26 de dezembro de 2010

Domingo na Oitava do Natal (Parte 1/5)

Sermão de Santo Antônio de Pádua (Parte 1/5)

TEMAS DO SERMÃO
Evangelho do primeiro domingo após o Natal do Senhor: "José e Maria...", que é dividido em três partes.
No primeiro tema do sermão, sobre a graça e a glória de Jesus Cristo, como está escrito: "Aprende onde está a sabedoria". O primeiro tema, sobre a pobreza, como está escrito: "Deus fez-me crescer". Ainda, sobre a miséria dos ricos, como está escrito: "Deus te golpeará com pobreza". Sobre a humildade, condenação dos soberbos e exaltação dos humildes, como está escrito: "Olhando o Senhor pela coluna de nuvem". Sobre a útil tristeza dos penitentes, como está escrito: "O espírito triste". Sobre a obediência, como está escrito: "Fala, Senhor". E, por fim, para os penitentes e religiosos, como está escrito: "Issacar é um asno forte".
No segundo tema, sobre a soberba e a humildade do coração, como está escrito "Depôs os poderosos". Sobre a utilidade da ruína para os pecadores convertidos, como está escrito: "Haverá ruína para o cavalo". Sobre a ressurreição da alma dos pecados, como está escrito: "A mão do Senhor pôs-se sobre mim"; e sobre a propriedade das prisões. Ainda, contra os amantes das coisas temporais, como está escrito: "Estendi as minhas mãos". Sobre o duplo parto de Santa Maria, como está escrito: "Antes de dar à luz"; e a Paixão do seu Filho, como está escrito: "Lembra-te da pobreza". Por fim, sobre as quatro estações do ano e o seu significado, como está escrito: "Quando chegará a plenitude dos tempos".
No terceiro tema, sobre a Anunciação ou o Natal do Senhor, como está escrito: "Quando tudo estava envolvido num grande silêncio". E um sermão moral sobre a penitência, como está escrito: "Quando tudo estava envolvido num grande silêncio".

EXÓRDIO. SOBRE A GRAÇA E A GLÓRIA DE JESUS CRISTO
1. Naquele tempo: "José e Maria, mãe de Jesus, estavam admirados com o que diziam sobre ele" (Lc 2, 33).
Disse Baruc: "Aprende onde está a sabedoria, onde está a prudência, onde está a virtude, onde está a inteligência, para que saibas tanto onde está a longa vida e sobrevivência, quanto a luz dos olhos e a paz" (Bar 3, 14). Diz o Salmo: "O Senhor dará a graça e a glória" (Ps 83, 12); a graça no presente, e a glória no futuro. As primeiras quatro premissas referem-se à graça, e as últimas quatro, à glória. A sabedoria, palavra que vem do latim, "sapere", sentir sabor, está no gosto da contemplação; a prudência, em precaver-se das ciladas; a virtude, em suportar as adversidades; a inteligência, em recusar os males e escolher os bens. Por outro lado, a longa vida será a dos santos na eterna bem-aventurança; por isso: "Eu vivo, e vós viveis" (Jo 14, 19); a sobrevivência, na fruição da alegria; por isso: "Eu disponho do reino a vosso favor, para que comais e bebais sobre a minha mesa" (Lc 22, 29-30) etc.; a luz dos olhos, na visão da humanidade glorificada de Cristo; por isso, em João: "Pai, os que me deste, quero que, onde eu esteja, eles estejam comigo, para verem a minha glória, que me deste" (Jo 17, 24); a paz, na glorificação do corpo e da alma; por isso Isaías diz: "Conservarás a paz, porque em vós, Senhor, temos esperado" (Is 26, 3). Sobre a longa vida e a luz dos olhos fala-se no Salmo: "A fonte da vida está junto de vós, e na tua luz veremos a luz" (Ps 35, 10); sobre a paz e a sobrevivência: "Que pôs os teus fins em paz, e te sacia com a flor do trigo" (Ps 147, 14). A flor do trigo é a fruição da alegria da humanidade de Jesus Cristo, com a qual se saciarão os santos.
Ou então: Aprende, ó homem, a amar Jesus, e então aprenderás onde está a sabedoria etc. Ele é a sabedoria; por isso, nos Provérbios, lê-se: "A sabedoria construiu para si uma casa" (Prov 9, 1). Ele é a prudência; por isso disse Jó: "A sua prudência", isto é, a prudência do Pai, "golpeou o soberbo" (Job 26, 12), isto é, o diabo. Ele é a virtude, como disse o Apóstolo: É a virtude de Deus e a sabedoria de Deus (cf. 1Cor 1, 24). Nele está toda a inteligência, a cujos olhos todas as coisas são manifestas (cf. Hebr 4, 13). Ele é a vida: "Eu sou o caminho, a verdade e a vita" (Jo 14, 6). Ele é a sobrevivência, posto que é o pão dos anjos, a refeição dos justos. Ele é a luz dos olhos: "Eu sou a luz do mundo" (Jo 8, 12). "Ele é a nossa paz, que de dois fez um" (Eph 2, 14).
Aprende, ó homem, essa sabedoria, para que saboreies; essa prudência, para que te cuides; essa virtude, para que tenhas sucesso; essa inteligência, para que conheças; essa vida, para que vivas; essa sobrevivência, para que não desfaleças; essa luz, para que vejas; essa paz, para que descanses. Ó bom Jesus, onde vos procurarei? Onde vos encontrarei? Onde, encontrando a vós, encontrarei esses bens? Possuindo-vos, possuirei esses bens? Procura e acharás. E, pergunto, onde mora ele? Onde se apascenta ao meio-dia? (cf. Cant 1, 6) Queres ouvir onde? Dize, peço-to. Em meio a José e Maria, a Simeão e Ana, encontrarás Jesus. Por isso, no evangelho de hoje, lê-se: "José e Maria, mãe de Jesus, estavam admirados" etc.

