II
O sacrifício deste Pontífice único caminha a par do Seu sacerdócio. igualmente inaugurado por Jesus desde a Incarnação.
Sabeis que em Jesus Cristo a alma. criada como a nossa, não foi contudo submetida pelo exercício das suas próprias faculdades, inteligência e vontade. ao desenvolvimento progressivo do organismo corporal : possuía. desde o primeiro momento da sua existência, a perfeição da sua própria vida. como convinha a uma alma unida à Divindade.
S. Paulo revela-nos o primeiro movimento da alma de Jesus no instante da lncarnação.
Com um rápido olhar, abrange os séculos passados ;vê, ao lado do abismo em que jaz a humanidade inteira incapaz de se libertar, a multiplicidade e a insuficiência de todos os sacrifícios da Antiga Lei, porque a criatura, por mais perfeita que seja, não pode dignamente reparar a injúria feita, pelo pecado, ao Criador : contempla o programa de imolação que Deus exige dela para
realizar a salvação do mundo. Que momento solene para a alma de Jesus! Que momento para o gênero humano !
E que faz esta alma? Por um movimento de intenso amor. entrega-se inteiramente ao serviço da obra humano-divina, única que pode glorificar o Pai, salvando a humanidade - «Ó Pai, já não aceitas estas ofertas, estes sacrifícios, que não são suficientemente dignos de ti». Mas formaste-me um corpo : Corpus autem aptasti míhi. E porque mo deste; Eis que eu venho. ó Pai, cumprir a tua vontade. Exiges que te ofereça em sacrifício.. . Eis-me aqui : Ecce venio, in
capite libri scriptum est de me ut faciam, Deus, voluntatem tuam. «Na cabeça do livro da minha vida está escrito que devo ó Pai. fazer a Vossa vontade ; assim o quero porque Vos é agradáveI» .
Com uma vontade perfeita, Jesus Cristo aceitou todas as dores que começaram na humildade do presépio para só rematarem na ignomínia da Cruz. Ao entrar no mundo, Jesus Cristo logo se oferece como Vítima: o primeiro ato da Sua vida é um ato sacerdotal. Que criatura poderá avaliar o amor que encerra este ato sacerdotal de Jesus? Quem conhecerá a Sua intensidade e descreverá o Seu esplendor? Só o silêncio da adoração pode louvá-lo um pouco.
Nunca Jesus Cristo se retratou deste ato, ou retomou esta dádiva. Pelo contrário, tudo em Sua vida
será ordenado para o sacrifício da Cruz. Lede o Evangelho a esta luz e vereis como em todos os mistérios e estados de Jesus se encontra uma parte do sacrifício que passo a passo, conduz ao cimo do Calvário, de tal modo é inerente à Sua pessoa o carácter de Pontífice, de Mediador e de Salvador. Só compreenderemos a verdadeira fisionomia da pessoa de Jesus, se a estudarmos constantemente em ordem à Sua missão redentora pelo sacrifício e pela imolação de Si próprio. Por isso, quando S. Paulo diz que tudo leva «ao conhecimento do mistério de Jesus», acrescenta imediatamente: «e de Jesus crucificado» : Non enim judicavi aliquid scire inter vos nisi Jesum Christum, ET HUNC CRUCIFIXUM.
Vede: Jesus Cristo nasce na mais absoluta pobreza ; para escapar ao furor dum tirano, tem de refugiar-se em terra estranha ; sujeita-se na oficina de Nazaré ao trabalho penoso e oculto ; durante a Sua vida pública não tem onde reclinar a cabeça : Vê-se perseguido pelos fariseus, seus inimigos mortais : experimenta a fome, a sede e o cansaço. Mais ainda, deseja ardentemente consumar o Seu sacrifício: Baptismo autem habeo baptizari, et quomodo COARCTOR, usquedum perficiatur.
Há em Jesus, se assim se pode dizer. uma espécie de entusiasmo pelo sacrifício. Vede ainda o Evangelho, quando o nosso divino Salvador, para poupar os Apóstolos, começa a revelar-lhes, pouco a pouco, o mistério dos Seus sofrimentos. Um dia diz-lhes que é preciso ir a Jerusalém e padecer muito da parte dos Seus inimigos e ser condenado à morte. Então S. Pedro, tomando-o à parte, exclama : «Senhor, praza a Deus que isto Vos não aconteça». Mas Jesus replica imediatamente : « Retira-te de mim que me escandalizas, porque não tens a inteligência das coisas de Deus ; só tens pensamentos humanos». No Tabor, durante os esplendores da transfiguração, de que é que se trata entre o Salvador, Moisés e Elias senão da Sua próxima Paixão?
Estava Jesus Cristo ansioso por dar ao Pai a glória que o seu sacrifício Lhe devia proporcionar: Jota unum aut unus apex non praeteribit a lege, donec omnia fiant . Quer cumprir tudo até ao último jota, isto é, até ao mais pequeno pormenor. Na agonia. sente profundamente as angústias e as dores que Lhe acabrunham a alma: «Ó Pai, exdama, se é possíveí, afasta de mim este cálix» e no entanto só quer cumprir a vontade de Seu Pai: «Contudo, seja feita a tua vontade, e não
a minha». Enfim, no Calvário. consuma-se a imolação : e, antes de exalar o derradeiro suspiro, pôde dizer que realizou plenamente o programa traçado pelo Pài:
Consummatum est. Este grito final da Vítima divina sobre a cruz corresponde ao Ecce venio da lncarnação no seio da Virgem.
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