20 de outubro de 2013

VIGÉSIMO SEGUNDO DOMINGO DEPOIS DE PENTECOSTES.

A Igreja e o Estado

O Evangelho de hoje trata admiravelmente e resolve divinamente o grande problema que agita as nações através dos séculos.

O Judeus querem saber a quem devem obedecer: se ao poder temporal dos Césares ou ao poder espiritual dos Pontífices dos Judeus.

A resposta do divino Mestre é um raio fulminante que, de relance, resolve a questão.

Mostrai-me a moeda diz Jesus.

- De quem é esta imagem? Pergunta Ele.
- De César!
- Pois bem, dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.

Jesus reconhece os dois poderes: o poder do Estado e o poder da Igreja, a autoridade do governo civil e a do governo espiritual.

Meditemos um instante este assunto palpitante falando sucintamente e mostrando que estes dois poderes ou soberanias:

1. São perfeitamente distintos,
2. Mas que devem ser unidos.

As relações do governo e da Igreja constituem um assunto delicado; procuremos elucidar e compreender bem os princípios que formam a base sólida destas relações.

I. São soberanias distintas

Cada uma tem, de fato, uma finalidade especial que atingir e um domínio onde pode mover-se numa independência mútua.

Qual é a finalidade da Igreja?

É conduzir os indivíduos e os povos à felicidade eterna e, para alcançar esta finalidade, ela administra o domínio da fé, da moral, ela faz penetrar em toda parte a palavra e a vida de Jesus Cristo, seu Chefe.

E qual é a finalidade do estado?

É obter a felicidade temporal dos indivíduos e dos povos.

Enquanto o estado se ocupa dos interesses materiais que lhe são confiados, sem intrometer-se no domínio da fé e da moral, a Igreja não intervém de modo nenhum no domínio das coisas puramente materiais, pois o Estado é soberano nesta matéria.

Esta distinção essencial entre os dois poderes tem sido solenemente reconhecida e proclamada desde a origem pelas leis romanas, pelos Doutores da Igreja, pelos Papas e pelos concílios; e nunca o ensino Católico variou, hesitou, ou vergou sobre a questão fundamental da independência recíproca da Igreja e do Estado.

O Imperador Justiniano, em suas “Novelas”, diz: “Deus confiou aos homens o Sacerdócio e o Império, o Sacerdócio para administrar as coisas divinas e o Império para presidir as coisas humanas, uma e outra procedem do mesmo principio”.

O Papa Gelásio, dirigindo-se ao Imperador Anastácio, protetor da heresia de Eutiques, exprime-se nestes termos:

“O mundo é governado por dois poderes, o dos Pontífices e o dos Reis... se em tudo o que é da ordem pública, os Bispos, reconhecendo a autoridade que recebestes de Deus, obedecem a vossas leis; com quanto amor, augusto Imperador, vós deveis obedecer-lhes em tudo que diz respeito aos veneráveis mistérios, dos quais eles são os dispensadores”.

Cada vez que os imperadores de Constantinopla pretendem usurpar o poder espiritual, encontram um braço que os contém e uma voz que os repreende.

Ósio de Córdova escreve ao Imperador Constâncio:

“Não nos é permitido, a nós Bispos, de pretender ao Império nas coisas da terra, e não vos é tão pouco permitido, a vós Imperador, de usurpar o turíbulo ou o poder das coisas sagradas”.

O Papa Inocêncio III afirma a distinção entre os dois poderes e, além disso, exalta a superioridade do poder espiritual sobre o poder temporal.

Esta superioridade é manifesta, diz ele, pois que com toda evidência a alma sobrepuja o corpo, o Céu à terra, a Justiça divina à justiça humana, as coisas da eternidade sobrepujam as coisas do tempo.

Dos dois poderes, o mais elevado é sem contestação o poder espiritual, que se dirige a parte mais nobre do homem, que se refere a seus mais graves interesses e lhe abre a porta do Céu.

