I
É principalmente na epístola aos Hebreus que S.Paulo expõe em amplos e empolgantes termos as inefáveis grandezas de Jesus Cristo como Pontífice: De quo nobis grandis sermo et ininterpretabilis ad dicendum; nela vemos assinaladas a Sua missão de mediador e a transcendência do Seu sacerdócio e do Seu sacrifício sobre o sacerdócio de Aarão e sacrifícios do Antigo Testamento : sacrifício único, consumado no Calvário e cuja oblação perdura com inesgotável eficácia no santuário do céu.
S. Paulo revela-nos esta verdade: Jesus Cristo possui o Seu sacerdócio desde o momento da lncarnação .
O que é o sacerdote? - É diz o Apóstolo, mediador entre o homem e Deus : o sacerdote oferece a Deu as homenagens da criatura e dá Deus. «o santo», aos homens, «Sacrum dans»; daí o nome de sacerdote.
«É escolhido de entre os homens, consagrado a Deus, para ser mediador: Omnis pontifex ex hominibus assumptus pro hominibus constituitur in iis quae sunt ad Deum. Outrora fazia-se esta consagração ordinariamente por uma «unção» especial que significava que o Espírito do Senhor descia sobre o eleito, assinalando-o assim, dum modo particular. para a sua missão de pontífice. No sacerdócio humano. este carácter sacerdotal é uma qualidade que se ajunta, para assim dizer,
à pessoa do homem.
Mas em Jesus Cristo, este carácter é inteiramente transcendente, assim como é única a mediação de que está investido. Jesus tornou-se Pontífice desde o instante da lncarnação e pela lncarnação.
Para compreender este profundo mistério, é necessário ouvir somente a fé, pois a inteligência humana confunde-se diante de tais grandezas. Transportemo-nos a Nazaré para assistir ao colóquio celestial entre o Anjo e a Virgem. O mensageiro de Deus diz a Maria, para lhe explicar o prodígio que nela se vai operar : «O Espírito Santo descerá sobre vós e a Virtude do Altíssimo vos cobrirá com a Sua sombra: por isso, o santo que há-de nascer de vós será chamado o Filho de Deus».
A Virgem responde: «Eis aqui a escrava do Senhor : faça-se em mim segundo a vossa palavra».
Neste momento, o Verbo fez-se carne. ligou-se para sempre, por inefável união, a uma humanidade. Pela Incarnação, o Verbo incorpora-se na nossa raça, torna-se autenticamente um dos nossos, semelhante a nós em tudo, exceto no pecado. Pode, portanto, tornar-se Pontífice, Mediador, porque, sendo Deus e homem, pode ligar o homem a Deus : Ex hominibus assumptus.
Na Santíssima Trindade, a segunda pessoa, o Verbo, é a glória infinita do Pai, a Sua glória essencial: Splendor gloriae et figura substantiae ejus . Mas, enquanto Verbo, antes da lncarnação, não oferece sacrifício algum ao Pai. Porquê? Porque o sacrifício indica homenagem, adoração, isto é, o reconhecimento da nossa própria baixeza em face do Ser infinito ; o Verbo, sendo em tudo igual ao Pai, Deus com Ele e como Ele, não Lhe pode, pois, oferecer sacrifício algum. O sacerdócio de Cristo só pôde começar no momento em que o Verbo se fez carne ; desde o momento em que o Verbo lncarnou, uniu em Si duas naturezas ; a divina, pela qual podia dizer: Ego et Pater unum sumus: «O meu Pai e Eu somos um» - um na unidade da Divindade, um na igualdade das perfeições ; e a humana, que o fazia exclamar: Pater major me est: «O meu
Pai é maior do que eu». :É, pois, enquanto Homem-Deus que Jesus é Pontífice.
Autores abalizados fazem derivar a palavra Pontífice de pontem facere: «estabelecer a ponte». Seja qual for o valor desta etimologia, a ideia que encerra é exata. O Pai Eterno, nos entretenimentos que se dignava ter com Santa Catarina de Sena, explicava-lhe como, pela
união das duas naturezas, Jesus Cristo lançara uma ponte sobre o abismo que nos separava do céu: «Quero que olhes para a ponte que vos construí em meu Filho único e que contemples a sua grandeza, que vai do céu à terra ; porque a grandeza da Divindade acha-se unida à terra da vossa humanidade. Foi isso necessário para refazer o caminho que estava interrompido e permitir
atravessar a amargura do mundo para alcançar a vida eterna>>
Foi ainda pelo próprio mistério da Incarnação que a humanidade de Jesus foi «consagrada», «ungida». Não por uma unção externa, como se f az com as símples criaturas, mas por uma unção inteiramente espiritual. Devido à ação do Espírito Santo que a Liturgia denomina spiritalis unctio, a divindade derramou-se sobre a natureza humana de Jesus, «como um óleo de alegria» : Unxit te Deus oleo laetitiae prae consortibus tuis .Tão penetrante é esta unção, de tal modo está a humanidade «consagrada a Deus», que não existe posse mais estreita do que esta, porque a natureza humana de Jesus Cristo tornou -se a própria humanidade de um Deus, do Filho de Deus.
Eis por que, no momento desta Incarnação que consagrou o primeiro sacerdote da Nova Aliança, uma exclamação reboou nos céus: Tu es sacerdos in aeternum. «És sacerdote para a eternidade>>. S. Paulo, cujo olhar comprendeu tantos mistérios, revela-nos também este. Ouvi- o. «Ninguém se atribui a si próprio, diz Ele, a dignidade do sacerdócio, mas é necessário ser
chamado a ela por Deus ; por isso, nem o próprio Jesus Cristo se arrogou a glória de ser Pontífice, mas recebeu-a d 'Aquele que Lhe disse: És meu Filho, hoje te gerei, como Lhe diz ainda algures: És sacerdote para sempre».
Assim pois, segundo o Apóstolo, foi do próprio Eterno Pai que Jesus Cristo recebeu o supremo pontificado, desse Pai que lhe disse: «És o meu Filho, gererei-te hoje» O sacerdócio de Jesus Cristo é uma consequência necessária e imediata da lncarnação.
Adoremos este Pontífice imaculado e santo, que é o próprio Filho de Deus; prostremo-nos diante desse Mediador único que, sendo ao mesmo tempo Deus e homem, poderá plenamente cumprir a missão de Salvador e restituir-nos os dons de Deus pelo sacrifício da Sua Humanidade; mas confiemos também plenamente na Sua virtude divina. única que tem poder bastante para nos reconciliar com o Pai.
«Partindo da terra, dizia Deus a Santa Catarina, era impossível estabelecer a ponte dum tamanho suficiente para atingir a vida eterna, porque a terra, natureza humana, era incapaz, por si só, de satisfazer pelo pecado e destruir a mácula do pecado de Adão que corrompeu e infeccionou toda a raça humana. Era, pois, necessário uni-la à grandeza da minha natureza, deidada eterna, para que lhe fosse possível satisfazer por toda a raça humana. Era necessário que a natureza humana sofresse o castigo e que a natureza divina, aliada com esta natureza humana, aceita-se o sacrifício que meu Filho me oferecia em mim para destruir a morte e restituir-vos a vida. Assim a grandeza abaixou-se até à terra da vossa humanidade ; unindo-me consigo, a humanidade edificou uma ponte, estabeleceu um caminho. Mas, para obter a vida, não basta que meu Filho se tenha tornado a ponte, é necessário que vós passeis por essa ponte.
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