5 de outubro de 2013

Terceira palavra de Jesus Cristo na cruz.

Dicit matri suae: Mulier, ecce filius tuus. Deinde dicit discipulo: Ecce mater tua: — “Diz à sua mãe: Mulher, eis aí teu filho. Depois diz ao discípulo: Eis aí tua mãe” (Io. 19, 26 et 27).

Sumário: Consideremos como Jesus moribundo, volvendo-se para sua mãe, que estava ao pé da cruz e indicando-lhe pelo olhar o discípulo predileto, lhe disse: Mulher, eis aí teu filho; e depois acrescentou dirigindo-se ao discípulo: Eis aí tua mãe. E assim Maria foi constituída mãe de todos os cristãos e nós fomos feitos seus filhos. Ponhamos, portanto, na Santíssima Virgem, toda a nossa confiança e em todas as necessidades recorramos a ela por socorro. Mas, ao mesmo tempo, provemos pelas nossas obras que somos filhos dignos de seu amor.

I. Fogem as mães da presença de seus filhos moribundos; o amor não lhes permite assistirem a tal espetáculo, verem-nos sofrer sem que lhes possam trazer alívio. A divina Mãe, porém, quanto mais o Filho estava próximo a morrer, tanto mais se aproximava da cruz. E assim como o Filho sacrificava a vida pela salvação dos homens, ela oferecia a sua dor, compartilhando com perfeita resignação todos os seus sofrimentos e opróbrios. Pelo que o Senhor, volvendo-se para São João, que estava ao lado dela, disse: Mulier, ecce filius tuus. — “Mulher, eis aí teu filho”.

Mas porque é que Jesus a chamou mulher e não mãe? Pode-se dizer que a chamou mulher, porque estava já próximo à morte e assim lhe falou para se despedir, como se dissesse: Mulher, em breve estarei morto, de modo que ficarás sem filho na terra. Deixo-te, portanto, a João, que te servirá e amará com amor de filho. A razão, porém, mais íntima, pela qual Jesus chamou Maria mulher e não mãe, é esta: quis Jesus assim patentear que é ela a grande mulher predita no livro Gênesis, a qual havia de esmagar a cabeça do orgulhoso Lúcifer.

Disse Deus á serpente: Inimicitias ponam inter semen tuum et semen mulieris (1) – “Porei inimizade entre a tua descendência e a da mulher”. Isso indicava que, depois da perdição dos homens em consequência do pecado e apesar da obra da Redenção, haveria no mundo duas famílias e duas descendências. Pela descendência do demônio é significada a família dos pecadores, pela descendência de Maria é significada a família santa que abrange todos os justos com seu chefe Jesus Cristo. De modo que a Virgem foi destinada a ser mãe tanto da cabeça como dos membros, que são os fiéis. — Queres saber se também és do número dos filhos espirituais de Maria? Examina se és animado pelo espírito de seu filho, Jesus Cristo.

II. Para compreendermos melhor ainda que Maria é mãe de todo bom Cristão, já o Evangelista não quis chamar São João pelo seu nome próprio, mas pelo discípulo; e logo em seguida acrescenta que o Senhor volvendo-se para o discípulo, lhe disse: “Eis aí a tua mãe” — Ecce mater tua. Por esta razão, escreve Dionísio Cartusiano que a divina Mãe, pelas suas orações e pelos merecimentos que adquiriu, especialmente pela assistência à morte de Jesus Cristo, alcançou para nós o podermos participar dos merecimentos da Paixão do Redentor. — Ponhamos, pois, na Santíssima Virgem toda a esperança e em toda a necessidade recorramos a ela, dizendo: Monstra te esse matrem - Mostrai que sois minha mãe”. Mas tratemos ao mesmo tempo de, pelas nossa obras, nos mostrarmos seus dignos filhos — Monstra te esse filium.

Ó Rainha de dores, são demasiado caras a uma mãe as recordações de um filho querido que morre e nunca mais lhe podem sair da memória. Lembrai-vos, pois, que na pessoa de São João vosso Filho me vos deu por filho, a mim que sou um pecador. Pelo amor que votais a Jesus, tende compaixão de mim. Não vos peço bens terrestres. Vejo que vosso Filho morre por meu amor, de morte tão dolorosa; vejo que também vós, minha Mãe inocente, padeceis por mim tantas dores; e vejo que eu pecador miserável e réu do inferno pelos meus pecados não tenho sofrido nada por vosso amor. Alguma coisa quero sofrer, antes que morra. É esta a graça que vos peço, e com São Boaventura vos digo que, se vos ofendi, justo é que eu sofra por castigo; e, se vos servi, é justo que eu sofra em recompensa.

Ó Maria, alcançai-me uma grande devoção à Paixão de vosso Filho e uma lembrança continua da mesma. Pela aflição que padecestes ao vê-Lo expirar na cruz, obtende-me uma boa morte. Minha Rainha, assisti-me nesse último momento e fazei com que eu morra dizendo: “Jesus, Maria, José, eu vos dou meu coração e minha alma. Jesus, Maria, José, assisti-me na minha última agonia. Jesus, Maria, José, expire eu em paz na vossa companhia.” (2) (*I 670.)

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1. Gen. 3, 15.
2. Indulg. de 100 dias por cada uma dessas jaculatórias.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 168 - 170.)

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