23 de novembro de 2016

Columba Marmion - Jesus Cristo nos seus mistérios.

III

Temos a felicidade de crer nesta luz que vai doravante «iluminar todo o homem que vem a este mundo»; vivemos ainda na bem aventurada «plenitude dos tempos» : não estamos, como os Patriarcas, privados de ver o reino do Messias. Se não somos do número dos que contemplaram Cristo em pessoa, ouviram as Suas palavras  e  O viram passar fazendo o bem por toda a
parte, temos a ventura insigne de pertencer «às nações de que David cantou que seriam a herança de Jesus Cristo».
E, no entanto, o Espírito Santo que dirige a Igreja e é o principal autor da nossa santificação, quer que todos os anos a Igreja consagre um período de quatro semanas para avivar a lembrança da admirável duração das preparações divinas e empregue todos os meios para que as nossas almas se conservem nas disposições interiores em que viviam os judeus fiéis, à espera do Messias.
Diz-me- eis talvez: «Essa preparação para a vida de Jesus Cristo, esses desejos, essa expectativa, tudo isso era excelente para as almas dos justos que viviam no Antigo Testamento : agora, porém, que Jesus Cristo veio, para que é precisa essa atitude que parece não corresponder à verdade»?
Por muitas razões.
Primeiramente, Deus quer ser louvado e glorificado em todas as Suas obras.
De fato, todas têm o cunho da Sua infinita sabedoria:  Omnia in sapientia fecisti: todas são admiráveis, tanto em suas preparações como na sua realização. E isto é ainda mais verdadeiro tratando-se das que têm por fim direito a glória do Seu Filho, porque «a vontade do Pai é que o Seu Filho seja louvado para sempre». Deus quer que admiremos as Suas operações e Lhe agradeçamos o ter assim preparado, com tanta sabedoria e poder, o reinado do Seu Filho entre nós. Penetramos nos pensamentos divinos, quando recordamos as profecias e promessas da Antiga Aliança.
Depois, Deus quer que encontremos nestas preparações uma confirmação da nossa fé.
Se deu tantos sinais, tão diversos e tão exatos, tantas profecias, tão numerosas e tão claras, é para que reconheçamos como Seu Filho Aquele que as realizou na Sua pessoa.
Vede como, no Evangelho, o próprio Nessa Senhor convidava os Seus discípulos a esta contemplação:  Scru­tamini Scripturas:  «Examinai a fundo as Escrituras», lhes dizia ( as Escrituras  eram, então, os livros do Antigo Testamento) examinai-as bem, vereis que estão cheias do meu nome: porque «tudo o que foi escrito de mim nos salmos e nos profetas, tudo deve ser cum­prido»:   Necesse est impleri omnia quae scripta sunt in prophetis et psalmis de me.  Logo depois da Ressurreição, ainda O veremos explicar aos discípulos de Emaús, para lhes fortalecer a fé e dissipar  a  tristeza, o que as Escrituras diziam d'Ele, «começando em Moisés, e percorrendo todos os profetas»:  Et incipiens a Moyse et omnibus prophetis. interpretabatur illis in omnibus scripturis quae de ipso erant . - Assim que, quando lemos as profecias que a Igreja nos apresenta durante o
Advento, digamos com toda a nossa fé, como os primeiros discípulos de  Jesus: «Achamos Aquele que os profetas anunciaram>>. Diga-mo-lo ao próprio  Jesus Cristo: «Sim, Vós sois, na verdade, Aquele que há de vir : nós o cremos e Vos adoramos, a Vós que, para salvar o mundo, Vos dignastes incarnar  no seio duma Virgem»: Tu ad liberandum suscepturus hominem non honrruisti
virginis uterum .
Esta profissão de fé agrada sobremaneira  a  Deus ; não nos cansemos de a repetir. Nosso Senhor poderá dizer-nos como aos Apóstolos: «Meu Pai ama-vos, porque acreditastes que sou o Seu enviado».
