IV
Quais são essas disposições? Podem resumir-se em quatro.
Pureza de coração. Vejamos: quem estava mais bem preparado para a vida do Verbo lncarnado à
terra? Era, sem dúvida, a Virgem Maria. No momento em que o Verbo veio ao mundo, achou o coração desta Virgem perfeitamente preparado e capaz de receber as liberalidades divinas de que a queria cumular. E quais eram as disposições desta alma?
Com certeza as possuía todas, e no mais alto grau de perfeição. Uma, porém, resplandece nela com brilho particular: a sua pureza virginal. Maria é Virgem : preza tanto a sua virgindade, que chama para ela a atenção do Anjo, quando este lhe propõe o mistério da Maternidade divina.
Não somente ela é Virgem, mas a sua alma é sem mácula. A Liturgia revela-nos que o desígnio de Deus, ao conceder a Maria o privilégio único da Imaculada Conceição, era «preparar para o Verbo uma morada digna d'Ele» : Deus qui per immaculatam Virginis conceptionem, dignum Filio tuo HABITACULUM PRAEPARASTI . Maria devia ser a Mãe de Deus : e esta dignidade eminente exigia que ela fosse, não somente Virgem, mas que a sua pureza fosse maior do que a dos Anjos e
fosse um reflexo dos santos esplendores em que o Pai gera o Filho: In spendoríbus sanctorum . Deus é santo, três vezes santo ; os Anjos, os Arcanjos, os Serafins cantam essa pureza infinita: Sanctus, Sanctus, Sanctus. O seio de Deus, de brilho imaculado, é a morada natural do Filho único de Deus : o Verbo está sempre in sinu Patrís: mas, incarnando, quis também, por inefável condescendência, ser in sinu Virginis Matris; era mister que o tabernáculo que lhe oferecia a Virgem Lhe lembrasse, por sua pureza incomparável, o seio eterno onde, como Deus, vive sempre: Christi sinus erat in Deo Patre divinitas, in Maria Matre virginitas.
A primeira disposição que atrai Jesus Cristo é uma grande pureza. Nós, porém, pecadores que somos, não podemos oferecer ao Verbo, a Jesus, essa pureza imaculada que ELE tanto ama. O que poderá substituí-la em nós? A humildade.
Deus possui em Seu seio o Filho das Suas complacências, mas aperta também ao seio outro filho - o filho pródigo. É o próprio Nosso Senhor quem no-lo diz. Quando, depois de seus desvarios, o filho pródigo volta para seu pai, se humilha no pó e reconhece que é miserável e indigno, imediatamente, sem uma censura, o pai o recebe nas entranhas da sua misericórdia: Misericordia motus.
Não esqueçamos que o Verbo, o Filho, só quer o que o Pai quer ; se Ele incarna e aparece no mundo, é para procurar os pecadores e levá-los de novo ao Pai: Non veni vocare justos sed peccatores. Isto é tão verdade que Nosso Senhor, mais tarde, com grande escândalo dos fariseus, andará na companhia dos pecadores, sentando-se à mesma mesa com eles, e permitirá que a Madalena Lhe beije os pés e Lhos regue com as suas lágrimas.
Se não temos a pureza da Virgem Maria, peçamos ao menos a humildade da Madalena. o amor da contrição e da penitência. <<Ó Jesus, eu não sou digno de que entreis em mim : o meu coração não será para Vós morada de pureza ; a miséria habita nele, mas eu reconheço e confesso essa miséria : vinde libertar-me dela. ó Vós que sois a verdadeira misericórdia ; vinde liber-tar-me, ó Vós que sois a omnipotência» ! Veni ad líbe ..
randum nos, Domine Deus virtutum ! Semelhante oração, de par com o espírito de penitência, atrai Jesus Cristo, porque a humildade que se abaixa no seu nada presta homenagem à bondade e ao poder de Jesus: Et eum, qui venit ad me, non ejicíam foras.
