[Sermão] A importância das rubricas na liturgia
Sermão para o 21º Domingo depois de Pentecostes
– Padre Daniel Pinheiro
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
“Todas as coisas dependem, Senhor, da vossa vontade e nada há que possa lhe resistir.” (Intróito)
Já tratamos, caros católicos, de alguns aspectos da Missa no Rito Romano Tradicional. Já tratamos do latim na liturgia, já tratamos da orientação do Padre, voltado para Deus e não para o povo, já tratamos do silêncio.
E vimos a importância fundamental de todas essas coisas.
Consideraremos, hoje, os benefícios, para nós e para a Igreja, que advêm
das rubricas precisas e bem determinadas do Rito Romano Tradicional.
Antes de tudo, precisamos compreender o
que são as rubricas. Nos livros litúrgicos nós encontramos textos em
duas cores. Existem textos em preto e textos em vermelho. Os textos em
preto são aquelas coisas que o sacerdote deve falar – em voz alta ou
baixa, mas que deve falar. Os textos em vermelho descrevem e explicam o
que o Padre deve fazer. As coisas em vermelho são as regras litúrgicas.
Da cor vermelha vem o nome de rubrica, que vem de rubro, vermelho. No
Rito Tradicional, as rubricas são bem precisas, bem determinadas. São
raríssimas as opções no Rito Romano Tradicional. Portanto, a
Igreja, assistida pelo Espírito Santo e, sobretudo, por meio de Papas
santos – como São Leão Magno, São Gregório Magno, São Pio V –
estabeleceu, ao longo dos séculos e baseada no que recebeu de NS e dos
apóstolos, com precisão como deveria ser o Rito da Missa. Os senhores, frequentando a Missa Tradicional há um certo tempo, já perceberam que variações são praticamente inexistentes.
É comum ouvirmos críticas com relação à
liturgia tradicional afirmando que se trata de uma liturgia engessada,
sem espontaneidade, sempre a mesma coisa… Essa determinação precisa dos
ritos e cerimônias, caros católicos, é, ao contrário, fundamental e é um
grande bem. Primeiramente, as rubricas precisas formadas ao
longo dos séculos pelo Espírito Santo, como falamos, deixam claro que é
Deus que determina como ele deve ser cultuado. Não somos nós
que decidimos como Deus deve ser cultuado, não somos nós que decidimos
em um escritório como deve ser o rito da Missa ou que decidimos pelo
improviso como Deus deve ser cultuado. Se nós consideramos a Sagrada
Escritura, no livro do Levítico nós vemos as inúmeras e precisas regras
estabelecidas por Deus de como ele deveria ser cultuado. Ora, se Deus
fez isso com os sacrifícios e ritos que eram mera prefiguração do
sacrifício perfeito de Nosso Senhor Jesus Cristo, convinha muitíssimo
que Ele estabelecesse regras precisas de como deve ser cultuado na nova e
eterna aliança. Deus, infinitamente sábio, conhece a fraqueza humana e
sabe que, deixando o culto ao arbítrio do homem, grandes abominações
serão feitas. Portanto, as rubricas bem determinadas nos dizem que é
Deus que estabelece como Ele deve ser cultuado, é Ele que determina o
que o agrada. Não somos nós que determinamos como Deus deve ser
cultuado.
Em seguida, as rubricas precisas, como consequência óbvia do que acabamos de dizer, deixam claro que a liturgia é teocêntrica,
o centro é Deus e não nós, os homens. As rubricas bem determinadas
manifestam que a liturgia é algo voltado para Deus e não para o homem.
Se pudéssemos determinar como Deus deve ser cultuado, no fundo seríamos
nós o centro da liturgia, pois escolheríamos o modo de cultuar Deus que
mais nos agrada. A liturgia se tornaria algo para nos agradar e não para
agradar a Deus. Assim, as rubricas bem precisas nos mostram que é Deus
que determina como Ele deve ser cultuado e nos mostra que o centro da
liturgia é Deus, que a finalidade da liturgia é agradar a Deus e não a
nós mesmos. Se queremos chegar ao céu, devemos agradar a Deus e não a
nós mesmos. O rito bem determinado, com rubricas precisas, nos dá essa
grande lição. Achar que estamos agradando a Deus, quando agradamos a nós
mesmos, é um dos grandes erros dos nossos tempos.
