22 de outubro de 2013

Em que consiste a felicidade dos bem-aventurados no céu.

Intra in gaudium Domini tui — “Entra no gozo de teu Senhor” (Matth. 25, 21).

Sumário. Os bem-aventurados contemplando a Deus face a face e conhecendo as suas infinitas perfeições, amam-No imensamente mais que a si próprios e não desejam outra coisa senão verem-No feliz. Sabendo, além disso, que o seu Senhor goza e gozará eternamente uma felicidade infinita, acham nisto a sua complacência e o seu gozo e é este gozo de Deus que constitui o seu verdadeiro paraíso. Habituemo-nos a fazer muitas vezes atos de amor perfeito a Deus, alegremo-nos com o Senhor pela sua felicidade infinita, e assim começaremos a exercer na terra o ofício dos bem-aventurados no céu.

I. Vejamos o que seja que torna os santos moradores do céu plenamente felizes. A alma do Bem-aventurado, vendo Deus face a face e conhecendo a sua beleza infinita e todas as perfeições que o fazem digno de amor infinito, não pode deixar de O amar com todas as forças e ama-O mais que a si mesma. Mas esquecendo-se de si própria, o seu único pensamento e desejo é ver contente e feliz o seu Deus. Vendo, pois, que Deus único objeto de todos os seus afetos, goza de uma beatitude infinita, esta beatitude de Deus é que constitui o seu paraíso. — Se em um Bem-aventurado pudessem caber coisas infinitas, a vista da beatitude infinita de seu Amado lhe causaria igual beatitude infinita. Mas porque um gozo infinito não pode caber na criatura, fica ao menos tão repleta de alegria que nada mais deseja. É esta a saciedade pela qual suspirava Davi, quando disse: Satiabor, cum apparuerit gloria tua (1) — “Saciar-me-ei, quando aparecer a tua glória”.

Assim se realizará o que Deus diz à alma, dando-lhe posse do paraíso: “Entra no gozo de teu Senhor.” Não diz ao gozo que entre na alma, porque, sendo infinito, não cabe numa criatura. Diz que a alma entre no gozo para participar dele, mas participar de tal forma que fica saciada e repleta. — Portanto entre os atos de amor de Deus, que se podem fazer na oração, não há ato mais perfeito do que o comprazer-se na felicidade infinita de que Deus está gozando. É este o exercício contínuo dos Bem aventurados no céu; de sorte que o que se compraz na felicidade de Deus, começa a fazer cá na terra o que espera fazer no céu por toda a eternidade.

É tão grande o amor para com Deus de que os Bem-aventurados no céu estão abrasados, que se jamais lhes viesse o medo de perderem a Deus ou de não O amarem com todas as forças, assim como O amam, tal temor lhes faria sofrer uma pena igual ao inferno. Mas não; eles estão certos, como o são da posse de Deus, que O amarão sempre com todas as forças e sempre serão amados de Deus e que esse amor recíproco não acabará mais nunca. Meu Deus, pelo amor de Jesus Cristo, fazei-me digno de tamanha ventura.

II. Santo Agostinho tinha razão quando disse que para se obter uma beatitude eterna, seria preciso um trabalho eterno. Para ganhar o paraíso é pouco o que fizeram os eremitas com suas penitências e orações, pouco o que fizeram os santos deixando parentes, riquezas e reinos; pouco o que padeceram os mártires nos cavaletes, nas coraças em brasa, pelas mortes mais cruéis.

Cuidemos ao menos em carregar com alegria as cruzes que Deus nos envia; porquanto, se viermos a nos salvar, todas elas se mudarão para nós em gozos eternos. Quando nos aflijam as enfermidades, as dores ou outras adversidades, levantemos os olhos ao céu e digamos: Um dia todas estas penas terminarão e depois espero gozar da posse de Deus para sempre. Animemo-nos a sofrer e a desprezar todas as coisas do mundo. Suportemos tudo e desprezemos as coisas criadas. Jesus está à nossa espera, tendo na mão a coroa para nos coroar reis do céu, se lhe formos fiéis.

Ó meu Jesus, como posso eu pretender à posse de tão grande bem? Eu que por umas satisfações miseráveis da terra renunciei abertamente ao paraíso e calquei aos pés a vossa amizade? Mas o vosso sangue anima-me a esperar o paraíso, depois de ter merecido tantas vezes o inferno. Sim, porque Vós quisestes morrer na cruz exatamente para dar o paraíso a quem não o merecia. Meu Redentor e meu Deus, não Vos quero mais perder, dai-me vossa graça para Vos ser fiel. Adveniat regnum tuum — “Venha a nós o vosso reino”; peço-Vos pelos merecimentos de vosso sangue que me deixeis entrar um dia em vosso reino. Enquanto não chegar a hora de minha morte, fazei que eu cumpra perfeitamente a vossa vontade; é nisso que consiste o maior bem e o paraíso de que nesta terra pode gozar o que Vos ama. Fiat voluntas tua —“Seja feita a vossa vontade”. — A vós também, ó grande Mãe de Deus e minha Mãe, Maria, peço esta graça. (II 298.)

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1. Ps. 16, 15.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 212 - 215.)

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