavam então em massa à Judéia e que, em redor do santo sepulcro, ouviam-se cantar em várias línguas os louvores do Filho de Deus. Naquele tempo o mundo estava cheio de revoluções e de desgraças; o velho império romano desmoronava-se sob os golpes dos bárbaros; o mundo antigo caía como caem todas as coisas cujo destino terminou; um grande mal estar tinha-se apoderado das almas, no meio de todas essas calamidades e ruínas; todos se dirigiam ao lugar onde se erguia uma nova fé: a esperança estava então no deserto e era lá que iam procurá-la. Assim tinham feito Jerônimo e outros filhos do Ocidente. Jerônimo não se limitou a uma simples peregrinação, pois Roma, com sua civilização corrompida e sua eternidade que ia terminar, nada tinha que pudesse encher seu coração: ele se tornou habitante da Judéia; lá quis ficar para prover às necessidades dos piedosos viajantes e dos cristãos pobres do lugar ; permaneceu na sua querida Belém para se entregar a um estudo profundo dos livros santos e, para compor sob o cilício  e sua túnica grosseira, tantos admiráveis comentários, oráculos da igreja latina. Hoje o viajante que vai ao presépio de Belém, saúda ao passar, os três túmulos, de São ]erônimo, de Paula e de Eustóquia.

Pelo fim do IV Século, as peregrinações a Jerusalém multiplicavam-se sem cessar e a piedade não era sempre sua regra invariável; esses longos percursos, traziam por vezes o relaxamento da disciplina cristã e o desregramento dos costumes; vários doutôres da Igreja fizeram ouvir palavras eloqüentes para estigmatizar os abusos e os perigos da peregrinação à Palestina. São Gregório de Nicéia digno irmão de São Basílio, foi um dos que se ergueram com mais entusiasmo contra as viagens a Jerusalém. Numa carta eloqüente que nos foi conservada, o Bispo de Nicéia fala dos perigos que a piedade e os costumes cristãos podiam encontrar nas hospedarias da estrada e nas cidades do Oriente; ele diz que a graça divina não se difunde em Jerusalém de uma maneira mais particular do que em outros países e cita como prova do que afirma, os crimes de toda a natureza que, segundo ele, se cometiam então na cidade santa. Gregório de Nicéia, querendo justificar--se de ter feito ele mesmo a peregrinação, que ele proíbe aos cristãos, declara que ele foi a Jerusalém por necessidade e para assistir a um concílio destinado a reformar a igreja da Arábia: a peregrinação não aumentou nem diminuiu sua fé; antes de visitar Belém ele sabia que o filho do homem tinha nascido de uma virgem; antes de ter visto o sepulcro de Cristo, ele
sabia que Cristo tinha ressuscitado de entre os mortos; ele não tivera necessidade de subir ao monte das
Oliveiras, para crer que jesus tinha subido aos céus. "Vós que temeis o Senhor, dizia o santo prelado, louvai-o em qualquer lugar onde estiverdes; Deus vos virá encontrar, se lhe preparardes um tabernáculo
digno dele. Mas se tiverdes o coração cheio de pensamentos maus, estivésseis mesmo sobre o Gólgota no monte das Oliveiras ou em frente do santo sepulcro, estaríeis ainda tão longe do Cristo como aqueles que nunca professaram a fé evangélica. "Santo Agotinho e São Jerônimo também se esforçaram por reter, com suas exortações, o ardor das peregrinações: o primeiro dizia que o Senhor não tinha prescrito ir-se ao Oriente para se buscar a justiça ou ao Ocidente para se receber o perdão; o segundo dizia que a
porta do céu se abria para o longínquo país dos bretões como para Jerusalém. Mas os conselhos dos doutores da igreja nada podiam contra o ímpeto apaixonado da multidão; já força alguma, vontade alguma, sobre a terra podia fechar aos cristãos o caminho para Jerusalém.

À medida que os povos do Ocidente se convertiam ao evangelho voltavam seus olhos para o Oriente. Da longínqua Gália, das florestas da Germânia, de todas as regiões da Europa, viam-se chegar novos cristãos, impacientes por visitar o berço da fé que eles tinham abraçado. Um itinerário para uso dos peregrinos servia-lhes de guia desde as margens do Reno e da Dordonha, até o Jordão e os conduzia ao seu regresso desde Jerusalém até as principais cidades da Itália.

Quando o mundo foi devastado pelos gôdos, pelos hunos e pelos vândalos, as peregrinações à terra santa não se interromperam. Os piedosos viajantes eram protegidos pelas virtudes hospitaleiras dos bárbaros, que começavam a respeitar a cruz de Jesus Cristo e seguiam às vezes os peregrinos até Jerusalém. Nesses tempos de perturbações e de desolações, um pobre peregrino que levava sua sacola e seu bordão, atravessava muitas vezes os campos de carnificina e viajava sem temor no meio dos exércitos que ameaçavam os impérios do Oriente e do Ocidente.

Nos primeiros anos do século V, encontramos na estrada de Jerusalém a Imperatriz Eudóxia, esposa de Teodósio, o Moço; a história louvou seu espírito de piedade. Ao seu regresso a Constantinopla, tristezas e inimizades domésticas fizeram-na sentir o nada das grandezas humanas. Ela tomou Ela tomou então o caminho da Palestina onde terminou sua vida entre exercícios de devoção. Nesse mesmo tempo, Genserico apoderou-se de Cartago e das cidades cristãs da África; a maior parte dos habitantes, expulsos de suas moradias, dispersaram-se em várias regiões da Ásia e do Ocidente; um grande número foi procurar um asilo na terra santa. Quando a África foi reconquistada por Belizário, encontraram entre os despojos dos bárbaros os ornamentos do Templo de Salomão, tirados por Tito; esses preciosos despojos que os destinos da guerra tinham levado a Roma, depois a Cartago, foram transportados a Constantinopla e em seguida a Jerusalém, onde aumentaram o esplendor da Igreja do Santo Sepulcro. Assim as guerras, as revoluções, os revezes do mundo cristão, contribuíam para aumentar o brilho da cidade de Jesus Cristo.

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