Compreendamo-lo bem, a superioridade da Igreja não suprime a autonomia do estado. A Igreja e o Estado ficam duas soberanias perfeitamente distintas.

No mundo pagão havia só um poder: César, que tudo tinha em sua mão: os corpos e as almas, a política e a religião.

No mundo cristão há duas potências: a Igreja e o estado, absolutamente distintas. Quer dizer isso, que estas duas potências devem permanecer estranhas uma para com a outra? Não! Abso1utamente não!

II. Devem ser unidas

A Igreja e o estado devem ser unidos e andar de mãos dadas.

Examinando, de fato, a natureza da constituição da humanidade, concluímos que a Igreja e o Estado são como a alma e o corpo

A alma dá ao corpo a vida, a beleza, perfeição, enquanto o corpo empresta à alma os órgãos sensíveis, de que necessita para agir, exprimir-se e manifestar-se.

A alma e o corpo não são simplesmente justapostos, mas unidos e fundidos, embora distintos, para constituir um ser único, uma pessoa inteira e completa.

A separação produz a morte.

Assim a Igreja e o Estado devem ajudar-se mutuamente e completar-se um pelo outro. Muitas vezes, estes dois poderes têm que se encontrar para combinar certos assuntos que dizem respeito a ambos.

O interesse comum reclama a união da Igreja e do Estado. Se forem desunidos, enfraquecem-se em lutas inevitáveis e estéreis.

O próprio homem sendo ao mesmo tempo cristão e cidadão, não pode obedecer a duas direções contrárias; ei-lo pois, entregue à mais cruel alternativa. Submetendo se à Igreja desobedece ao Estado ou submetendo-se ao Estado desobedece à Igreja.

E até onde deve ir esta união?

Em princípio, mais íntima é esta união, mais eficaz será a ação de ambos. A união faz a força.

É certo, tal união depende dos tempos, dos lugares e das circunstâncias. Podem imaginar-se três regimes diferentes nas relações entre a Igreja e o Estado: o regime do direito comum, o das concordatas e o da proteção.

No regime do direito comum, a Igreja e o Estado ficam unidos pelo respeito mútuo. É o mínimo que se pode pedir, é o mínimo de aliança. Vejamos o que se passa nos Estados Unidos, aqui no Brasil, na maior parte dos Estados Americanos, excluindo o triste México escravizado.

O poder temporal admite a Igreja em benefício da liberdade comum e a deixa cumprir em paz a sua missão divina, sob a garantia das instituições civis.

Estes Estados não protegem nenhuma confissão de fé, mas as respeitam todas. Não é ateu, é cristão.

Mais de um orador fez na tribuna ou no jornal o elogio da separação em princípio, da Igreja do Estado, sem compreender bem o que exprime tal palavra.

Nos Estados Unidos, que se cita muitas vezes, a Igreja é muito menos separada do Estado que em muitos outros países. Vêem se desabrochar livremente as grandes virtudes e a dedicação heróica que são a força e a honra da religião, cuidando da educação da mocidade e da assistência aos pobres e desvalidos.

As fundações pias são isentas de impostos – o repouso do Domingo é assegurado ao operário – o ensino do Estado é cristão – os sacerdotes e as Igrejas são cercados do respeito universal – o clero é isento do serviço militar, etc. É muito... e entretanto este regime de direito comum e de respeito mútuo não é o ideal. Há coisa melhor.

O regime de concordata vai mais além: a Igreja e o Estado são unidos numa combinação cordial, por convenções recíprocas. Não se contentam em saudar-se mutuamente ao se encontrarem; aproximam-se e tratam amigavelmente de certos pontos que interessam ao mesmo tempo o cristão e o cidadão.

É o segundo grau da aliança.

A Igreja e o Estado fazem concessões recíprocas. A Igreja não sacrifica nenhum de seus princípios, mas se mostra moderada no exercício de seus direitos. O Estado não concede à Igreja uma situação privilegiada, mas lhe concede certos favores conciliáveis com a paz e a ordem públicas.