2. Nesse evangelho, essas quatro pessoas se propõem, e veremos o que cada uma significa do ponto de vista moral. José quer dizer "aquele que acrescenta"; Maria, "estrela do mar"; Simeão, "aquele que ouve a tristeza"; Ana, "aquela que responde". José simboliza a pobreza; Maria, a humildade; Simeão, a penitência; Ana, a obediência. Dissertaremos sobre cada um.

I. SOBRE A POBREZA, HUMILDADE, PENITÊNCIA E OBEDIÊNCIA
3. José acrescenta (cf. Gen 49, 22). Quando o homem miserável dá-se às delícias, dilata-se nas riquezas, então decresce, porque perde a liberdade. O cuidado com as riquezas fá-lo servo, e enquanto serve essas coisas, diminui para si, dentro de si mesmo. Infeliz da alma que é menor do que aquilo que possui: é menor quando se submete às coisas, ao invés de submetê-las a si. Essa submissão servil é mais óbvia quando se possui com amor, e com dor se perde. Porque essa dor é grande servidão. E o que mais seria? Não há verdadeira liberdade senão na pobreza voluntária. Esse é o José, que acrescenta, e diz, no Gênesis: "Deus me fez crescer na terra da minha pobreza" (Gen 41, 52). Na terra da pobreza, diz ele, e não da abundância, "Deus me fez crescer": cresce naquela, e decresce nessa. Por isso, o segundo livro dos Reis diz que "Davi, aproveitava e ficava cada vez mais robusto, enquanto a casa de Saul decrescia todo dia" (2Reg 3, 1). Davi, que diz no Salmo: "Eu sou mendigo e pobre" (Ps 39, 18), "aproveita como a luz resplandescente, e cresce até o dia perfeito" (Prov 4, 18), e robustece-se cada vez mais, porque a pobreza alegre e voluntária rendeu-lhe essa força. Por isso, diz Isaías: "O espírito dos fortes", isto é, dos pobres, "é como um turbilhão que empurra a parede" (Is 25, 4) das riquezas. As delícias e riquezas prendem e dissolvem. Por isso, diz Jeremias: "Até quando te dissolverás nas delícias, ó filha vagabunda?" (Jer 31, 22).
A casa de Saul, que quer dizer abusador, isto é, os ricos deste mundo, que abusam dos bens e dons do Senhor com os apetites do seu corpo, decresce todo dia. Por isso disse Moisés, no Deuteronômio: "O Senhor te castigará com pobreza, febre, frio, ardor, agitação, ar insalubre, e gosto ruim na boca, e serás perseguido até perecer" (Deut 28, 32). O senhor castiga, isto é, permite que castiguem, o rico deste mundo com pobreza, porque sempre quer ter mais; febre, porque tortura-se e dói-se vendo a felicidade alheia; frio, isto é, temor de perder as coisas adquiridas; o ardor de adquirir o que não possui; a agitação da gula; o ar insalubre da má fama; o gosto ruim da luxúria. É assim que decresce a casa de Saul. A casa de Davi, porém, mendigo e pobre, cresce de virtude em virtude na terra da sua pobreza.