Há, enfim, uma terceira razão, mais profunda e mais íntima ;  Jesus Cristo não veio especialmente para os habitantes da  Judeia, Seus contemporâneos, mas para todos nós, para todos os homens, para os homens de to­das as nações e de todos os séculos. Não cantamos nós no  Credo : Propter  NOS  et propter  NOSTRAM  salutem descendit de caelis?  A «plenitude dos tempos», não está
ainda encerrada ; durará enquanto houver eleitos para salvar.
Foi somente à Igreja que Jesus Cristo, depois da Sua Ascensão, deixou a missão de O gerar nas almas. «Sois meus filhos, dizia S. Paulo, o apóstolo de Jesus Cristo no meio das nações : eu vos gero em Jesus Cristo, para que Ele seja formado em vós». A Igreja, guiada nisto pelo Espirito Santo que é o Espírito de Jesus, tra­balha nesta obra, fazendo-nos contemplar em cada ano o mistério do seu divino Esposo. Pois, como vos disse ao iniciar estas conferências, todo o mistério de Jesus Cristo é vivo ; é, não somente uma realidade histórica cuja lembrança recordamos, mas uma solenidade que contém em si mesma uma graça própria, uma virtude especial que deve fazer-nos viver a própria vida de Jesus Cristo, de quem somos os membros, e compartilhar de todos os Seus estados.
Ora a Igreja celebra no Natal a natividade do seu divino Esposo : tamquam sponsus procedens de  thalamo suo :  e nas semanas do Advento quer preparar-nos para a graça da vinda de Jesus Cristo a nós.  É  um advento todo interior e misterioso que se faz na fé, mas que é muito fecundo.
É  verdade que Jesus Cristo  já  vive em nós pela graça santificante que nos faz nascer filhos de Deus; mas a Igreja quer que esta graça se renove e que viva­mos uma vida nova, mais livre do pecado, que sejamos menos imperfeitos, mais desprendidos de nós mesmos e das criaturas:  Ut nos Unigeniti tui nova per carnem nativitas liberet quos sub peccati jugo vetusta servítus tenet : quer principalmente fazer-nos compreender que Jesus Cristo, em paga da humanidade que recebe de nós, far-nos-á quinhão da Sua Divindade e nos tomará para Si mais completamente, mais inteiramente, mais perfeitamente: será como que a graça dum novo nascimento divino em nós:  Ut tua gratia largiente,per haec sacrosancta commercia, in illíus inveniamur forma, in quo tecum est nostra substantia.
Foi esta graça que nos mereceu o Verbo Incarnado com o Seu nascimento em Belém ; mas, se é verdade que Ele nasceu, viveu e morreu por todos nós - Pro omni­bus mortuus est Christus - também é verdade que a aplicação dos Seus merecimentos e a dispensação das Suas graças se realiza em cada alma na medida dessas disposições.
Não participaremos das graças tão abundantes que nos traz a Natividade de Jesus Cristo, senão na medida das nossas disposições. A Igreja sabe-o perfeitamente ; por isso, nada descura para que as nossas almas tenham essa atitude interior que a vinda de Jesus delas reclama. Não somente a Igreja nos diz pela voz do Precursor: «Preparai os caminhos», porque «Ele está próximo»: Prope est jam Dominus;  mas como Esposa atenta aos desejos do Esposo, como mãe preocupada com o bem estar dos seus filhos, lembra-nos e dá-nos os meios de realizar essa preparação necessária. Transporta-nos, para assim dizer, à Antiga Aliança para que nos apropriemos, num sentido todo sobrenatural, dos sentimentos dos judeus fiéis que suspiravam pela vinda do Messias.
Se nos deixarmos guiar por ela, as nossas disposições serão perfeitas e a solenidade do nascimento de Jesus produzirá em nós todos os frutos de graça, de luz e de vida.

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