28 de julho de 2016

Tesouro de Exemplos - Parte 154

O AMOR DA CORAGEM

Era uma jovem de uns dezesseis anos. Vivia num bairro pobre duma cidade do norte da Espanha. Todos ali eram pescadores e passavam a vida à beira do mar. Sobre aquelas águas sem horizonte navegavam todos os dias procurando naqueles procelosos abismos o pão de cada dia.
O pai de nossa jovem era pescador, e dos piores e mais brutos que se possam imaginar. Nunca o viram na igreja. Para ele só havia dois lugares prediletos: a taberna e o mar. Muito natural, portanto, que sua filha, apesar de seus dezesseis anos, não tivesse feito a primeira Comunhão.
Naqueles dias tinham chegado ali alguns padres missionários. Transformaram um barracão em igreja e, pela manhã e à noite, reuniam aqueles pobres pescadores para falar-lhes de Deus e da salvação eterna. Além disso, em horas diversas, reuniam os meninos e as meninas para explicar-lhes o catecismo. E isto era uma necessidade porque, entre aquelas pobres alminhas, muitas nunca tinham ouvido falar de confissão ou de comunhão.
Nossa jovem de dezesseis anos era das mais assíduas e atentas. De manhã, quando o pai ia para o mar, ela corria à capela dos missionários para aprender a rezar e cantar e ouvir coisas tão belas que nunca ouvira em sua vida.
Chegou o dia da confissão. Passavam de sessenta as meninas que já haviam completado quinze anos e que no dia seguinte iam ter a felicidade de receber Jesus pela primeira vez. Estavam todas radiantes de alegria. Começava a anoitecer e o Padre missionário levantou-se do confessionário. Terminara a sua tarefa. Naquele momento aproximou-se dele uma daquelas meninas e, apontando com o dedo uma jovem que estava no fundo da capela, disse:
— Padre, aquela menina tem mais de dezesseis anos e ainda não fez também a primeira comunhão. Nem sequer se confessou... Mas o senhor não a confesse porque, se o pai dela souber que se confessou, dá-lhe uma sova e a deixa moída...
— Ele é tão mau assim?
— Se é! É péssimo. É o homem pior do bairro e tem o apelido de “tio Barrabás”.
O Padre missionário dirigiu-se à jovenzinha, que já conhecemos, e entre os dois houve o seguinte diálogo:
— Quantos anos tens?
— Já completei dezesseis.
— Nunca te confessaste?
— Nunca.
— Sabes o catecismo?
— Antes, não; mas agora, sim; porque todos os dias tenho vindo pela manhã e à tarde e comprei um livrinho e já o sei de cor.
O Padre fez-lhe algumas perguntas e viu que não havia menina que soubesse o catecismo tão bem como ela.
— E queres confessar-te?
— Sim, Padre.
— E comungar?
— Mais ainda.
— E teu pai consentirá?
— Meu pai não o saberá. Quando ele for de manhã para o mar, eu venho comungar e ele não ficará sabendo. E se o souber...
— Então ele te bate...
— Paciência. Será mais uma surra...
O missionário estava pasmado. As almas como aquelas não se pode negar o maior prêmio da vida: a Eucaristia. Sentou-se, pois, no confessionário e a menina aproximou-se da grade. Já estava o Padre a dar-lhe a absolvição, quando se ouviram na capela uns passos pesados e compassados. Não havia dúvida: tinha que ser algum pescador que entrava com seus pesados sapatões. Era-o com efeito. Foi direto ao confessionário e, agarrando pelo braço a jovem que naquele instante se levantava, deu-lhe tremendas bofetadas e pontapés, empurrando-a para a rua e dizendo:
— Eu já suspeitava que tu andavas por aqui. De onde te vêm essas beatices? Eu te ensinarei a ter juízo. Fora daqui, filha má...
Era o pai. Não se tinha enganado os que disseram que era o homem mais bruto do bairro. O Padre missionário não podia fazer nada com aquele pai monstro.
— Meninas — disse às que estavam ainda na igreja e contemplavam aterradas aquela cena brutal — meninas, de joelhos! vamos rezar três Ave-Marias por aquela filha mártir e por aquele pai verdugo.
E todo se ajoelharam e rezaram com fervor. Amanheceu o grande dia da comunhão daquelas boas meninas. Antes da hora já estavam ali com seus melhores vestidinhos. Os bancos estavam enfeitados com flores brancas. Ia começar a missa e o Padre perguntou:
— Veio aquela menina a quem o pai ontem esbofeteou tão brutalmente?
— Não — disseram — não se deve esperar por ela. Terá cama por alguns dias, talvez com alguma costela quebrada.
Diziam isto, quando junto à pia de água benta apareceu a nossa jovem. Tinha a cabeça toda enfaixada, mas seus olhos brilhavam de alegria. Fez o sinal da Cruz e, satisfeita e resoluta, sentou-se no banco entre as outras jovens.
— Mas, minha filha, — disse-lhe o velho missionário — que foi que te aconteceu?
— Nada, Padre — respondeu com a maior tranqüilidade — apenas meu pai, por eu me ter confessado, me deu ontem tão tremendas pancadas, que estou com o rosto e a cabeça cobertas de feridas.
— E teu pai, onde está agora?
— Seguiu para o mar.
— Ele sabe que vieste comungar,?
— Não, senhor.
— E se ele chegar a saber?
— Dá-me outra sova.
— E que dizes a isso?
— Não faz mal, Padre; para ter a felicidade de comungar, a gente bem pode aguentar duas sovas.
Com que prazer não terá Jesus entrado naquele coração. Aquela jovem, sim, amava a Jesus; aquela, sim, sabia fazer sacrifícios por amor de Jesus Cristo!
Vós, meninos e meninas, admirai-lhe a grandeza de alma, a coragem e firmeza de caráter.

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