29 de novembro de 2016

Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

I

Transportemo-nos à gruta de Belém; contemplemos essa criancinha reclinada num presépio. Que é ela aos olhos dum profano, dum habitante da pequena cidade que o acaso aí levasse depois do nascimento de Jesus?
 É apenas uma criança que acaba de nascer; deve a vida a uma mulher de Nazaré; é um filho de Adão como nós, pois os seus pais o inscreveram nos registros do recenseamento; podemos seguir as circunstâncias da sua genealogia, de Abraão a David, de David a José e a sua Mãe. Mas não é mais do que um homem; ou antes, virá a ser um homem, porque, por ora, não passa duma criança, débil criança cuja vida se sustenta com um pouco de leite.
 Eis o que se mostra aos sentidos nessa criancinha estendida sobre palha. Muitos judeus nada mais viram nela. Ouvireis mais tarde os seus compatriotas, atônitos com a sua sabedoria, indagar onde a foi buscar; porque, a seus olhos, nunca passou de «filho dum carpinteiro»; Nonne hic est fabri filius?
 Mas, aos olhos da fé, a vida que anima este Menino é uma vida mais alta do que a vida humana; é a vida divina. Que nos diz a fé a este respeito? Que revelação nos faz?
 Diz-nos a fé, numa palavra, que esta criança é o próprio Filho de Deus. É o Verbo, a segunda Pessoa da adorável Trindade, é o Filho que recebe do Pai a vida divina por inefável comunicação: Sicut Pater habet vitam in semetipso,  sic dedit et Filio habere vitam in semetipso. Possui a natureza divina com todas as suas infinitas perfeições. Nos esplendores dos céus, in splendoribus sanctorum, Deus gera este Filho por uma geração eterna.
· É a esta filiação divina de Jesus Cristo no seio do Pai que, em primeiro lugar, se dirige a nossa adoração; é ela que exaltamos na Missa da meia noite. Ao romper do dia, o santo Sacrifício celebrará a Natividade de Jesus Cristo em nossas almas.
 A Missa da meia noite, toda envolta em mistério, começa por estas palavras cheias de gravidade: Dominus dixit ad me; Filius meus es tu, ego hodie genuite. Eis a exclamação que se escapa da alma de Jesus Cristo unida à pessoa do Verbo e que revela à terra, pela primeira vez,· o que os céus ouvem desde toda a eternidade: «Disse-me o Senhor: És o meu Filho, hoje te gerei». Este «hoje» é, primeiramente, o dia da eternidade, dia sem aurora nem ocaso.
 O Pai celeste· contempla agora o Filho incarnado. O Verbo, por se ter feito homem, não deixa de ser Deus; filho do homem, permanece Filho de Deus. O primeiro olhar que repousa em Jesus Cristo, o primeiro amor que o cerca, é o olhar e o amor do Pai: Diligit me Pater. Que contemplação e que amor! Jesus Cristo é o Filho único do Pai; eis a Sua glória essencial; é igual e «consubstancial ao Pai, Deus de Deus, luz de luz». «Por ele todas as coisas foram feitas e nada foi feito sem Ele». «Foi por este Filho que os séculos foram criados; sustenta todas as coisas pelo poder da Sua palavra. Foi Ele quem, no princípio, tirou do nada a terra, e os céus são obra das Suas mãos; envelhecerão como uma veste, serão mudados como uma capa; mas Ele é sempre o mesmo e os seus anos são eternos».
 E este Verbo fez -se carne: «Et Verbum caro factum est».
Adoremos o Verbo que incarnou por amor de nós: Christus natus est nobis, venite adoremus ... . Um Deus toma a nossa humanidade: concebido pela misteriosa operação do Espírito Santo no seio de Maria, Jesus Cristo é gerado da mais pura substância do sangue da Virgem, e a vida que dela recebe torna.-O semelhante a nós: Creator generis humani de virgine nasci dignatus est, et procedens homo sine semine.
 Eis o que nos diz a fé: este Menino é o Verbo de Deus incarnado; é o Criador do gênero humano, feito homem: Creator generis humani; precisa dum pouco de leite para se alimentar, Ele que sustenta as avezinhas do céu:
 Parvoque lacte pastus est
 Per quem nec eles esurit. 
Contemplai essa criancinha deitada no presépio. De olhos fechados, adormecida, exteriormente não manifesta tudo o que é: aparentemente é igual a todas as outras crianças; e, no entanto, enquanto Deus, enquanto Verbo eterno, julgava as almas que diante dele compareciam. «Como homem, está reclinado na palha; como Deus, sustenta o universo e reina nos céus»: Jacet in praesepio et in caelis regnat. Este menino que vai crescendo - Puer crescebat ... et proficiebat aetate  - é Aquele que é eterno e cuja natureza divina não conhece mudança»: Tu idem ipse es, et anni tui non deficient. Aquele que nasceu no tempo é também Aquele que existe antes de todos os tempos; Aquele que se manifesta aos pastores de Belém é Aquele que, do nada, criou as nações, «diante de quem elas são como se não existissem» .
Palamque fit pastorisbus
 Pastor creator omnium .
Como vedes, aos olhos da fé, há duas vidas nesta criança; duas vidas indissoluvelmente unidas de maneira inefável, porque a natureza humana pertence ao Verbo de tal forma que existe só uma pessoa, a do Verbo, que sustenta com Sua própria existência divina a natureza humana.
 Sem dúvida, esta natureza humana é perfeita, perfectus homo; nada lhe falta no que toca à Sua essência. Este Menino tem uma alma como a nossa, um corpo semelhante ao nosso, faculdades -inteligência, vontade, imaginação, sensibilidade - como as nossas; é, em verdade, um dos nossos, cuja existência se vai revelar, durante trinta e três anos, bem autenticamente humana. Só o pecado Lhe será desconhecido: Debuit per omnia fratribus similari absque peccato. Esta natureza humana, que é perfeita em si mesma, conservará a atividade própria, o seu esplendor de origem.
 Entre estas duas vidas de Jesus Cristo - a divina, que possui sempre por Seu nascimento eterno no seio do Pai, e a humana, que começou a possuir no tempo por Sua lncarnação no seio duma Virgem - não há mistura nem confusão. O Verbo, tornando-se homem, permanece o que é, tomando da nossa raça o que não era; mas n'Ele o divino não absorve o humano, o humano não diminue o divino. A união é tal, como vos disse muitas vezes, que há uma só e única pessoa - a pessoa divina - e a natureza humana pertence ao Verbo, é a humanidade própria do Verbo; Mirabile mysterium declara- tur hodie: innovantur naturae,  Deus homo factus est: id quod fuit permansit et quod non erat assumpsit, non commixtionem passus neque divisionem .

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