1 de outubro de 2013

A vida presente é uma viagem para a eternidade.

Non enim habemus hic manentem civitatem, sed futuram inquirimus — “Não temos aqui cidade permanente, mas procuramos a futura” (Hebr. 13, 14)

Sumário. Vendo tantos ímpios em prosperidade e tantos justos em tribulação, os próprios pagãos, guiados pela luz da razão, reconheceram que a terra não é nossa pátria, mas somente um lugar de passagem e de merecimento. Quão insensatos, pois, somos, se, sendo cristãos e crendo as verdades da fé, nos afeiçoamos aos bens deste mundo, do qual teremos de sair um dia e, entretanto, nos descuidamos de construir com as boas obras uma morada no outro mundo, onde ficaremos por toda a eternidade!

I. Vendo que nesta terra tantos ímpios vivem em prosperidade, e tantos justos, ao contrário, em tribulação, os próprios pagão, iluminados unicamente pela luz natural, reconheceram esta verdade que, dada a existência de Deus e sendo Deus justo, deve haver outra vida, onde os maus sejam castigados e os justos recebam o prêmio. Ora, o que os pagãos admitiram, seguindo unicamente a luz da razão, nós, os cristão, reconhecemo-lo pela fé: “Não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a futura.” A terra não é nossa pátria, é apenas um lugar de passagem, por onde, em pouco tempo, nos devemos dirigir à morada da eternidade: Ibit homo in domum aeternitatis suae (1) — “O homem irá à casa de sua eternidade”.

Assim, meu irmão, a casa que habitas não é tua morada; é uma hospedaria, de onde bem cedo e quando menos o imaginares, terá de sair. Sabe que, chegada a hora de tua morte, teus amigos mais caros serão os primeiros a expulsar-te. E qual então será a tua morada? Uma cova será a casa de teu corpo até o dia do juízo; e tua alma irá à casa da eternidade, quer no céu, quer no inferno.

Daí o conselho de Santo Agostinho: Hospes es, transis et vides — “És hóspede; vais passando e vês”. Bem louco seria o viajante que, achando-se de passagem num país, nele gastasse todo o seu patrimônio na compra de uma quinta ou casa, que dentro de breves dias teria de abandonar. Lembra-te, portanto, diz o Santo, que não és neste mundo senão um passageiro; não te afeiçoes ao que vês. Vê e passa; procura uma boa casa na qual terá de morar para sempre. — Se te salvares, feliz de ti! Que bela habitação não é o paraíso! Os mais belos palácios dos monarcas não passam de currais em comparação da cidade celeste, única que se possa chamar toda bela: Urbs perfecti decoris (2) — “Cidade de beleza perfeita”. Pelo contrário, ai de ti se te condenares! Estarias abismado num mar de fogo e de tormentos, desesperado, abandonado de todos e sem Deus. E por quanto tempo? Por toda a eternidade!

II. Meu irmão, queres saber qual será tua habitação na eternidade? Será a que tu mesmo tiveres escolhido por meio de tuas obras. Aviva a tua fé, e se pelo passado mereceste o inferno, chora o tempo que perdeste e procura remi-lo, empregando o que te resta unicamente em servires a Deus e em O amares de todo o teu coração.

Se não houvesse outro motivo, pensa que cada instante podes embelezar a casa de tua eternidade e enriquecê-la de imensos tesouros. Portanto não deixes para fazer amanhã o que puderes fazer hoje, porque o dia de hoje estaria perdido para ti e não voltaria mais. Se te fizessem doação de tanta terra quanto pudesses percorrer num dia, ou de tanto dinheiro quanto pudesses contar no mesmo tempo, como não havias de te apressar? E agora, que a cada momento podes adquirir tesouros eternos, quererás perder o tempo?

Ó meu Senhor, aí está a morada que mereci pelo meu procedimento: o inferno. Bendita seja para sempre a vossa misericórdia, que esperou por mim e me dá tempo para reparar as faltas. Bendito seja o sangue de Jesus Cristo que me alcançou esta misericórdia! Não, meu Deus, não quero mais abusar de vossa paciência. Pesa-me sobre todos os males de Vos ter ofendido, menos por ter merecido o inferno do que por ter ultrajado a vossa bondade infinita.

Se eu estivesse agora no inferno, ó meu soberano Bem, nem eu poderia amar-Vos, nem Vós me poderias amar. Amo-Vos e quero ser por Vós amado. Eu não o mereço, mas merece-O Jesus Cristo, que na cruz se Vos ofereceu em sacrifício, afim de que me pudésseis perdoar e amar. Pai Eterno, pelo amor de vosso Filho, concedei-me a graça de sempre Vos amar e de Vos amar muito. Amo-Vos, ó Filho de Deus, que morrestes por mim. — Amo-vos, ó Mãe de Deus, que pela vossa intercessão me obtivestes o tempo de fazer penitência. Alcançai-me ainda, ó minha Senhora, a dor de meus pecados, o amor de Deus e a santa perseverança. (*II 63.)

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1. Eccles. 12, 5.
2. Thren. 2, 15

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 157 - 159.)

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