Este regime pode produzir bons frutos, porém, não é ainda a união perfeita e completa.

III. Conclusão

Terminemos indicando esta união perfeita entre a Igreja e o Estado: É o regime da proteção; ambos ficam unidos por uma assistência recíproca.

A Igreja apresenta-se como mãe da civilização, instrumento do bem, órgão da verdade, intérprete da moral, guarda da ordem social; e de seu lado o Estado aceita as leis da Igreja, fá-las cumprir e pune os violadores.

Os dois poderes constituem um poder único, como o corpo e a alma constituem uma única pessoa.

É o máximo da aliança: a que devia existir em todas as nações.

Tem-se visto outrora e, sob o regime da união íntima entre os dois poderes, a verdade penetrar nas constituições... o Evangelho presidir a educação dos povos e ao aperfeiçoamento da moral pública... Tem-se visto, nas épocas de fé integral, as forças espirituais e civis trabalhar de mãos dadas para a integridade da fé e a felicidade da humanidade... Tem-se visto e Igreja protegendo o Estado e o Estado como divinizado pela autoridade da Igreja

Este regime tem tido as suas inconveniências, e muitas vezes a inveja, a covardia e a corrupção têm feito pagar caro à Igreja a proteção de que gozava... porém a Igreja tem sabido conservar sempre a sua calma, a justiça de seu proceder, pagando com o bem o mal que procuravam fazer-lhe... e hoje ainda como outrora, ela está de pé, bela, radiante, de mãos estendidas para acolher os náufragos da vida e abençoar aqueles que tombam na grande refrega da vida.

EXEMPLOS

1. São Basílio e o Prefeito

No quarto século, Basílio ocupava a sede episcopal de Cesaréa.

O Prefeito da Capadócia quis convencê-lo de sujeitar-se aos caprichos do Imperador Valente.

- Que razão tens tu, disse ao Bispo, de resistir tu sozinho a um tão grande Imperador?
- O Imperador é grande, respondeu Basílio, porém não é superior a Deus.
- Mas então, ignoras, retornou o refeito, quantos suplícios eu posso infligir-te?
- Quais são eles? Respondeu o Prelado, impávido.
- Posso confiscar os teus bens, exilar-te, torturar-te, mandar te matar.
- A confiscação? Podes fazê-la, pois como toda riqueza tenho apenas uns livros.
- O exílio? O cristão considera-se neste mundo como um exilado e sabe que toda a terra pertence a Deus!
- Os suplícios? Pode abater logo o meu corpo já enfraquecido.
- A morte? Aspiro por ela, pois ela me unirá a Deus, a quem procuro.
- Ninguém até hoje, disse o Prefeito admirado, me falou com tanta liberdade.
- É que talvez, respondeu Basílio, o senhor não encontrou ainda um Bispo em seu interrogatório.

2. Pedro e o Rei


Nos primeiros séculos, surgiu uma discussão sobre a data da Páscoa.

Em Northumberlaud (Inglaterra) foi estabelecida uma discussão pública em presença do Rei Oswin.

Um dos teólogos invocou a autoridade de São João e o outro a de São Pedro: - Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja.

O Rei mandou parar a discussão, perguntando ao primeiro se tais eram bem as palavras de Cristo a Pedro.

A resposta foi afirmativa.

O Rei continuou: Poderá o senhor citar-me uma palavra equivalente, dirigida a São João?

- Não!
- Então ambos estão de acordo em reconhecer que as chaves do reino do céu foram dadas a Pedro?
- Então, concluiu o Rei, eu não quero meter-me em oposição com o porteiro do céu... ao contrário, quero obedecer-lhe em tudo. A Páscoa deve ser no dia que a Papa marcou.

E deu por finda a discussão.

----------
(MARIA, P. Júlio. Comentário Apologético do Evangelho Dominical. O Lutador, 1940, p. 408 - 416)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.