As rubricas bem determinadas tiram,
então, a liturgia do nosso controle e domínio. Não somos nós que
determinamos como deve ser a liturgia, mas Deus. O fato de não termos controle e domínio sobre a liturgia nos mostra que ela está acima de nós, que é algo sagrado.
Aquilo sobre o que eu tenho controle e domínio é inferior a mim. Ao
contrário, aquilo que é determinado independentemente da minha vontade
por Deus, é superior a mim, é sagrado. As rubricas bem determinadas nos
inspiram, portanto, grande respeito e veneração pela liturgia, porque
nos fazem compreender que a liturgia é algo sagrado. E diante do
sagrado, do mistério, nossa inteligência não se cansa, apesar da
repetição. Ao contrário, a repetição que surge das rubricas bem determinadas e da falta de opções nos permite compreender cada vez mais profundamente o mistério e nos unir melhor a NSJC.
Se a cada Missa houver uma novidade, nossa atenção vai se voltar para
essa novidade e não para o essencial do que está ocorrendo e nossa
compreensão do mistério permanecerá sempre superficial. Procuraremos a
novidade que agrada aos sentidos e não a profundidade que nos une a
Deus. Ao mesmo tempo, essa repetição dos ritos permite ao sacerdote se
concentrar cada vez mais no mistério que ele realiza e, portanto,
permite ao sacerdote rezar a Missa cada vez com maior devoção, gerando
mais frutos para as almas. A repetição é um grande bem na liturgia.
As rubricas precisas trazem consigo outros grandes benefícios espirituais. O primeiro benefício espiritual é uma grande paz.
Uma grande paz para o sacerdote e uma grande paz para os fiéis. Só
estamos verdadeiramente em paz, quando sabemos que estamos fazendo a
vontade de Deus. A paz não é um sentimento, mas é a consequência de
sabermos que estamos fazendo a vontade de Deus, que estamos fazendo
aquilo que agrada ao Senhor, ainda que em meio aos maiores tormentos e
combates. Ora, com o rito bem determinado pela Igreja ao longo dos
séculos, sem as inúmeras opções, estamos certos de estarmos fazendo a
vontade de Deus, de estarmos agradando a Deus, cultuando-o conforme Ele
quer. Isso deve nos trazer uma grande paz. Com as rubricas precisas,
estamos seguros de que fazemos a vontade de Deus. Isso traz uma grande
paz para o Padre, em particular, porque ele não tem que se preocupar com
o que ele vai escolher para agradar mais aos fiéis, ou para adaptar
melhor a liturgia. O Padre não tem que se preocupar em escolher o rito
penitencial 1, 2 ou 3. O Padre não tem que se preocupar em escolher tal
ou tal prefácio. O Padre não tem que se preocupar em escolher tal ou tal
Oração Eucarística. Não, tudo já está determinado, ele pode ficar
absolutamente tranquilo de estar agradando a Deus e fazendo o bem para
os fiéis. Isso dá na verdade uma grande liberdade ao Padre, pois não
fica preso ao seu gosto, ao gosto dos fiéis, ao gosto da pastoral disso
ou daquilo. Despreocupado de escolher entre as diversas opções, o Padre
pode esquecer a si mesmo, para agir como outro Cristo realmente, e isso
traz grandes benefícios para ele e para os fiéis.
As rubricas bem determinadas são também uma mortificação,
uma negação de si mesmo, pois nos impedem de controlar a liturgia e nos
ensinam a conformidade com a vontade de Deus. Quando controlamos algo
tiramos disso uma satisfação. Controlar a liturgia ou
determiná-la conforme a nossa preferência nos daria uma satisfação
desordenada, pois estaríamos submetendo um bem espiritual aos nossos
sentimentos. As rubricas bem determinadas impedem que um
grupo imponha a sua espiritualidade ou falta de espiritualidade aos
outros fiéis. As rubricas impedem as Missas carismáticas, as Missas das
crianças, a Missa disso e daquilo. As rubricas deixam claro também que a
liturgia não deve ser basear na personalidade do sacerdote. Hoje é
muito comum ouvirmos: gosto da Missa do Padre tal, gosto da Missa
daquele outro Padre. Isso é um sinal de que os Padres fazem a Missa
corresponder à vontade deles. Tem algo gravemente errado nisso. A Missa é
da Igreja e não do Padre tal ou tal.