Todavia, a consideração das nossas enfermidade não nos deve desanimar, pelo contrário. Quanto mais sentirmos a nossa fraqueza, tanto mais devemos abrir a nossa alma à confiança, porque a salvação vem unicamente de Jesus Cristo.
Pusillanimes, confortamini et nolite timere, ecce Deus noster veniet et salvabit nos : «Vós que tendes o coração atribulado, cobrai ânimo, não temais : eis aí Deus, o nosso Deus, que nos vem salvar». Vede a confiança dos judeus no Messias. Para eles, o Messias era tudo; n'Ele se resumiam todas as aspirações de Israel. todos os votos do povo, todas as esperanças da raça : contemplá-Lo devia contentar toda a ambição ; e ver o estabelecimento do Seu reino devia satisfazer todos os
anelos. Por isso, vede como eram impacientes e cheios de confiança os desejos dos judeus: «Vinde, Senhor, não tardeis»: <
Com quanto maior razão se verifica isto para nós que possuímos Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Oh! se compreendêssemos bem o que é a santa Humanidade de Jesus, teríamos nela confiança inquebrantável ; nela residem todos os tesouros de ciência e de sabedoria ; nela habita a própria Divindade : esse Homem Deus que vem a nós, é o Emmanuel, é «Deus conosco», é nosso irmão mais velho. O Verbo desposou a nossa natureza ; tomou sobre Si as nossas enfermidades para experimentar o que é o sofrimento : vem a nós para que tomemos parte na Sua vida divina ; possui todas as graças que podemos esperar, e possui-as em plenitude para no-las conceder.
Eram magníficas as promessas que, pela voz dos profetas, Deus fazia ao Seu povo para excitar nele o desejo do Messias. Muitos judeus, porém, entendiam essas promessas no sentido material e grosseiro dum reino temporal e político. As graças prometidas aos judeus que esperavam o Salvador eram apenas a imagem das riquezas sobrenaturais que temos em Jesus Cristo ; a maior parte dos israelitas viviam de símbolos terrenos ; nós vivemos da realidade divina. isto é, da graça de Jesus. A Liturgia do Advento fala-nos, sem cessar, da misericórdia. da redenção, da salvação, da liberdade, da luz, da abundância, da alegria, da paz: «Eis que o Senhor vai chegar: no dia do Seu nascimento, o mundo será inundado de luz : exulta, pois, de alegria, Jerusalém, porque o teu Salvador vai aparecer»; «a paz inundará a nossa terra quando Ele se mostrar». Jesus Cristo traz consigo todas as bênçãos que possam encher uma alma. Cum illo omnia no bis donavit .
Deixemos, pois, os nossos corações abandonarem-se, com absoluta confiança Àquele que vai chegar. Seremos deveras agradáveis ao Pai, crendo que Seu Filho Jesus pode tudo para a santificação das nossas almas. Proclamamos assim que Jesus é Seu igual e que o Pai «tudo Lhe entregou». Uma tal confiança não pode ser frustada. Na Missa do primeiro Domingo do Advento,
a Igreja chega a no-lo garantir por três vezes: «Aqueles que em Vós esperam, Senhor, não serão confundidos» : Qui te exspectant non confundentur.
Esta confiança manifestar--se-á sobretudo em desejos ardentes de ver Jesus Cristo em nós para reinar mais ainda: Advenia:t regnum tuum ! A Liturgia desenvolve em nós estes desejos. Ao mesmo tempo que põe diante dos nossos olhos e nos faz reler as profecias, sobretudo as de Isaías, a Igreja leva aos nossos lábios as aspirações e anelos dos antigos justos. Ela quer ver-nos preparados para a vinda de Jesus Cristo às nossas almas, assim como Deus queria que os judeus estivessem dispostos para receber o Seu Filho: «Enviai, Senhor, Aquele que prometestes. Vinde, Senhor, vinde perdoar os pecados do Vosso povo ! Senhor, manifestai a Vossa misericórdia e fazei aparecer o autor da nossa salvação! Vinde libertar- nos, Senhor, Deus todo poderoso! Excitai o Vosso poder e vinde».