4. A seguir, sobre a humildade. Maria, estrela do mar. Ó humildade! Estrela radiante, que ilumina a noite, guia até o porto como uma chama coruscante, e mostra o rei dos reis e Deus, que diz: "Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração" (Mt 11, 29). Quem não tem essa estrela "é cego e míope" (2 Pt 1, 9), a sua barca será destruída pela tempestade, e ele submergirá em meio às ondas. Por isso se diz, no Êxodo, que "Olhando o Senhor, pela coluna de nuvem e fogo, para os exércitos dos egípcios, matou o seu exército, e virou as rodas dos carros, e eles afundaram. Os filhos de Israel, porém, passaram a pé enxuto pelo meio do mar, e as águas dele ficaram como muros, à direita e à esquerda" (Ex 14, 24-25. 29). Os egípcios, que a nuvem tenebrosa obnubilava, são os ricos e poderosos deste século, que a fumaça da soberba põe em trevas, os quais o Senhor mata; e vira-lhes as rodas dos carros, isto é, a dignidade e glória daqueles que giram pelas quatro estações do ano; e os afunda no fundo do inferno. Os filhos de Israel, porém, iluminados pelo resplendor do fogo, são os penitentes e pobres de espírito, iluminados pelo resplendor da humildade; a pé enxuto, eles passam pelo mar deste mundo, cujas águas, isto é, amargas inundações, são-lhes como muros, porque eles se armam e defendem-se da prosperidade da direita e da adversidade da esquerda, de modo a não serem elevados pelo prestígio popular, nem precipitados pela tentação da carne.
Sobre isso, fala o Deuteronômio: "Mamarão das inundações do mar como do leite" (Deut 33, 19). Note-se que ninguém pode mamar nada, se não o apertar com os lábios. Os que têm a boca aberta no ganho de dinheiro, na negociação da vanglória, no favor popular, não conseguem mamar das inundações do mar. É difícil separar os lobos do cadáver, as formigas da semente, as moscas do mel, os beberrões do vinho, as meretrizes do prostíbulo, os comerciantes do mercado. Salomão, nos Provérbios, disse algo semelhante: "O provérbio é o seguinte: O adolescente está no seu caminho; mesmo envelhecendo, não sairá dele" (Prov 22, 6). Só os humildes, que fecham seus lábios ao amor das coisas temporais, mamam das inundações do mar como do leite.
Ó estrela do mar! Ó humildade de coração, que convertes o mar amargo e impróprio em doce e formoso leite! Ó quão doce é para o humilde a amargura! Quão leve a tribulação, que suporta pelo nome de Jesus! As pedras foram doces para Estêvão, a grelha para Lourenço, os carvões ardentes para Vicente: por Jesus, mamaram as inundações do mar como leite.
Na palavra "mamar", nota-se a avidez com deleitação. Só a humildade sabe mamar das tribulações e dores com avidez e deleitação. Por isso, nos Cânticos: "Quem te dará a mim, meu irmão, mamando nos peitos de minha mãe?" (Cant 8, 1). Fala-se aí de três pessoas: a mãe, a irmã e o irmão. A mãe é a penitência, que tem dois seios: a dor da contrição, e a tribulação da satisfação; a irmã é a pobreza; o irmão, o espírito de humildade. Diz, pois, a irmã pobreza: Quem me te dará dará, ó meu irmão, espírito de humildade, para que com avidez mames nos seios de nossa mãe? Eis o irmão e a irmã, José e Maria, o esposo e a esposa, a pobreza e a humildade. "Quem tem esposa é esposo" (Job 3, 29). Bem-aventurado o pobre, que toma a humildade como sua esposa.
Traduzido por nós de: http://www.santantonio.org/portale/sermones/indice.asp?ln=LT&s=0&c=0&p=0

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