Colocando Deus no centro, fazendo-nos cumprir a vontade de Deus, fazendo com que neguemos a nós mesmos, as rubricas precisas favorecem também a virtude da obediência.
Ora, se na Missa, na liturgia, que é o que há de mais importante, eu
posso fazer as coisas conforme a minha vontade, porque terei que
obedecer em outras coisas menos importantes? As rubricas são
indispensáveis para que haja a virtude da obediência, a prontidão em se
obedecer às legítimas ordens dos superiores.
São inúmeros, caros católicos, os
benefícios trazidos pelas rubricas precisas do Rito Romano Tradicional.
Digo do Rito Romano Tradicional porque, infelizmente, a liturgia
reformada em 1969 possui rubricas, sim, mas são tantas as opções
permitidas pelas rubricas, que, no fim das contas, o princípio por trás
das novas rubricas é praticamente faça como quiser. Pode-se escolher
entre tantos ritos iniciais, posso escolher entre tantos ritos
penitenciais, posso escolher entre tantas orações universais, posso
escolher entre tantas orações eucarísticas… No fundo, é praticamente
como se fosse dito, faça como quiser. E a psicologia humana funciona
dessa forma. Acostumados a fazermos sempre as nossas vontades nas coisas
lícitas, passaremos facilmente a fazer as coisas ilícitas. É regra de
ouro na vida espiritual mortificar-se mesmo nas coisas lícitas para
evitar mais facilmente as ilícitas. Quem faz sempre a própria vontade
nas coisas lícitas, passará facilmente às ilícitas. Assim, das inúmeras
opções permitidas pelas rubricas se passou rapidamente aos abusos, pois
as inúmeras opções favorecem a nossa vontade própria e dão a impressão
de que a liturgia é obra nossa e não de Deus, colocando-nos no centro.
Além disso, tantas opções tiram a paz do sacerdote e dos fiéis, tiram o
foco do sacrifício que se oferece no altar para nos focar nas opções,
nas novidades. Daí, dessa grande liberdade nas rubricas, entre outras
razões, o caos litúrgico que vivemos hoje, com tantos e tantos abusos,
muitos deles graves.
O Livro dos Reis nos relata um exemplo
interessante de abuso litúrgico. Heli era o sumo sacerdote naqueles
tempos e ele tinha dois filhos que a Sagrada Escritura chama de filhos
de Belial, dada a impiedade deles nos sacrifícios. Esses filhos de Heli
pegavam indevidamente para si parte dos sacrifícios que os israelitas
ofereciam, pegavam para si indevidamente a carnes dos animais
oferecidos. Ou seja, colocavam-se no centro, no lugar de Deus. Grandes
foram as consequências desses abusos dos filhos de Heli. A primeira
dessas consequências que o povo se afastou dos sacrifícios, a segunda
foi a morte dos filhos de Heli e a terceira foi a derrota de Israel para
os filisteus e a conquista da Arca da Aliança pelos filisteus. E tão
graves consequências por abusos nos sacrifícios que eram tão somente
prefigurações do sacrifício imaculado de Cristo. Os abusos litúrgicos na
Missa têm consequências semelhantes, caros católicos: eles afastam o
povo devoto do sacrifício (até porque ninguém é obrigado a assistir a
uma Missa em que ocorrem abusos litúrgicos sérios), fazendo que o povo
perca o respeito pelo sacrifício, pelo que há de mais sagrado. Em
seguida, os abusos litúrgicos prejudicam gravemente o povo, matando
muitas almas espiritualmente, a começar pela alma do próprio sacerdote
que o comete conscientemente. Finalmente, os abusos litúrgicos abrem
largamente o flanco para que os inimigos da Igreja alcancem vitórias
sobre ela e a humilhem. A negligência no que há de mais sagrado tem
consequências gravíssimas e prejudica a salvação das almas. Tendo isso
em vista, a Igreja sempre considerou que o sacerdote que não cumpre
voluntariamente uma rubrica comete um pecado. Um pecado venial, se é uma
rubrica sem maior importância, ou um pecado mortal, se é uma rubrica
importante.
As rubricas bem precisas e bem
determinadas da liturgia tradicional são um grande bem e um grande
auxílio para a nossa vida espiritual e para a Santa Igreja. Elas são
como as muralhas de um castelo, defendendo o tesouro da liturgia, do
nosso maior tesouro.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
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