A Igreja faz-nos constantemente repetir estas aspirações, faça-mo-las nossas, apropriemo-nos delas com fé e Jesus Cristo nos enriquecerá com as Suas graças.
Sabeis muito bem que Deus é senhor dos Seus dons , Ele é soberanamente livre e ninguém pode pedir-Lhe contas das Suas preferências, mas, na aplicação ordinária da Sua Providência. «Ele guia.-se pelas súplicas dos humildes que Lhe expõem as suas necessidades» : Desiderium pauperum exaudivit Dominus. Jesus Cristo dá-se na medida do desejo que temos de O receber e os desejos aumentam a capacidade da alma que os exprime: Dilata os tuum, et implebo illud .
Portanto, se queremos que a celebração da Natividade de Jesus proporcione grande glória à Santíssima Trindade, que seja uma consolação para o Coração do Verbo Incarnado, uma fonte de abundantes graças para a Igreja e para nós, procuremos purificar os nossos corações, tenhamos uma humildade cheia de confiança, e sobretudo dilatemos a nossa alma pela grandeza e veemência dos nossos desejos.
Peçamos também à Virgem Maria que nos faça participar dos sentimentos que a animavam durante os dias abençoados que precederam o nascimento de Jesus.
A Igreja quis - e nada mais justo- que a Liturgia do Advento estivesse cheia do seu pensamento ; faz-nos sem cessar cantar a «divina fecundidade duma Virgem, fecundidade admirável que enche de pasmo a natureza» : Tu quae genuístí, natura mirante, tuum sanctum genitorem, virgo prius ac posterius .
O seio virginal de Maria era um santuário imaculado, donde ela fazia subir o incenso puríssimo da sua adoração e das suas homenagens.
É verdadeiramente inefável a vida interior da Santíssima Virgem durante aqueles dias. Vivia em união íntima com o Menino Deus que trazia no seio. A alma de Jesus estava, pela visão beatífica, mergulhada na luz divina ; essa luz irradiava sobre a Mãe : Maria aparecia, na verdade, aos olhos dos Anjos, como «a mulher revestida do sol» : Mulier amicta sole, irradiando as claridades celestes, resplandecendo com os raios de luz de seu Filho. Quanto os seus sentimentos estavam
à altura da sua fé ! Como ela resumia bem em si - mas excedendo tudo, conferindo a tudo, pela pureza e intensidade dos movimentos da alma, um valor que nunca tinham atingido - todas as aspirações, todos os anelos, todos os votos da humanidade, na expectativa do seu Salvador e seu Deus ! Que santo ardor em seus desejos ! Que certeza inquebrantável na sua confiança ! Que
zelo no seu amor !
Esta humilde Virgem é a rainha dos patriarcas, pois é da sua descendência, e o Filho que deve dar
à luz é Aquele que resume em Sua pessoa toda a magnificência das antigas promessas.
É também a rainha dos profetas, porque deve gerar o Verbo de que falavam todos os profetas, porque seu Filho realizará todas as profecias e anunciará por Si mesmo a todos os povos «a boa nova da Redenção» .
Peçamos-lhe humildemente que nos faça partilhar das suas disposições. Ela ouvirá a nossa prece : teremos a alegria imensa de ver Jesus Cristo nascer de novo em nossos corações, pela comunicação duma graça mais abundante, e poderemos, como a SSma Virgem, posto que em menor escala, apreciar a verdade destas palavras de S. João: «0 Verbo era Deus. .. E o Verbo se
fez carne e habitou entre nós : vimo-Lo cheio de graça e da Sua plenitude todos nós recebemos - graça sobre graça».
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