11 de outubro de 2013

Quarta palavra de Jesus Cristo na cruz.

Et circa horam nonam clamavit Iesus voce magna dicens: Deus meus, Deus, meus, ut quid dereliquisti me? — “E perto da hora nona deu Jesus um grande brado, dizendo: Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste?” (Math. 27, 46.)

Sumário: Em castigo de nossos pecados, tínhamos merecido que Deus nos abandonasse nos abismos infernais entregues à desesperação eterna. Mas, para nos livrar, quis Jesus tomar sobre si a pena que nos era devida e ser entregue pelo Pai a uma morte sem alívio. Demos graças à bondade divina e em nossas desconsolações espirituais unamos a nossa desolação à de Jesus agonizante; lembremo-nos do inferno merecido e digamos: Senhor, seja feita a vossa santa vontade!

I. Escreve São Leão, que aquele brado do Senhor não foi uma queixa, mas um ensino: Vox ista doctrina est, non querela. Ensino pelo qual Jesus nos quis mostrar quão grande é a malícia do pecado, que, por assim dizer, obrigou Deus a entregar a uma pena sem alívio seu Filho amadíssimo, unicamente por se ter este encarregado de satisfazer pelos nossos crimes. — Jesus não foi então abandonado pela divindade, nem privado da glória, que fora comunicada à sua alma bendita desde o primeiro instante de sua criação; foi, porém, privado de todo o consolo sensível com que Deus costuma confortar os seus servos fiéis, no meio de seus sofrimentos e foi entregue às trevas, a temores e amarguras, penas essas por nós merecidas. No horto o Getsêmani, Jesus sofreu igual privação da presença sensível da divindade; mas a que sofreu na cruz foi mais completa e mais amargosa.

Mas, ó Pai Eterno, que desgosto Vos deu jamais vosso Filho inocente e obedientíssimo, para o punirdes com uma morte tão amargosa? Vêde como está pregado no lenho, a cabeça atormentada pelos espinhos, como está suspenso em três pregos de ferro, apoiando-se nas mesmas chagas. Abandonaram-No todos, mesmo os seus discípulos; todos ao redor o escarnecem e blasfemam contra Ele; porque é que Vós, que tanto O amais, O haveis também abandonado?

Lembremo-nos que Jesus se tinha encarregado dos pecados de todos os homens. Por isso, muito embora fosse Jesus, quanto à sua pessoa, o mais santo de todos os homens, ou antes a santidade mesma, todavia pelo ônus assumido de satisfazer por todos os pecados, parecia ser o maior pecador do mundo, como tal se fizera réu em lugar de todos e se oferecera a pagar por todos. E já que nós merecíamos ser abandonados eternamente no inferno, entregues à desesperação eterna, Jesus quis ser entregue a uma morte sem consolação alguma, a fim de nos livrar assim da morte.

II. Demos graças a bondade do nosso Salvador, por ter tomado sobre si as penas por nós merecidas, a fim de nos livrar assim da morte eterna. Procuremos ser d’oravante gratos ao nosso libertador, expelindo de nosso coração todo o afeto que não seja para Ele. Quando estivermos em desconsolação espiritual, privados da presença sensível da divindade, unamos nossa desolação à que padeceu Jesus na hora de sua morte. — O Senhor não ficará ofendido, se nesse desamparo dissermos o que Ele mesmo no horto disse a seu Pai divino: “Pai meu, se é possível, passe de mim este cálice”(1) mas devemos logo acrescentar como Ele: “Todavia não seja como eu quero, mas sim como Tu”.

Se a desolação continuar, devemos repetir o mesmo ato de conformidade, assim como Jesus o repetiu durante as três horas de sua oração no Horto: Et oravit tertio, eumdem sermonem dicens (2) — “Orou pela terceira vez, dizendo as mesmas palavras”. Diz São Francisco de Sales, que Jesus é igualmente amável quando se deixa ver como quando se esconde. — Pelo mais, o que mereceu o inferno e se vê fora dele, sempre deve dizer: Benedicam Dominum in omni tempore (3) — “Bendirei o Senhor em todo o tempo”. Senhor, não mereço consolações; fazei com que Vos ame sempre, e estou contente por viver em desolação por todo o tempo que Vos aprouver. Ah! Se os réprobos pudessem em suas penas conformar-se assim com a vontade divina, o inferno deixaria de ser inferno.

Ó meu Jesus, pelos merecimentos de vossa morte, rogo-Vos não me desampareis no grande combate que na hora da morte terei de sustentar contra o inferno. Então todos me abandonarão e não me poderão mais valer; Vós porém não me abandoneis, Vós morrestes por meu amor e só me podereis socorrer nesse momento supremo. Fazei-o pelo merecimento da pena que sofrestes no vosso desamparo, pelo qual nos merecestes não sejamos desamparados pela divina graça, conforme os nossos pecados tinham merecido. Fazei-o também pela dor que então sentiu vossa e minha amada Mãe, Maria. (*I 673.)

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1. Matth. 26, 39.
2. Matth. 26, 44.
3. Ps. 33, 2.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 183 - 186.)

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